3/26/2015

MUSEU DO LIVRO




O nome – Museu – surgiu de uma ideia lida num velho jornal, mas a fabricação do livro e a construção do local para abrigá-lo já começavam a ser esperados por todos há algum tempo.

Havia notícias de antigas e desconhecidas bibliotecas, que eram depósitos agigantados com centenas de milhares de livros empoeirados e esgotados por edições que fizeram o deleite e o desencanto de leitores.

Como há alguns anos isso se perdera, resolveram produzir um livro especial para conter todos os ensinamentos da humanidade e também um local apropriado de guarda e visitação.

Foi difícil o início. Não se sabe bem o ano em que um grupo de pessoas começou a construir o Livro.

À medida que ia sendo escrito – mais do que isso, fabricado – o Livro tinha suas proporções aumentadas. O pó do tempo como o barro dos sapatos, o gelo, as folhas das árvores e o vento depositaram, em sua capa e nas páginas internas de um material apergaminhado, marcas que ninguém poderia tirar mais. Foi ficando impossível que mãos o manuseassem. Inventaram aparelhos com garras poderosas para virar com dificuldade as páginas endurecidas pelo que se fixou em sua estrutura.

Para os olhos dos futuros leitores criaram lentes redutoras do tamanho das letras, sem o que os interessados não poderiam ler uma simples frase do Livro.

Depois de anos de trabalho, o Livro finalmente ficou pronto. Buscou-se então novamente um lugar para guardá-lo longe das intempéries. Foi quando construíram um prédio a que deram o nome de Museu do Livro.

Houve inauguração com uma antiga banda de música e fita simbólica cortada pelo prefeito do município.

Hoje, a fundação que cuida do Museu emprega diligentes formiguinhas que catalogam sócios, programam visitas, organizam fichários de assuntos e criam seminários intermináveis sobre o Livro. E não se esquecem de quase nada no desempenho de todas as atividades necessárias ao funcionamento normal da entidade.

3/21/2015

RECENSEAMENTO DE NUVENS







Os poetas só veem o exterior
das nuvens, suas cores e horrores.

Não sabem o segredo de seu interior
que varia segundo fatores como
o tamanho das gotas d'água,
a vaga proporção das camadas de gelo,
as descargas elétricas de medo.

As nuvens quentes que guardam
gelo em sua formação
enganam até os numes, e poucos
conhecem sua composição.

As chuvas dessas nuvens,
no ar, são enigmas sem hélices
e pouco dizem aos satélites e sensores.

Na amplitude em agonia,
só aviões acompanham
a pluma de poluição emitida
em regiões da Amazônia.

Balões e GPSs
– funcionários do tempo –
sobrevoam os céus,
antes povoados por
deuses da divindade grega,
e ordenam o recenseamento
das nuvens.

(21-03-2015)

(foto Natália Tinoco)

3/12/2015

NO ESPELHO DO TEXTO



Depois de levar ao público as qualidades do professor e ensaísta Delson Gonçalves Ferreira (1928-2014), me surpreendo agora com o poeta que não conhecia.
É que recebi na semana passada o livro de poemas "Tempo", enviado por seu irmão Dalton, que organizou e editou a obra, que tem 243 páginas e capa de muito bom gosto.
Lembrei-me na hora de que, em 1967, Delson nos guiou com grande propriedade em sua pesquisa "Ascânio Lopes - vida e poesia". Ali, nós cataguasenses, tomamos contato efetivo com a obra do grande autor da "Verde" e pudemos conhecer e perceber como Ascânio, na faixa dos 20 anos, produziu tão significativa poesia.

Tempos mais tarde, Delson esteve em minha casa e leu para mim um poema que eu havia escrito, cujo tema eram os vários pontos turísticos de Cataguases. Fiquei impressionado com o tom denso e apropriado de sua leitura, onde cada verso era trabalhado por sua sensibilidade mostrada na voz de quem entendia do assunto.
Depois, nunca mais estive com ele. Soube de sua doença grave e prolongada e de sua morte no ano passado, fato sobre o qual já escrevi.

