1/29/2015

UMA ILHA DE POESIA CHAMADA HENRIQUE SILVEIRA



O poeta Henrique Ignacio da Silveira (1919-1943) viveu sua aventura literária na década de 1930 e início de 40, em Cataguases, no entreato do finalzinho do Modernismo, tendo produzido um tipo de trabalho mesclado de poemas curtos e introspectivos.

Um solitário, sem grandes ousadias, construiu pequena obra que está sintetizada no livro Poemas desta guerra, publicado pós-morte em 1979, numa antologia selecionada e organizada por mim, após uma pesquisa em que suprimi apenas poucas peças.

Suas temáticas circulam ora pelo muito subjetivismo, ora pela interferência nas coisas do mundo como as guerras, as doenças e os amores.

O poema "Um canto na noite", por si só, nos dá a dimensão deste autor cataguasense cujo senso poético-musical é reforçado por sua capacidade de criação e de domínio do texto literário.

O tema da II Guerra Mundial, que se passava justamente no auge do amadurecimento do poeta (final da década de 1930), é abordado aqui com uma força e uma singeleza pouco comuns.

Um canto na noite
Henrique Silveira

Um canto chegou
lá de onde floresciam as papoilas...
Chegou com a noite, mas não é da noite.
Veio dos campos de luta molhados de sangue,

veio do chão pisado de máquinas.
Veio das crateras e passou pelos corpos inertes.
Saiu de dentro das trincheiras de ninguém
e rompeu o silêncio,
o silêncio que estava perto de tudo
em toda extensão.

Chegou um canto como de pássaros chumbados.
Chegou flocado de vozes,
de vozes perdidas e de vozes lívidas
e de vozes à procura de Deus.

Quem ouve comigo este canto na noite!?



Em todo o texto, o poeta entoa um canto seu, mas que vem de terras distantes: de onde nascem as "papoilas", de campos "molhados de sangue", e "pisado de máquinas", e fala de trincheiras e do silêncio mortal dos "corpos inertes". Verso a verso, ele prepara o terreno para o leitor chegar a esse tempo (que é o seu) e a esse lugar distante (e próximo) de nós, para que se mostre – como ele – solidário a tanto sofrimento.

Observem-se na penúltima estrofe, as metáforas carregadas do peso e da sombra da guerra: o canto de "pássaros chumbados", "flocado de vozes", apertado logo em seguida pelos "iis" de "vozes perdidas e de vozes lívidas" que afinam o discurso poético para, em seguida, abrir e se multiplicar nas vozes "à procura de Deus".

Sua sensibilidade poética pode ser reconhecida na dicção perfeita propiciada pela escolha das palavras, tocadas por um ritmo que vai num crescendo e termina com um estranho lamento como a buscar na interrogativa a cumplicidade do Outro.

(desenho de Iannini)


1/28/2015

BORGES: A ORALIDADE DE UM MESTRE




São célebres as conferências pronunciadas por Jorge Luis Borges em universidades europeias, na América e em outros continentes.

Reunidas, algumas delas foram publicadas no Brasil, nos anos 80, pela Editora Max Limonad de São Paulo sob o título “Sete noites”. Este livro, em termos de criatividade e qualidade textual, nada fica a dever às obras de ficção e de poesia do mestre argentino.

Ali Borges aborda temas como: o pesadelo, a cabala, a cegueira, o budismo, entre outros.

Após a publicação, a partir de 1999, de suas “Obras completas” pela Editora Globo, em excelente trabalho editorial em quatro volumes encadernados, não pensei que teria mais oportunidade de ‘ouvir’ outros de seus textos ditos ‘orais’.

Mas eis que, por vias enigmáticas (borgianas, por certo), descobrem-se seis palestras perdidas, que haviam sido proferidas em inglês na Universidade de Harvard, em 1967-68, que a Companhia das Letras leva ao público com o título de “Esse ofício do verso”, organizadas por Calin-Andrei Mihailescu, em tradução de José Marcos Macedo.

