12/21/2008

POEMA DE FRANCISCO MARCELO CABRAL

ESTE MOMENTO TEM NOME



Francisco Marcelo Cabral



Este momento tem nome: êxtase.

A luz dura do sol no teu olho cerrado

o zumbido de insetos delicados,

o ácido sal da vida,

o pulso e o ritmo ofegante do ar que te penetra.


Submerges nesta fresta do tempo

e sentes o universo tocando o teu ser,

tão íntimo que o podes separar em fruto e semente

tão sem limites em suas onze membranas

que nele tudo cabe inumeravelmente

tão diversamente o mesmo que não te contém e contém.


Não estás morrendo, sossega.

Apenas navegas em estilhaços

Como a estrela que explode na constelação do Centauro.


12/18/2008

CATAGUASES - História

Praça Gov. Valadares (Praça da Estação), em 1917, com jardim reformado pelo prefeito Coronel João Duarte

12/11/2008

POEMAS NA BLOGOSFERA

Natal de 2008. O poema visual recebe um acréscimo e se transforma em cartão-poema para o evento.

11/23/2008

CATAGUASES 2009: DOIS CENTENÁRIOS

Camilo Soares e Francisco Inácio Peixoto foram dois integrantes do Movimento Verde (1927-29), de Cataguases. Eles completarão centenário de nascimento em 2009. Estamos preparando homenagens em forma de publicação de livros, exposições e palestras na cidade.

11/07/2008

O PENSADOR

Escultura de Jan Zach nos jardins do Colégio Cataguases. Bico-de-pena de Clóvis Spindola.

11/04/2008

REVISTA MYTHOS

Lançamento no dia 3 de novembro de 2008,no Campus da FIC - Faculdades Integradas de Cataguases, do primeiro número da
Revista Acadêmica MYTHOS,
com participação de professores e alunos
de todos os cursos.
(capa de Natália Tinoco)
(Edição da Funcec - Fundação
Comunitária
Educacional de Cataguases)

9/18/2008

LECY DELFIM VIEIRA (1942-2008)



“Fundarei o céu e a terra
só para ter aonde ir.”


(foto Lecy Delfim Vieira, 1967)