Volto ao livro. "Tempo" está dividido em 2 partes: "Sonetos" e "Poesias". Em "Sonetos", como o nome indica, estão as peças mais formais, rimadas e ritmadas na feição dos 14 versos, na maioria decassílabos. Abre com 3 quartetos dedicados a "Minha mãe". O tom é de singeleza e carinho; o arremate deixa escapar uma pequena brincadeira drummondiana que valoriza a peça:

Quando rezo sozinho a oração
a bonita oração ave-maria
eu cometo um pecado todo dia
um pecado de doce distração.

Quando chego no meio quando digo
o "bendita entre todas as mulheres",
eu repito baixinho aqui comigo:
"minha Mãe a bendita entre as mulheres".

E me esqueço da doce invocação
da bonita oração ave-maria...
Mas a Virgem por certo todo dia
me perdoa sorrindo a distração. (p. 9)

Nesta parte, o poeta se mostra um pouco preso à armação da rima e ao metro só algumas vezes variado. Pode-se identificar em alguns, claramente o aproveitamento do intertexto com Camões, Gonzaga, Guimarães Rosa, Homero, Shakespeare e até Machado de Assis. Pela falta de título na maioria dos poemas, só podemos identificá-los pelas páginas. Transcrevo um sobre o amor em que alterna versos de medidas diferentes e com eficiente economia de palavras:

O amor
espinho e dor
somente
se sente

em vertical
além do bem, do mal.
Pobre amor sozinho
tão mesquinho

se rastejando
aqui e quando:
amor superficial

que só existe
raso e triste
na horizontal. (p. 35)

A infância, o amor, vida/morte e religiosidade são os temas preferidos pelo poeta que não se refugia da dificuldade por caminhos tão caminhados como esses – enfrenta-os bem como em "Toca um sino...", cuja abertura é um verdadeiro achado:

Toca um sino na distância
longamente
me chamando para a infância.
(...) (p. 63)

Ou em definições certeiras como estas:

vida é sempre andar
morte é que é parar... (p. 65)

Imagens enriquecem figuras comparativas com final de humor:

A lua
varre a rua
com sua vassoura
de luar.
Bem devagar.
Numa teia uma aranha
estranha
a lua cheia.
E um poeta vagabundo
menor como eu
mesmo andando na rua
vive longe deste mundo
lá no mundo da lua. (p. 195)

Num crescendo, os poemas vão se tornando ainda mais qualitativos à medida que se avança na leitura, até se chegar ao metalinguismo de:

LER
A palavra escrita
inscrita
na pedra na madeira no bronze
no papel...
se reparte
por toda a parte
e se imprime na alma.
As palavras galopam
em tropel
diante dos olhos
cavalos em disparada.
Colher e escolher
entre elas
estas e aquelas
para a comunicação:
as palavras recriam o mundo.
Palavra é semente
que não morre
em vão.
Ler é ver-se
no espelho do texto.
Ler é ler-se. (p.188)

(12-03-2015)

3/10/2015

VOZ FEMININA QUE VEM DO MAR


A associação com o mar e seus elementos – território feminino por excelência – é parte dos recursos utilizados pelos poetas em todos os tempos.

No caso da poesia, então a ligação se faz mais acentuada.

É o que acontece no pequeno volume de poemas de Leila Brito intitulado "Mulher Sereia".

Enriquecidas pela participação gráfico-visual de Floricene Rezende e capa de Filipe Araújo, as 70 páginas do livro trazem poemas curtos e bem trabalhados pela autora, nas 3 partes em que se divide a obra: a Mulher, a Sereia e o Mar.

Na 1ª seção, ocorre um forte subjetivismo lírico em quase todas as peças. Destaco como mais bem realizados: "Correntes", "Enredo", "Raiz" e escolho uma estrofe de "Eleanora":

"Seu olhar
metálico
estático
lembra a aridez de desertos
ausentes de miragens." (p. 25)

"Euclidiana", "História", "Gemínus" são poemas da 2ª parte da qual assinalo a primeira estrofe de "Fado":

"Não sei se encanto
ou a voz de um canto
ou o vento ventando
noite e silêncio." (p. 42)

Leila Brito reserva para o final os poemas com melhor estrutura de linguagem e realização, quando reduz parte do componente subjetivista e surgem em cores realistas as descrições da natureza e do seu intimismo, o que proporciona ao leitor uma poesia mais sugestiva pelos recursos qualitativos empregados: o aproveitamento de uma plasticidade dosada pela criação de imagens mais secas, e no entanto igualmente poéticas. Vamos encontrar aí "Amanhecer", "Litorâneo", "Borboleta", "Belo Horizonte", "Vila Velha" e "Barra do Riacho".