Novos temas no mínimo diferentes: a metáfora; o narrar uma história; o credo de um poeta etc. O mesmo Borges – concentrado e livre; simples e erudito; poético e com uma memória prodigiosa ao citar trechos de livros sem recorrer a apontamentos, e já vitimado pela cegueira.

No capítulo “O credo de um poeta”, faz comentários sobre a literatura, em especial a poesia: “[...] muitas coisas aconteceram comigo, como a todos os homens. Tirei prazer de muitas coisas – de nadar, de escrever, de contemplar um nascer do sol ou um crepúsculo, de estar apaixonado e assim por diante. Mas, de algum modo, o fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia.” (p. 106)

Sobre a preocupação com o leitor, no mesmo capítulo, pode-se anotar: “Quando escrevo não penso no leitor (porque o leitor é um personagem imaginário) e não penso em mim mesmo (talvez eu também seja um personagem imaginário), mas penso no que tento transmitir e faço de tudo para não estragá-lo. Quando eu era jovem acreditava na expressão. [...] não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão a palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar.” (p. 121-2)

Se neste livro mais uma vez o leitor terá contato com uma literatura de alta expressividade (e – por que não dizer? – de inúmeras alusões), característica dos grandes escritores, poderá igualmente usufruir de um conhecimento mais profundo das coisas do mundo que se sintetiza numa só palavra: sabedoria. Que Borges sempre soube distribuir fartamente a todos que o leram e leem.

1/24/2015

O CONTO MODERNO SEGUNDO JAMES JOYCE


O conto, uma das mais antigas formas de narrar, apresenta na história da literatura uma sequência de grandes mestres, desde as velhas narrativas orais às contemporâneas.

Foi contando histórias que Sherazade virou personagem de As mil e uma noites e foi no Novecentos que Machado de Assis, Tchekhov e Maupassant e, no século XX, que Hemingway, Cortázar, Borges e Faulkner criaram obras geniais.

Há algum tempo, resolvi reler um conto de James Joyce (1882-1941) intitulado “Os mortos”, de Dublinenses (Civilização Brasileira, Trad. Hamilton Trevisan, 1964), um livro que eu havia lido em 1965.
Trata-se de um dos seus melhores trabalhos, segundo a crítica, mas que, na época, não me chamou muito a atenção. Esta segunda leitura me mostrou como eu não estava preparado para a empreitada. O conto é mais uma novela, pois vai da página 143 à 182.

Pelo título, espera-se algo diferente, mas a primeira cena abre-se com um baile organizado anualmente pela família Morkan – as irmãs Júlia e Kate e sua sobrinha Mary Jane –, no sobrado em que moravam, na Ilha de Usher, na Irlanda. Júlia e Kate eram duas senhoras idosas “um pouco rabujentas” (p. 144), que não admitiam ser respondidas e tinham uma serviçal chamada Lily que “raramente cometia erros” (p. 144).
Quase toda a narrativa tem como cenário a festa que as Morkan organizaram – Júlia para seus amigos do coro e Kate para seus alunos de piano.

James Joyce então vai construindo cena por cena as ações do conto dentro do ambiente do baile. Ali os personagens falam dos filhos, de bebidas, dos bordados, fazem fofocas e até comentam sobre política como no diálogo entre Molly e Gabriel:
“– Oh, meu ingênuo amigo! Descobri que você escreve para o Daily Express. Não sente vergonha disso?
– Por que deveria me envergonhar? – perguntou Gabriel piscando os olhos e tentando sorrir.
– Bem. Estou envergonhado de você – disse ela com franqueza.
– Pensar que escreve para um jornal como esse. Não sabia que era britânico.” (p. 153)
“[...] Não sabia como enfrentar o ataque. Queria dizer que a literatura estava acima da política” (p. 153)

O conto se desenvolve até a página 166 apenas em torno de amenidades. Joyce preparava o bote. E ali mesmo ele dá o primeiro toque no coração do tema: “Nossa passagem pela vida é marcada por muitas dessas recordações e se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não nos sobrariam forças para desempenhar corajosamente nossas tarefas entre os vivos” (p. 166)
Logo após, volta ao ritmo anterior; na página 173 a festa termina e o casal D’Arcy – Gretta e Gabriel – assume o centro das ações.