Espanto e susto. Foi o que me acometeu. Também fiquei muito triste. Alguém me dissera: – Lecy morreu. Dito assim, seco, funcionou como um baque.
Não importa quando, como, onde. Parecia que isso jamais iria acontecer. Sua presença, seus livros voltaram-me à mente. Em suas invenções de paródias ou ensaios de meninas, não era prevista a orfandade do rio e das meninas ao mesmo tempo.
Imagino sua vida ao escrever ainda muito jovem o romance Paródias de um gigante líquido. Um título e tanto. Na época, peguei os manuscritos, li-os numa sentada. Um texto incrível. Naqueles idos de 1961, já senti ali a literatura pulsando célere, madura, imagens bem construídas, novas, o pensamento de uma autora no limite de sua pouca leitura e de sua muita densidade. Como me assustei.
Nem tive tempo de olhar pro lado. Apresentou-me, logo depois, os originais de Ensaios-Menina, não sem muita insistência de minha parte. Poemas de reflexão. Novo impacto. Ela não estava ali para brincar. As meninas, numeradas de 1 ao infinito, não terminariam nunca, e a narradora se dirigia a elas, uma a uma, como se fossem filhas ou espelhos de si mesma ou ambas as coisas. O diálogo textual com as meninas funcionava como num ringue de alter-egos. Daria outro excelente livro.
Tentei incorporá-la ao nosso grupo de rapazes que, na época, fazia o jornalzinho O Muro; publiquei alguns de seus textos, mas ela era impermeável à equipe. Tinha seu próprio mundo e mostrava-se arredia ao assédio.
Mesmo assim, busquei editores, críticos no Rio, em Belo Horizonte e São Paulo, pois Lecy era a única do grupo que tinha livros prontos e eu sabia o que estava diante de mim. Nada. A sorte não estava a seu favor.
O máximo que consegui foi o interesse do crítico Assis Brasil e depois de Walmir Ayala, que selecionou vários de seus poemas para a antologia Poetas novos do Brasil, em 1967. Ali foram editadas, pela primeira vez em livro, as ‘meninas’, com apresentação de Francisco Inácio Peixoto, que dizia: ‘Herdeira do nada, senão dos caminhos de Cataguases, e de sua infância, explode em diálogos que, na verdade, são monólogo de obsedante desamparo: ‘Será que não há no mundo/ quem queira comigo ir,/ mesmo que não olhe meus olhos/ inda que vá por partir?’. Falamos ‘explode’ e não há de fato, outro verbo para exprimir o jeito que Lecy tem de dizer as coisas.”
Volto a Lecy. Procuro um fragmento de Paródias... , ele dá o tom do belo dis’curso do rio:
“Nasci nas frontes de Minas Gerais como um mineiro qualquer. Depois de ser nascido fui amado e batizado como um rio qualquer. Minha infância foi sem tréguas. Sempre corri demais. Talvez por isso começaram as ofertas que não vinha por amar-me sim por acalmar-me. E mais vingança eu sonhava quando uma rosa sem história sumia na minha cara perdida. Sempre fui assim muito quieto e muito rápido, muito forte e bem amado. Era assim o meu trecho, sempre cresci sem vontade e cheio de mágoas. Como lágrimas sentidas de uma guerra interminável de um texto prevendo misérias.
Fora isso, sempre fui muito sóbrio, contra o Amazonas.”
Outros fragmentos de sua obra, e não é difícil encontrá-los da melhor qualidade:
“Precisarei de alimento, água, bússola, companheira./ – será que não há no mundo quem queira comigo ir? –/ inda que não olhe meus olhos/ inda que vá por partir./ – Fundarei o céu e a terra só pra ter aonde ir.” (Menina nº 70)
“O que devemos Menina é fazer a vida/ não assisti-la.” (Menina nº 62)
“E o grande aguaceiro, e as grandes orgias, e o aguaceiro e as orgias. Meu sonhar terrível me desperta de tantas mágoas que nem sei se verei o fim do mundo. [...] Todos os que caíram nas minhas águas aumentaram meus pesadelos. Então que lhes devo?” (Paródias do gigante líquido, p. 5)
“Além de mim o que mais quererão os deuses de mim?” (Menina nº 54)
“O mundo?/ O mundo é aquilo que era redondo e que mudou de forma como eu./ Será que o mundo me imita?” (Menina nº 31)
“Do jeito que vais Menina/ em pouco o mundo estará velho demais./ – e são 365 dias às vezes 66 além dos nossos –/ tantos/ que tu me perguntas/ como/ a humanidade pode viver com tão poucos dias/ incrível não Menina?” (Menina nº 24)
“...até que o mar que nunca fica louco de sede/ – que só a sede enlouquece –/ até que o mar normal, arrebente este litoral/ que nunca sei se termina/ cá/ ou acolá/ da mangueira.” (Menina nº 22)
“Eu me importaria que te suicidasses/ que então eu não teria armas contra o mundo./ Tu és o meu projétil.” (Menina nº 20)
“Serei eu provável pedreira?/ Eu te darei todas as pedras./ Que são as estrelas que não buracos no céu/ feitos por pedradas?/ Uma pedra bem atirada revela tudo ao homem Menina./ Um pássaro apedrejado – por Deus não chores –/ o pássaro é um embuste./ Um homem apedrejado – por Deus não te escondas atrás de mim –/ já te ensinei a enfrentar os dragões Menina./ Além do mais/ tu tens todas as pedras./ No entanto, recorda-te,/ que o que importa é o alvo/ não é a pedra.” (Menina nº 18)
“A felicidade é como o segundo andar de um clube/ três garrafas/ dois copos/ uma mesa./ A paisagem atrás da vidraça/ eu/ e catorze cadeiras./ Mas não é felicidade que eu busquei/ ninguém pode dizer isto./ Eu não quero buscar mais nada/ se tu nunca estás em nada/ nem em mim/ tu tão independente./ Não quero felicidade/ de cadeiras/ de copos/ de mesa./ Menina/ eu te quero apenas.” (Menina nº 11)
“O que vale na vida é comer ou não comer./ Mas jamais deixes de devorar os extremos/ pois para além deles/ não há mais nada para se comer./ E é no ato de se devorar os extremos que está a fórmula iminente da vida.” (Menina nº 6)
No dia 8 de agosto morreu a cataguasense escritora Lecy Delfim Vieira, ela que nascera no dia 12 de outubro de 1942. Um talento tão grande que acabou prejudicando a sua edição em livro solo.
Além da antologia de Walmir Ayala, participou apenas da coletânea Marginais do Pomba, organizada por mim, Fernando Cesário e Ronaldo Werneck. Deixou inéditos títulos como Rua sem elevadores, 8.511.965 km2 de omissão, PAN-Pressão atmosférica normal, Mulher setentrional, Ensaios-Menina e Paródias do gigante líquido. Espero editá-los brevemente, e levar ao público palmo a palmo o seu caminho literário.

