12/24/2007

MUDOU O NATAL OU MUDAMOS NÓS?



MUDOU O NATAL
OU MUDAMOS NÓS?

Joaquim Branco


É mais fácil se encontrar a temática natalina nas páginas dos jornais, almanaques e revistas do que propriamente nos livros de literatura. E, dentre esses últimos, nota-se a preferência dos escritores mais para os gêneros conto e crônica do que para poesia ou romance.

Na literatura europeia, de mais tradição que a nossa, respingam aqui e ali obras de renome que tratam dos temas de Natal: as de Maupassant, Gorki e Dostoievski e alguns outros. Não são muitas.
No Brasil, menos ainda: as de Machado – é claro –, Mário de Andrade, Drummond, João Cabral e poucas mais, entre as dignas de nota.

Nestas considerações, vamos destacar apenas um estrangeiro e um brasileiro: de um lado, o inglês Charles Dickens (1812-1870) e, de outro, o nosso João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Assim, a balança fica de certo modo equilibrada.

Dickens, para os leitores britânicos, praticamente inventou o Natal com o conto “O Natal do Sr. Scrooge” (“A Christmas Carol”), publicado em 1843, pois imediatamente conquistou todo o público de seu país e depois o mundo. A magistral história de Dickens narra a véspera e o dia de Natal do infeliz Sr. Scrooge, um avarento que atormentava a vida de seus empregados e de todos os que o rodeavam.

Na noite do dia 24 de dezembro, quando se preparava para dormir, lhe aparece o terrível fantasma de um antigo sócio, o Sr. Marley. Passado o susto inicial, o velho Scrooge ouve a aparição lhe dizer que seria perseguido por três espíritos e estes iriam lhe mostrar o Natal passado, o Natal presente e o Natal futuro. Scrooge viu, então, passar diante dos olhos acontecimentos pavorosos de sua vida, durante toda a noite.

Quando acordou no dia seguinte, sentiu-se aliviado e transformado em outro homem, e com a possibilidade de se penitenciar do mal que fizera durante a vida. Logo começou a distribuir alegremente presentes e felicidade aos parentes, empregados e a famílias de conhecidos. A história de Dickens é um clássico da redenção de um homem pelo arrependimento, no estilo romântico de seu tempo, o século XIX.

Bem outra história nos conta em versos o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto, com “Morte e vida severina”, um Auto de Natal pernambucano publicado no século XX, em 1956, e que obteve o maior sucesso quando o compositor Chico Buarque de Holanda o transformou numa peça musicalizada.
Nele, Cabral realça o lado social em detrimento do religioso, mas a obra ganha em dimensão humana. A descrição da vida nordestina ‘coincide’ com as agruras do brasileiro pobre e marginalizado para, no final, retomar o motivo religioso e natalino com a alegria do nascimento de um menino-símbolo.

São histórias bastante diferentes, a de Dickens e a de Cabral. Na primeira, o protagonista se redime para penetrar e ser aceito no Romantismo do Oitocentos; no outro, o personagem principal, integrado à paisagem e à miséria do século XX, se supera pela esperança no nascimento de um filho. Estariam ambos, cada um a seu modo, dentro do espírito natalino de seus tempos?

Agora quem sabe possamos responder à insistente pergunta de Machado de Assis no final de seu conhecido “Soneto de Natal”: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”

(Fotomontagem: Natália Tinoco)(Desenho de Cabral: Di Carrara)