Nesse ponto é que começa verdadeiramente o conto. Toda aquela massa ficcional servira apenas de anteparo ou de ante-câmera para o que Joyce queria contar e se concentra nesta magnífica imagem: “Momentos de sua vida íntima irromperam como estrelas na memória.” (p. 174)

O casal, já em casa, no preâmbulo de uma cena íntima, Gretta conta a Gabriel – e agora tudo se passa no território da memória – sobre um rapaz chamado Michael que conhecera em Galway e com quem tivera uma ligação amorosa, mas o jovem morreu aos 17 anos. “Ele estava doente na pensão em Galway e não o deixavam sair. Sua família, que morava em Oyghterard, tinha sido avisada. Dizem que definhava [...]” (p. 179)
“Na noite anterior à partida [dela] estava em casa de minha avó em Nun’s Island, arrumando as malas, quando ouvi uma pedra bater na vidraça. Os vidros estavam tão embaçados que não pude ver nada. Desci correndo as escadas, vestida como estava, e dei furtivamente a volta pelos fundos da casa e lá estava o pobre rapaz, num canto do jardim, tiritando de frio. – E não o mandou voltar para casa? – perguntou Gabriel. – Implorei que o fizesse; disse que a chuva ia matá-lo. Respondeu que não queria viver. Lembro-me tão bem de seus olhos! Tão bem! Estava parado perto do muro onde havia uma árvore.” (p. 180)

Seguem-se belíssimas descrições da morte de Michael e pensamentos do narrador de que transcrevo dois fragmentos: “Um por um, estavam todos se transformando em sonhos” (p. 181) e: “Sua alma acercava-se da região habitada pela vasta legião dos mortos.” (p. 181)
O conto se fecha com um voo cinematográfico da memória pelos recantos do cemitério em que jazia o jovem Michael: “Sua alma desmaiava lentamente ouvindo a neve caindo suave através do universo, caindo brandamente, como a queda final, sobre todos os vivos, sobre todos os mortos.” (p. 182)

1/14/2015

COLÉGIO DE CATAGUASES - IV

Em minha recente viagem ao Rio, encontrei-me prazerosamente com a poeta visual Anna Carolina, que me trouxe um presentão: o álbum completo (feito carinhosamente por sua mãe) do seu irmão Luiz Edmundo, ex-interno no Colégio nos idos de 1953. São "preciosidades" em fotos, das quais publico algumas agora, acrescentando-as às que já divulguei. Luiz Edmundo Peixoto Albernaz nasceu em 1936, estudou no Colégio em 1952 e 53, e faleceu prematuramente em 1965, num desastre aéreo.



Alunos internos no trampolim da piscina.


Descansando perto do campo de futebol do Colégio.


Cartão da prof. Dona Ophelia agradecendo a gentileza do aluno Luiz Edmundo.


Cartão do diretor e professor Dr. Manuel das Neves para Luiz Edmundo.


Formandos do ginásio do Colégio no ano de 1953.


Folheto de propaganda do Colégio (1953)


Caricatura do prof. Gradim criada pelo aluno Cauê (no local da assinatura do autor há um rasgão que impede a leitura perfeita do nome).


Ingresso para a peça "Cala a boca, Etelvina", encenada por alunos do Colégio tendo como protagonista a aluna Marli Valério, e dirigida por José da Silva Gradim. Um sucesso total de público na época.


Visão do alto e dos fundos do Colégio.


Visão aérea do Colégio.


Internos na porta do Colégio Carmo.

1/13/2015

UMA GEOGRAFIA INUSITADA


A capa do livro


O autor: Marcos Mergarejo Netto.



