5/24/2007

NO CENTENÁRIO DE UM JORNAL

NO CENTENÁRIO DE UM JORNAL: 1906-2006

Joaquim Branco

Quem me incentivou um dia a escrever para o jornal Cataguases foi minha mãe. Ela me falava emocionada dos antigos redatores e cronistas da cidade, pessoas bem falantes, distintas, oradores do dia 7 de setembro nos palanques da Prefeitura, homens de terno, gravata, colarinho alto e colete.

Aquilo exercia em mim um certo fascínio, mas por outro lado dava um pouco de medo enfrentar a multidão na praça Santa Rita, com bandas de música, foguetório e gritos de alunos dos grupos escolares.

Ela que nunca publicara nada no jornal – talvez porque não houvesse sido convidada – ficava pelos cantos da casa, na janela, na mesa, sempre lendo e escrevendo uns rabiscos. À noite, às vezes ia ao meu quarto ler para mim e meus irmãos. Me lembro de pilhas de livros infantis que eu ficava moendo e remoendo na memória, enquanto ela os lia e relia um por um a meu pedido, sempre com prazer.

Por conta disso, quando menino conheci, nos anos 50, um outro tipo de redator que não aqueles sisudos do início do século, no entanto ele tinha algo daquela indumentária. Foi me apresentado pela minha avó. Era o Alzir Arruda, com um indefectível charuto na boca, paletó no ombro, suspensórios, um ar meio largado, passos soltos, bigodes, grandalhão, mas nada sério. Lembro-me muito bem dele a atravessar a rua Coronel Vieira, do antigo Bar Elite para a redação do Cataguases, onde hoje é a agência do Bradesco. Falastrão, cumprimentava e ria para todos, e eu me sentia naturalmente honrado com a deferência que fazia a mim, uma criança de dez anos. Por tudo isso, o admirava muito.

Naquele tempo, embora guardasse no fundo uma grande vontade, jamais imaginei que eu teria desde cedo a vida tão intimamente ligada ao Cataguases. Ali, a partir da década de 60, tenho escrito crônicas, poemas, artigos, editado suplementos – o “SLD”, “Totem”, “Cataguarte” e ultimamente o “Caderno C”, e mantive por quatro anos uma coluna de comentários sobre livros e autores – "Janelas de Leitura".

Os redatores (seria mais apropriado chamá-los editores) passavam e com cada um deles tive boa relação: Eli Barbosa, Galba Ferraz, Ércio de Souza, Marcos Spinola, Carlos Alberto, Cristina Quirino, Marcelo Lopes, Vera Maciel, Jorge Fábio e de novo o Marcos (desculpem a falta de algum nome). Não poderia me esquecer do Mário Francisco Ferreira, que comandava com arte e dedicação a oficina tipográfica.

Agora, me convidam para escrever sobre o Centenário do jornal. Cem anos de presença junto à comunidade. Atos oficiais, crônicas, poesia, necrológios, nascimentos, bodas, aniversários, a vida da população cataguasense semanalmente anotada, como num grande livro em que se conta a existência da cidade, mesmo com a omissão de muita coisa da história não-oficial: os subterrâneos do baixo mundo, os negócios furtivos, traições, amores escusos, fugas à noite etc.; mas, ainda assim, o que transpira dos fatos chega às suas páginas, ora na ficção informe, ora no grito do poema, ora no subliminar das matérias ou na entrelinha de um texto. Ali estiveram também os “verdes”, antes da aventura da revista, numa coluna semanal especialmente criada para eles pelo editor do jornal nos anos 20, o cronista Soares dos Santos.

Em todo esse tempo foi se fazendo uma história que precisa ser contada em livro, é tempo de se pensar nisso. Nesta data em que se comemora o centenário do jornal, seria oportuno não só registrar essa trajetória como também providenciar para o Cataguases uma estrutura administrativa adequada com a criação de uma Imprensa Municipal Oficial. Fica mais uma vez a idéia para ser aproveitada.

Parabéns, velho Cataguases! Enquanto isso, suas folhas balançam no tempo e ao vento, como se fossem a bandeira da imprensa – livre – que não pode ficar parada no ar.

(artigo refundido e ampliado para publicação na época do Centenário do Cataguases)

Cine-Teatro Recreio Cataguasense (hoje Edgar Cine-Teatro)

Cine Recreio(interior), hoje Edgar Cine-Teatro

Visita da Prof. Dra. Angélica Soares (UFRJ) à FIC