7/11/2008

POEMA DE P. J. RIBEIRO


UM DIA ALGUÉM TE AFAGOU NOS BRAÇOS*
P. J. Ribeiro

Lembras-te de que um dia
alguém te coçou a cabeça
e te afagou nos braços
e te entupiu as narinas e a boca
com um leite quente
que escorria de dentro
de um peito vermelho?

Sabes que este leite
que te serviu de alimento
por algum tempo
é o que te sustenta até hoje?
* do livro inédito Drogaria, a sair brevemente.

6/27/2008

O POEMA EM PROSA

O POEMA-EM-PROSA


Gênero de literatura pouco comum atualmente, o poema-em-prosa já teve grandes cultores tanto no Ocidente como no Oriente.
Trata-se de textos de natureza poética, geralmente curtos, e, como o próprio nome indica, têm a forma prosaica. Líricos, intimistas, apologéticos, muitas vezes vêm carregados de humor.
Entre os orientais, esse tipo de composição literária teve em Tagore um mestre e entre nós aparecem os franceses Rimbaud e Mallarmé, o espanhol Juan Ramón Jiménez, o argentino Jorge Luis Borges e os brasileiros Cruz e Sousa, Bandeira e alguns poucos.
Um dos praticantes desse gênero no século XIX – descoberto pelo gênio de Baudelaire – foi o poeta francês até hoje pouco conhecido Aloysius Bertrand, autor do livro Gaspard de la nuit.
Pois essa preciosidade, com belos desenhos de Rembrandt e Callot, foi traduzida recentemente por José Jeronymo Rivera (EditoraThesaurus) (editor@thesaurus.com.br).
Destacamos na abertura do volume o excelente texto de Xavier Placer, que introduz o leitor na obra de Bertrand e nas características do poema-em-prosa através dos tempos.
E quase no final, um dos textos de Bertrand, uma prosa curta, poeticamente escrita, pode ser um exemplo desse tipo de composição:


O CADAFALSO
Ah! O que ouço será o vento noturno a soprar, ou o enforcado exalando um suspiro na forca patibular?
Será algum grilo cricrilando escondido na grama e na hera estéril, com a qual por piedade se aduba o bosque?
Ou será alguma mosca a caçar, soando sua trompa junto às orelhas surdas à fanfarra dos toques de caça?
Será algum escaravelho que colhe em vôo desigual um pêlo sangrento do crânio calvo?
Ou será talvez uma aranha bordando meia vara de musselina para uma gravata a ser atada no pescoço estrangulado?
É o sino que tange nos muros de uma cidade abaixo do horizonte, e a carcaça de um enforcado que o sol poente avermelha (p. 199-200).

6/21/2008

POEMAS NA BLOGOSFERA



Pistas de "leitura" - poema visual de 1968, refeito em versão computadorizada em 2004, em que se usa a denominação "Flower-Power" no duplo sentido de movimento pacifista norte-americano e de oposição semântica e coincidência fônica entre os vocábulos: "Flower" X "Power".