A autora nos proporciona uma boa surpresa para a contracapa do livro, onde reproduz um poema visual habilidosamente construído com uma mistura de palavras de línguas diferentes.

De todos, opto, para transcrição integral, pelo sintético e significativo "Anoitecer":

"Cai
A
Noite
Em
Vertical

estirada no ar a claridade parece se entregar." (p. 57)

3/09/2015

EROS CONTRA O CLICHÊ





Acaba de sair do forno (da gráfica) o novo livro de P.J.Ribeiro – "Duelo de emoções", desta vez com o subtítulo explícito: "contos eróticos".

São estórias com a marca do imprevisível, da criatividade e do combate ao lugar-comum até como crítica feita com o seu próprio uso.

Ali desponta um erotismo cru em momentos inesperados da ação narrativa, nascidos às vezes de simples observações do cotidiano, em que os protagonistas "duelam" à procura de emoções que lhes tirem da "trivia" que circunstancialmente cerca a todos nós.

O leitor que se prepare, pois não encontrará a cena fácil como um entretenimento corriqueiro, mas sim algo que o arrastará inevitavelmente para dentro do texto. De onde só sairá após ler a última página.

(Capa e ilustrações José Lucas Ferraz) (apenas o conto "O leiteiro de Drogary Mamute" foi ilustrado por Marcos Correa Neto)



3/06/2015

CONVERSA À BEIRA DO RIACHO




Há muito venho adiando essa conversa.

Já fiz um longo poema sobre o tema, mas praticamente não deu resultado.

Agora vai uma prosa de apelo, de união, de cobrança.

É sobre o Córrego Lava-pés, que atravessa algumas de nossas principais vias como as avenidas João Inácio Peixoto, a Humberto Mauro e a Astolfo Dutra. Acontece que, se se analisar bem, ele passa por vários lugares – pelos bairros Nova Granjaria, Miguel, Cojan (João Paulo II), Colinas, Granjaria, Campo Burrão e os condomínios da Química e Palmeiras.

Imagine-se, nesses últimos anos, como cresceu o "serviço" e o desgaste desse pequeno riacho. Ruas, becos e vielas, avenidas, e ainda mais com a demolição de muitas casas transformadas pouco a pouco em prédios de apartamentos e comércio e indústrias – todos servidos por esse minúsculo fio d'água teimoso e persistente, apesar do número de detritos e lixo jogados diariamente em suas águas.

Sei que a Prefeitura limpa mensal mas superficialmente suas margens, recolhendo tudo que a população continua jogando inexplicavalmente em suas bordas, na forma de colchões e sapatos velhos, animais mortos, garrafas e plásticos em grande quantidade.

E o córrego vai remando toda essa parafernália em direção ao Meia Pataca, outro de nossos heróis esquecidos, que leva finalmente ao velho Pomba.

Recentemente com a erosão e as chuvas, na parte do Lava-pés que fica na Av. João Peixoto, criaram-se pequenos lagos ao lado de sua minicorrenteza, que são reservatórios de mosquitos. Verdadeiros campos favoráveis ao cultivo do aedes-egypti e outros de semelhante larva (literalmente). Isso representa um perigo muito maior. Fui atendido em alguns apelos à Secretaria de Obras, mas o que foi feito não resolveu o problema. A cada chuva, alagam-se as margens novamente... e voltam os insetos.

Portanto, urge pelo menos que se faça a canalização das margens do Córrego Lava-pés, principalmente na parte da Av. João Peixoto, cujas bordas estão se desmanchando e propiciando esse fenômeno.

É preciso tornar mais fluida a passagem heroica do Lava-pés por nossas casas, no mínimo como agradecimento pelo trabalho diuturno de levar tantas mazelas para outras paragens, enquanto não surge uma melhor solução...

(06-03-2015)