4/07/2012

ENTRE AURORA E MEIO-DIA, A POESIA DE MÁRIO FAUSTINO



No final dos anos 1950, pontificava no jornalismo literário brasileiro uma figura ímpar: o poeta Mário Faustino (1930-1962), nascido no Piauí, e que, antes dos 30 anos, além de uma invejável cultura (sabia grego, latim e outras línguas), havia escrito um livro que emocionou minha geração – O homem e sua hora
A par de uma poesia de qualidade incontestável, seus versos, porém, pareciam vaticinar uma tragédia aérea iminente. Foi o que aconteceu em 1962, quando o avião em que viajava caiu cinco minutos antes de chegar ao Aeroporto de Lima, no Peru, em Cerro de los Cruzes.

“Corro despido atrás de um cristo preso
cavalheiro gentil que me abomina
e atrai-me ao despudor da luz esquerda
ao beco da agonia onde me espreita
a morte espacial que me ilumina.” (p. 92)

Morria então uma das maiores promessas da crítica e da poesia brasileira. Faustino brilhou nos tempos do “SDJB - Suplemento Dominical do Jornal do Brasil”, ao lado da geração concretista, com estudos e traduções magistrais de Mallarmé, Pound, Eliot, Kafka e outros mestres do século XX, na época ainda pouco conhecidos no Brasil.
Seu argúcia crítica antenou jovens como eu que procuravam nas páginas do Suplemento uma palavra de orientação frente as novidades de violentação do verso e as mudanças que anunciavam uma nova arte. E sua poesia – no início, de linha melódico-discursiva, porém consciente da matéria a produzir – aprimorou-se nas conquistas da linguagem poética, apontando sempre para o futuro.
A professora Maria Eugênia Boaventura, através da Companhia das Letras, iniciou há algum tempo a publicação de sua obra com a edição deste magnífico O homem e sua hora e outros poemas (São Paulo: 2002, 288 páginas). Ali o leitor poderá conhecer também vários inéditos de Mário Faustino, e, como eu, maravilhar-se com a diferente, bela e inovadora música dos seus versos, como neste final premonitório contido no poema “Romance” (p. 81):

“Não morri de mala sorte
morri de amor pela morte”.

Nos últimos versos do primeiro poema da coletânea, denominado “Prefácio” (p. 71), em que Faustino dá o tom do livro e ao mesmo tempo vaticina sobre sua sorte, ou em todos os outros poemas, pode-se dizer que, em nível de qualidade, salvam-se todos. Senão, vejamos:

“Quem fez esta manhã fé-la por ser
um raio a fecundá-la, não por lívida
ausência sem pecado e fê-la ter
em si princípio e fim: ter entre aurora
e meio-dia um homem e sua hora.”