6/01/2008

A HORA DO MESTRE

A HORA DO MESTRE

Joaquim Branco*


Infelizmente, por uma dessas questões do destino, nunca fui aluno do professor Antonio Candido. Ele lecionou teoria da literatura por muitos anos na Universidade de São Paulo e hoje, aposentado, dedica-se a artigos e livros e a palestras em congressos e eventos literários.

Mas conheço grande parte de sua obra, onde aprendi lições fundamentais com a inteligência, o talento e principalmente a simplicidade objetiva de seus textos teóricos e críticos.

Pelo Correio e de surpresa, chegou-me, porém, no final de 2007, por iniciativa de um amigo (Ronaldo Cagiano), um verdadeiro presente de Natal e fim-de-ano: o Estudo analítico do poema, que nada mais é do que um curso ministrado por Candido em 1963 para uma turma de Letras da USP, e, na época, mimeografado por alguns professores. A Editora Humanitas recentemente o editou.

Imaginem a oportunidade que tive de ‘assistir’ a algumas de suas aulas e a preciosidade, que, de agora em diante, está ao alcance de todos.

Candido inicia suas considerações pelos conceitos de poesia e poema, poesia e literatura e apresenta o programa do curso. Passa em seguida às noções de análise e interpretação do poema e outros itens.

Há, no livro, outro capítulo interessantísssimo sobre os fundamentos do poema, em que penetra na sonoridade e no ritmo com rara propriedade, e também no metro e no verso, baseando suas lições em conceituações próprias, nas de outros teóricos, e em clássicos, românticos e modernos como Camões, Gonçalves Dias, Bandeira e outros.

O autor reserva sua última intervenção para a natureza da metáfora, introduzindo teorias de Vico, passando por Freud e Jung e chegando a Bachelard.

Com este pequeno volume de 160 páginas, Antonio Candido nos proporciona, no mínimo, uma bela viagem, na qual quem sai premiado, por momentos de sensibilidade e argúcia poética, é uma solitária e afortunada figura, à qual Borges constantemente gostava de se referir: o leitor.


*Professor das Faculdades Integradas de Cataguases; doutor em literatura pela UERJ;
pós-doutorando em ciência da literatura pela UFRJ.
joaquimbranco.blogspot.com
www.joaquimbranco.cjb.net

3/19/2008

POEMAS NA BLOGOSFERA


OLHO VIVO - neste poema visual, o olho-farol - ao contrário do olho humano - não só recebe a imagem e a transmite como também é o emissor de sua própria luz.

3/13/2008

OSWALDO ABRITTA - Desenho de Di Carrara

Oswaldo Abritta (1908-1947) na visão do pintor Di Carrara, em desenho especial para a página comemorativa do Centenário do poeta, publicada no jornal "Cataguases" no dia 16.03.2008.

2/17/2008

OSWALDO ABRITTA - Poema


A RUA DA ESTAÇÃO

A rua da Estação em Cataguases,
à noite, é silenciosa
e os automóveis sobre ela deslizam
como se deslizassem sobre um tapete...
Passam homens, mulheres apressadas
para o footing da Praça Rui Barbosa,
onde eu vejo sempre uma melindrosa
defendendo o charleston e falando
em crepes da China e fios de Escócia
e meias bege...
Mal sabe ela que eu a sigo silencioso
só porque ela se parece com um mapa
da América do Sul, colorido...
A rua da Estação em Cataguases, durante o dia,
é tumultuosa como os grandes centros.
Passam rapazes sem paletó e vão dizendo "olá "
para os conhecidos...
Caminhões, carroças...
Tudo exprime vida, força, energia, entusiasmo
nesta cidade principesca...
A rua da Estação é a vida de Cataguases.
(16.01.1928)

(na foto: Oswaldo, a esposa Yolanda e o filho Luiz Carlos, em 1938)




OSWALDO ABRITTA

OSWALDO ABRITTA (1908-1947)

Nasceu no distrito de Cataguarino, município de Cataguases, filho de Boaventura José Abritta e Ana Lopes do Nascimento.
Fez o curso médio no Ginásio Municipal de Cataguases, hoje Escola Manuel Inácio, onde teve intensa atividade literária no Grêmio Literário Machado de Assis e publicou poemas em vários jornais da cidade.
Participou em 1927 da criação da Revista Verde, como poeta. Formou-se em Direito, exerceu a advocacia e foi juiz de direito em Guarani e Carandaí(MG).
Obra póstuma: Versos de ontem e de hoje(editado por seu filho Luiz Carlos em 2000) escrito em 1931.
Este ano vamos comemorar na FIC e no jornal Cataguases o centenário de seu nascimento : 1908 - 2008. Aguardem.
Leiam o poema "Jardim", de 1927:
"Monotonia estranha dentro da tarde.
E o meu jardim?
O meu jardim
deixou de ser jardim
para ser perfume."

