9/21/2013

MACHADO DE ASSIS E SEUS TRUQUES FICCIONAIS


Machado de Assis tem um conto intitulado "Miss Dollar" na coletânea Contos fluminenses I. É um conto de tamanho médio a grande para os parâmetros machadianos – 23 páginas.

O texto começa com um suspense em relação à figura de Miss Dollar, que Machado projeta na cabeça do leitor, fazendo-o imaginar mil possibilidades sobre sua identidade. Assim o autor passa quase duas páginas preparando o 'ambiente' e espicaçando a curiosidade do leitor sobre os tipos de mulher que estariam 'escondidas' atrás de nome tão extravagante. Até que afinal revela: trata-se de uma cadelinha galga que fugira da casa de sua proprietária, uma bela viúva rica que oferecia pelo jornal a quantia de duzentos mil réis a quem a encontrasse.  

Pulando quase um século e meio, volto a esse conto, lembrado pela recente fuga da cadelinha Gigi de minha casa, em quem gostaria de colocar o mesmo nome do personagem do conto de Machado, mas em casa fui voto vencido na época.

Quem a encontra – não a minha, mas a cadela machadiana – foi um amigo dos cães, o dr. Mendonça, que, ao ler a notícia, prontamente dirigiu-se à residência da dona. Não era uma simples casa, mas uma mansão, e Machado não deixa passar de liso a impressão crítica:

Na sala não havia ninguém. Algumas pessoas, que têm salas elegantemente dispostas, costumam deixar tempo de serem estas admiradas pelas visitas, antes de as virem cumprimentar. (p. 33)

Margarida – era esse o seu nome – vivia com sua tia dona Antônia, e esse era um par muito comum na obra machadiana. A mulher solteira ou viúva nunca mora só; é sempre acompanhada de uma parenta ou agregada da família.

Feitas as apresentações, Mendonça naturalmente não aceitou a recompensa, mas passou a frequentar a casa de Margarida e acabou se apaixonando por ela após alguns encontros. Contudo não era correspondido, pois a viúva não havia ido bem no casamento e não queria ter outra decepção, assim o texto revela.

Nas idas e vindas por que circula a narração, o protagonista acaba convencendo Margarida do seu amor, mas quando acontece o final feliz com o casamento dos noivos, Miss Dollar, que havia passado à penumbra das ações, retorna ao centro dos acontecimentos ao ser atropelada por um carro.

Assim Machado de Assis encerra a narrativa pondo um curto e triste ponto final na vida de um personagem que, no início, parecia a protagonista da história, mas que na verdade foi apenas o leit-motiv, ou melhor, a 'bossa' usada para introduzir a dúvida e a curiosidade na cabeça do seu leitor, e desse modo o motivar ainda mais para não interromper a leitura antes da conclusão.

ASSIS, Machado. Miss Dollar. In: ______. Contos fluminenses. Vol. I. São Paulo: Clube do Livro, 1959, p. 29-52.