8/30/2012

O APELO DO ORIENTE


Entre as histórias que povoaram a infância de boa parte da minha geração, encontram-se os contos de Malba Tahan (1895-1974), esse professor brasileiro que se especializou em cultura oriental, geralmente ligada a problemas de matemática.
Lia com encantamento suas estórias pontilhadas de mistério, em que se encontravam sábios, leões, xeques, gatos siameses e princesas, todos personagens de um texto que ressaltava a simplicidade e a concisão narrativa.
Lembro-me de Paca tatu, Maktub e principalmente de O homem que calculava, o mais famoso de seus livros. Acima da curiosidade dos problemas aritméticos ali propostos, atraíam-me os temas inusitados e a maneira leve e interessante como Malba Tahan escrevia.
O tema me remete a outro sonhador com o Oriente – Jorge Luis Borges – que afirma em seu livro Sete noites:

“A gente tem vontade de perder-se em ‘As mil e uma noites’, pois sabe que, se entrar nesse livro, é capaz de esquecer nosso pobre destino humano”.

Citado por Borges, o inglês-indiano Kipling acrescenta algo não menos precioso:

“Se ouvires o apelo do Oriente, já não ouvirás outra coisa”.

Pode ser encontrada nas livrarias uma compilação dos melhores trabalhos de M. Tahan intitulada Contos e lendas orientais, edição ilustrada da Ediouro, que, além de entretenimento, constitui boa literatura para leitores de todas as idades exercitarem sua imaginação e desenvolverem suas técnicas de escrever.

8/28/2012

AS VISITAS DE UM BRITÂNICO ILUSTRE

(Na foto, o crítico inglês John Gledson em palestra na UERJ, em 2006).

John Gledson é um brasilianista inglês que descobriu a nossa literatura e suas pesquisas deram bons resultados.
Inicialmente veio ao Brasil para estudar a obra de Carlos Drummond de Andrade resultando no livro Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade. Apaixonou-se tanto pela literatura brasileira que resolveu ir à base, ninguém menos do que Machado de Assis. Novamente acertou o inglês, que não para mais de estudar esses dois autores fundamentais, um da época do Realismo, outro do Modernismo.
E agora nos surpreende com Machado de Assis - ficção e história (Editora Paz e Terra) e Influências e impasses - Drummond e alguns contemporâneos (Companhia das Letras).
O primeiro toque de Gledson está no seu estilo de escrever: rodeando o tema, vai cativando o leitor por meio de uma escrita simples e envolvente, em que estudado e estudioso se veem lado a lado, e literatura e história vão recebendo paulatinamente tintas e cores vindas do ficcional e da pesquisa que o tempo e o espaço fornecem.
No livro sobre Machado, várias considerações me chamaram a atenção, especialmente as que partiram da ‘descoberta’ do romance Casa velha (1885), obra situada entre Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1886) e à qual a crítica brasileira nunca deu maior importância.
No tocante ao livro sobre Drummond, Gledson se aventurou num terreno em que nossos críticos pouco pisaram: o do comparativismo e das influências, o que torna sua pesquisa mais interessante e diferenciada. O crítico busca autores nacionais e estrangeiros que tiveram alguma parcela de contribuição na obra do poeta de Itabira, de Bandeira a Cabral, de Jules Supervielle a Valéry.
Os caminhos seguidos e as marcas deixadas aqui e ali por poetas, bem como o desempenho e o aproveitamento de CDA são ‘perseguidos’ pelo pesquisador com minúcia de detetive e mãos de conhecedor da matéria, num trabalho que, aos olhos do leitor, qualifica ainda mais as obras de Machado de Assis e Carlos Drummond pelo que elas têm de universal e – por que não dizer? – de eterno.