2/16/2008

HISTÓRIA DE CATAGUASES - Educação

COLÉGIO CATAGUASES - Antigo Ginásio Municipal de Cataguases, num painel de fotos da formatura de 1945, com formandos, professores e diretores. Em cima: Francisco Inácio Peixoto, José Silva Gradim, Manuel das Neves; Professores: Lysis Brandão da Rocha, Pierre Teotônio da Silva, Antônio Amaro, Martins Mendes e Ângelo Rocha; no meio, o inspetor Abílio Novais; os demais são formandos de 1945 (ginásio). (Foto fornecida pelo poeta-aluno Francisco Marcelo Cabral).


2/15/2008

CAMPO DE POUSO I

CAMPO DE POUSO I

Joaquim Branco

“Às vezes também penso, e imagino, que o que me dá realmente este enjôo constante é o movimento de rotação da Terra.”
“[...] cheguei até à beirada do planeta e olhei pra baixo. Sabes que não tinha nada lá? [...]”
(Lecy Delfim Vieira)

KJ-1 tremera ao acordar. Num jato, estava no banho e preferira não pensar. Como se pudesse estar à meia-luz dos fatos e esquecer tudo.
Espanejar a memória. Desligar o painel como na vídeo-tela.
Escurecer por dentro. Fim.
As cortinas de par em par na torre: abertas agora por um botão.
KJ-1 vê a noite, quase refeito. Ele sustenta náuseas de tempos que se acumularam em fatias de bolo. Por isso foi que tremeu, num susto, em lances de sonho.
Esses transportes à outra realidade haveriam de ser sempre mal lembrados. Não dera jeito de se livrar da memória ainda, como também dos sonhos rápidos. Num segundo, vira YU-15, NO-3 e WRE-17, figuras embaçadas de épocas passadas e ruins.
Das alturas da torre em que mora e pela vista magnética aos seus olhos, um grande setor do Campo de Pouso parece fantástico demais para ser visto. Como o que havia acontecido em sua vida anterior.
Pontos luminosos no horizonte, brilhos de outras torres mais distantes, um jato puro passando, o violeta saído de cores difíceis de se descrever, no ar.
Nuvens-flocos mais escuras que claras. Tonalidades no céu, na pré-manhã, noite ainda. Silêncio natural. Focos de luz relanceando vez ou outra.
Ele fora para ali recentemente, mas como difere de outras eras, esse tempo.
Aquele outro formava um compartimento estanque com espaços marcados e horas definidas.
KJ-1 passara pela colônia de estímulos e fizera primeiro um tratamento de adaptação.
No Campo de Pouso, agora aguarda as reações e partirá para ‘novas tendências’, como haviam previsto os seus iniciadores. Para os técnicos do KRJUYC talvez essa fase de transição e a simples colocação no Campo possam levar KJ-1 a um plano melhor, e talvez nada mais seja necessário, devido ao nível de seus conhecimentos. Havia sido um especialista em ficção científica, um indivíduo sensível.
As alterações na memória levaram, porém, KJ-1 a uma preocupação maior. Depois das técnicas iniciais, aprendera o médium-tônus-ócio. E criara um vazio interior indefinível. Não poderia dizer que fosse bom ou ruim. O certo é que KJ-1 voltara a um estágio pré-cultural e as coisas ficaram distantes e desinteressantes.
Os olhos de KJ-1 não sabem perguntar mais nada: as torres onde mora fecham-se numa solidão de régua e compasso.
Há muitos dias que não ligava a vídeo-tela. Não lhe interessam as notícias, a ludo-arte ou o make-messages. Está vivendo ainda do mal, ao sabor, no entanto, de uma esteira de tecnologia e lazer, como os demais naquele Campo. Por vários dias, anda lentamente em seu life-room. Os olhos fixos no grande visor da torre.
Agora começa a sentir novamente. Não são bons sinais para quem vem de lutas psicológicas antigas e pensa estar fora de um tempo-espaço convencional. Por certo não há lugar mais para angústias e problemas individuais. Isso o assusta ainda.
E internamente KJ-1 já estivera preparando terreno para uma saída dessas, desde que passara a ter contato com o pessoal do Campo de Pouso.
O psicológico só beneficia tiranias mentais – pensara certa vez. Blasfema para o ar. E o éter lá fora, no nível das torres, parece diluído e filtrado, como nas galáxias que aprendera a ver na tela, em horas variadas.
“Estrelas natimortas”, “a fria constelação do Touro”, tudo lembra um poema de Faustino. Bahh!!! Velhas idéias.
De repente vê os limites da noite na Terra, em confronto com as imagens pretas de uma visão extra-terrena.
E, na vídeo-tela, aos poucos, seu decifrador de idéias traduz, em filamentos, um estranho esboço visual que logo reconhece claramente. Não pode acreditar no que vê.
Então KJ-1 – ao mesmo tempo que parece ensaiar as idéias – codifica o pensamento, e a máquina imediatamente recebe seus impulsos, mostrando no visor as primeiras palavras de um longo texto em que se vê mergulhar:

Campo de Pouso, 21 de janeiro de 1974.

2/04/2008

POEMAS NA BLOGOSFERA

Poema visual em que se enfatiza o "corte", tanto nas palavras (que perdem sufixos) como nas imagens (que são excluídas por sinais). A exclusão faz emergir o vocábulo AÇÃO que funciona como sinalizador/solução. Resultado: a experiência crítico-formal proposta pelo poeta.

1/30/2008

GRANDE HOTEL VILLAS

HOTEL VILLAS - Fundado em 1895, o prédio foi conservado com a mesma estrutura e aspecto até os nossos dias pela família Villas e seus descendentes. Foi o primeiro hotel de Cataguases, situado em frente à estação ferroviária para atender os viajantes que chegavam de trem. (foto da década de 1920, recuperada por Eugênia Branco em 2008)

1/26/2008

VIAGEM - poema de Guilhermino César



VIAGEM


O destino? Cataguases.
Quero depressa chegar.
O motivo da viagem
não é segredo nenhum,
virá nas folhas de cá:
- Embarco pra Cataguases,
que lá me vão enterrar.

Por favor, façam depressa
o transporte para o chão
do meu corpo e seu fedor.
Não deixem pelo caminho
mazelas que foram minhas,
herói de infeliz amor.

Me arquivem logo no chão,
no frio barro vermelho
do outro lado do rio,
um pouco depois da ponte
(com licença do Ouvidor).

Cubram, idem, o monturo
com pedra, areia e cimento,
mas não deixem nenhum brilho,
nenhum sinal exterior
que inda aos pássaros engane,
que a visitas e coveiros,
jornalistas e parentes
recorde o silêncio escuro
em que dormindo me fique.

Depois, me larguem, me olvidem.
Que eu seja bem digerido
pelo chão de Cataguases,
reino de Minas, Brasil.

(in "Lira Coimbrã e Portulano de Lisboa",
Livraria Almedina, Lisboa 1965)

(ilustração de Maria Antônia A. Rodrigues)

GUILHERMINO CÉSAR


Guilhermino César (1908-1993)

Participou do Movimento Verde nos anos 20, em Cataguases. Poeta, crítico, romancista e professor universitário. Autor de vários livros como Lira Coimbrã e Portulano de Lisboa, Cantos do canto chorado. Fez carreira como professor na UFRGS, em Porto Alegre, e, como professor visitante, fundou a cadeira de Literatura Brasileira na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde esteve por 4 anos. Neste ano, comemora-se o Centenário de Guilhermino César com inúmeros eventos aquém e além-mar.