10/09/2019

A FICÇÃO X O REAL




Confesso que, quando peguei para ler as impressões do escritor Autran Dourado sobre os tempos de JK, foi mais por um ato instintivo ou mesmo vício de leitura, pois o livro acabara de chegar pelo correio e meu interesse era mínimo.
Mas a Gaiola aberta (esse, o título) foi me levando pra dentro de suas páginas e quando vi estava chegando ao final, e com aquela sensação de quem quer mais.
Não apenas os bastidores dos governos de Juscelino Kubitschek (o estadual em Minas e o federal), que são narrados do ponto de vista de seu secretário Autran Dourado (eu desconhecia esse e muitos outros fatos) e vão prendendo o leitor, mas sente-se ora e vez a mão do ficcionista – então um principiante – amassando o barro, destilando a ironia, mexendo com personagens reais e vivenciando a narrativa com um savoir-faire de quem é do ramo.
No ir e vir das reflexões e lembranças do autor – muitas vezes rompendo a cronologia dos fatos, para intercalar particularidades interessantes – podem-se ver de perto a figura do poeta Augusto Frederico Schmidt, as cenas palacianas com o presidente JK, as reuniões formais e as informais, as correrias e providências para contornar situações difíceis, o cerimonial que cerca a diplomacia, o pitoresco e até o burlesco presenciados por Autran.
Do elenco das cenas e acontecimentos, vem a primeiro plano o poeta Schmidt (hoje tão esquecido, mas muito admirado pelo autor) e suas rocambolescas aventuras pela política, talvez pelo arroubo exagerado das atitudes; o fraco de Juscelino pelos escritores, dos quais vivia constantemente cercado; a politiquice, o puxa-saquismo e o ridículo das pessoas rodeando o poder e muitos outros aspectos da política nacional, incluindo um torcer de nariz, por parte do autor, ao lado esquerdista da história brasileira.
O livro é uma viagem aos anos 50 só que ciceroneada por um guia muito especial, na época, um assessor de imprensa do presidente JK, que viria a se tornar mais tarde o grande romancista mineiro Autran Dourado, "vivendo" uma aventura incrível como quase um anônimo ou apenas um rapaz de talento como tantos outros.

Gaiola aberta - Tempos de JK e Schmidt (222 pp.).
Editora Rocco - Rio de Janeiro.


(foto fundep ufmg posterizada por jb)