8/21/2012

A SUPOSTA INFERIORIDADE



Há certos artigos, poemas e trechos de livros que gostaríamos que todo mundo lesse, e nessa vontade às vezes os levamos aos amigos mais interessados.
Um desses textos que sempre me vêm à mente intitula-se "Sobre o óbvio", e foi escrito por Darcy Ribeiro na revista Civilização Brasileira no final dos 70. Nele, Darcy dá uma aula de inteligência e massacra o velho pensamento dominante que coloca a nós, centro e sul-americanos – mestiços – como supostamente inferiores aos nobres habitantes do hemisfério norte. Nosso antropólogo comenta e desmoraliza a balela de que, se tivéssemos sido colonizados por ingleses, alemães ou outra raça ‘superior’, estaríamos hoje em pé de igualdade com os norte-americanos.
São preconceitos que até hoje querem nos impingir, como os da inferioridade das mulheres, dos negros, judeus e outros em que as pessoas infelizmente acreditavam.
O artigo é crítico, irônico, argumentativo, e levanta todos os pontos da questão, desde aquele início de colonização até os poderes de uma classe que, a partir do descobrimento, domina a cena brasileira. Da sua leitura, sai-se de alma lavada.
Um livro que de certo modo complementa a matéria é O avesso e o direito (Trad. Valerie Rumjanek, Rio de Janeiro, Record, 1995), do franco-argelino Albert Camus, que no prefácio abre para uma constatação redentora:
“Encontram-se muitas injustiças no mundo, mas existe uma da qual nunca se fala, que é a do clima”. (p. 20)
Isso nada mais é que outra fixação em que tentam nos manter; a de que as pessoas que vivem em climas quentes são inferiores, preguiçosas e não lutam pela vida.
Nas recordações infantis de Camus estão as mais belas descrições de sua terra – a Argélia – e tantas outras assertivas esclarecedoras:

“[...] fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol. A miséria impediu-me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo”. “De qualquer forma, o belo calor que reinou sobre minha infância privou-me de qualquer ressentimento. Eu vivia na adversidade, mas, também, numa espécie de gozo. Sentia em mim forças infinitas: bastava, apenas, encontrar seu ponto de aplicação. Não era a miséria que colocava barreiras a essas forças: na África, o mar e o sol nada custam. A barreira está mais nos preconceitos ou na burrice”. (p. 18/19)

(foto do escritor Albert Camus)




8/06/2012

VIAGEM À BABILÔNIA


Nascida em Worcester, nas imediações de Boston, a menina Elizabeth Bishop (1911-1979) perdeu os pais muito cedo e foi criada pelos avós, que apenas conseguiram remediar seus traços de solidão, pois esta a acompanhou por toda a vida.
Ajudada pelo pecúlio deixado pelo pai, pôde concluir a faculdade, mudando-se depois para Nova York. A vida solitária constantemente a impeliu para as viagens, por isso conheceu o Canadá, França, Itália, Marrocos e muitos outros países.
Com o primeiro livro publicado – Norte e Sul –, Elizabeth recebeu um prêmio literário, logo seguido de muitos outros, numa carreira literária de sucesso, especialmente de crítica.
Em Washington tornou-se consultora de poesia na Biblioteca do Congresso, contudo, nessa época, seus problemas maiores – o álcool e a depressão – quase a levaram ao suicídio.
Foi numa grande viagem em 1951 que esteve em alguns países da América do Sul, tendo se maravilhado com o Brasil, onde residiu por alguns anos ao lado de Lota, a companheira que conheceu aqui.
Em 1967, de volta aos EUA, dedicou-se ao magistério, lecionando em universidades como Harvard, contudo voltava sempre ao Brasil. Em contato com a literatura brasileira verteu para o inglês poemas de João Cabral, Drummond e Vinicius de Moraes.
Morreu em 1979, aos 68 anos, em Boston, e deixou obra valiosa, entre cartas, poemas e textos em prosa.
A poesia de Elizabeth Bishop pertence cronologicamente ao alto modernismo norte-americano, no entanto o grande domínio dos ritmos deu-lhe uma característica variada na composição poética.
Ainda que tenha demonstrado preferência por temas em que os lugares – sua geografia em particular – e o mundo dos animais se sobressaem, Bishop era uma poetisa voltada para o “eu”, às vezes com tendência surrealista e ora com traços de ironia.
A Companhia das Letras publicou "O iceberg imaginário e outros poemas", de Elizabeth Bishop, com seleção, tradução e estudo crítico de Paulo Henriques Britto.
Ali estão seus mais significativos poemas e, especialmente, um – “O ladrão da Babilônia” –, escrito quando de sua estada no Brasil, do qual extraímos o fragmento a seguir, que tem como tema os morros do Rio de Janeiro, onde a pobreza a impressionou sobremaneira:

O LADRÃO DA BABILÔNIA

Nos morros verdes do Rio
há uma mancha a se espalhar: são os pobres que vêm pro Rio
e não têm como voltar.

São milhares, são milhões,
são aves de arribação,
que constroem ninhos frágeis
de madeira e papelão.

Parecem tão leves que um sopro
os faria desabar.
Porém grudam feito líquens,
sempre a se multiplicar.

Pois cada vez mais gente
tem o morro da Macumba,
tem o morro da Galinha,
e o morro da Catacumba;

tem o morro do Querosene,
o Esqueleto, o da Congonha,
tem o morro do Pasmado
e o morro da Babilônia.
[...]

(publicado no jornal Cataguases)