Acompanhei a uma certa distância, mas sempre com grande interesse, o desenvolvimento da tese de Doutorado pela Unesp - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho do cataguasense Marcos Mergarejo Netto.

Pelo título já dá pra despertar uma atenção especial: "A Geografia do Queijo Minas Artesanal", ou seja, um estudo de pós-graduação sobre o queijo minas! Imagine o leitor.

Pois foi nesse tema inusitado que buscou fundamentos o professor Marcos Mergarejo, graduado em Geografia e História, com experiência maior em Geografia Humana.

Após inúmeras leituras e diversas viagens – até ao exterior –, foi defendida e aprovada a tese em 2011, e tratou-se de imprimir o resultado, o que, depois de muitos esforços, se efetivou. Surgiu então a obra nas suas 429 páginas, com 23 ilustrações coloridas, num trabalho também bem executado graficamente e com encadernação costurada, o que traz uma boa comodidade para a leitura.

A obra tem sete capítulos, todos revelando uma pesquisa séria e de profundidade, começando por "O queijo no tempo e no espaço", que faz um levantamento completo da existência do queijo desde a Antiguidade, passando pelos monges da Idade Média, pela expansão do produto no período moderno até a sua disseminação pelo mundo, já na contemporaneidade.

Os segredos e a arte de sua fabricação ocupam o segundo capítulo, onde se conhecem desde o leite, o coalho e o fermento bem como todos os tipos e sabores. Chegamos ao queijo em Minas Gerais no terceiro capítulo, em que o autor fala dos viajantes na Capitania e sobre a Minas agrária. Seguem-se outros capítulos sobre os demais queijos, além das origens e dos produtores do queijo minas artesanal.

Mas tudo isso ainda é pouco se se falar nos conhecimentos que essa pesquisa alcançou, trazendo para o texto os usos e costumes, viagens e explorações, tradições familiares e tudo aquilo que forma a cultura dos povos que se viram atraídos pelo queijo e o transformaram, a partir de um hábito alimentar, em fonte de interesse comercial e lucrativo.

Este livro, em edição muito bem cuidada pelo autor, faz uma viagem no tempo e no espaço que levará o leitor a conhecer caminhos que até então jamais havia percorrido. E que leitor não gostaria de testar sua curiosidade e provar essa iguaria?

O primeiro lançamento foi na praça do Abacaxi, no Mercado Central de Belo Horizonte, em 13 de dezembro de 2014, um local realmente bem escolhido para o evento.

Pedidos para o email: mm.netto@yahoo.com.br ou geoqueijo@yahoo.com.br

Marcos autografa o livro

Visão do alto

Em plena atividade de lançamento, na praça do Abacaxi

Em diálogo com os leitores


1/02/2015

COLÉGIO DE CATAGUASES - III

Por conta das postagens sobre o Colégio de Cataguases, recebi da poeta Anna Carolina um bom material com fotos e cartões do ano de 1953, quando seu irmão Luís Edmundo Albernaz estudou em Cataguases como interno. Ela destacou o fato de Luiz Edmundo ter gostado demais da cidade e do colégio, tendo até participado da peça "Cala a boca, Etelvina", de Armando Gonzaga, sob a direção do prof. Gradim. Eu me lembro de haver assistido à apresentação e de ter gostado bastante. Pois bem, Anna Carolina me enviou agora todas as fotos do álbum que sua mãe organizou com vários itens interessantes sobre seu filho no início da década de 1950 em Cataguases.



Aqui vão algumas:
Sentadas Raquel Lourenço, Bárbara Peixoto, Lena Hahn, Margarida Cordeiro e Marluce Rezende. No fundo, Luiz Fernando Siqueira e de paletó, Mauro Sérgio Fernandes Silva.


Alunos do internato do Colégio


Cartão de agradecimento do diretor Francisco Inácio Peixoto para Luiz Edmundo.


Luiz Edmundo e um colega no salão de festas do colégio.


Notícia no jornal da apresentação e sucesso da peça em Cataguases por alunos do Colégio.


Alunos do internato