11/25/2020

MACHADO DE ASSIS E A CONSCIÊNCIA NEGRA


MACHADO DE ASSIS E O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Ao tomar conhecimento de que hoje é o “Dia da Consciência Negra”, veio-me à mente um conto de Machado de Assis “Pai contra mãe”, que trata justamente do tema da escravidão, e este me levou aos problemas que os negros sofrem com o preconceito até hoje no país.
Neste conto, Machado narra a triste história de Cândido Neves, um homem pobre casado com Clara e que, por dificuldades financeiras, tiveram que morar com Mônica, tia de Clara. Apesar das penúrias que passavam, Cândido e sua mulher resolveram ter um filho.
Os problemas aumentaram com o nascimento do filho e com os aluguéis atrasados que deviam, levaram um dia Cândido ao desespero, e a conselho da tia, resolveu levar o filho para a chamada “Roda dos Enjeitados”, um local no Rio de Janeiro que recebia crianças cujos pais não tinham condições de sustentá-los.
Antes, porém, de entregar o filho como enjeitado, Cândido parou numa farmácia, onde soube que havia uma recompensa para a captura de uma escrava fujona de nome Arminda. Pediu ao farmacêutico para tomar conta do seu filho e
“(...)foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita. Na direção do largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher: era a mulata fugida. (p. 492)
Gritou por ela, que atendeu ao chamado e logo amarrou-a pelos pulsos. Esta pediu então que a soltasse pelo amor de Deus. “– Estou grávida, meu senhor! Exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei sua escrava.” (p. 493)
Cândido não retrocedeu e arrastou-a impiedosamente pelas ruas até a casa do seu senhor. Mas o desespero da escrava foi tão grande que ficou arquejante e caiu no chão, abortando o bebê. Cândido recebeu os cem mil réis da recompensa e foi pegar o filho na farmácia, indo depois para casa comemorar a vitória.
O conto termina machadianamente com a frase de Cândido Neves que fala para si mesmo como se tentasse se convencer pelo ato: – Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.” (p. 494)

ASSIS, Machado de. Pai contra mãe. In: Contos/Uma antologia, vol.lI. Org. John Gledson. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 483-494.


 

UM RIO IMITA O POMBA


 


UM RIO IMITA O POMBA
Há autores que despretensiosa ou pretensiosamente procuram indicar ao crítico e/ou ao leitor o caminho a seguir para a possível análise/leitura de sua obra, antecipando de que se trata etc. etc.
É o que ocorre, de certo modo, com o escritor Washington Magalhães, que há dias me enviou seu novo livro “Rio Pomba – um rio meu/seu/nosso”, e me previne: “É um trabalho jornalístico / técnico / didático. Nada mais que isso”.
Penso assim: um livro é um livro e nele o resenhista vê e escolhe um ângulo ou os vários que pretende abordar: o informativo, o descritivo, o literário, o filosófico, o histórico etc., e um bom livro sempre contém uma variedade de abordagens. Além disso, é como se diz: a sorte está lançada. Uma vez editado, lá vai o livro cumprir sua trajetória...e o autor perde o controle sobre sua obra.
Acrescente-se ainda que me surpreende o fato de uma pessoa extrovertida como o Washington temer se lançar ao literário por motivos que desconheço. Começo então por dizer que esse livro sobre o rio Pomba tem os ingredientes necessários para ser considerado um documento de literatura, e que seu autor fique tranquilo quanto a isso.
No roteiro dos capítulos, começando por documentar a água como vida e valor, Washington passa por uma espécie de biografia do rio e suas agruras, chega às leis que regem sua existência, às questões ambientais, percursos, questões econômicas, históricas, literárias e até educacionais.
Quanto a isso, a obra informa bastante, e para isso o autor faz uso de pequenos capítulos e uma sintaxe rápida que tornam a leitura fluente literalmente como rio, o que me sugere uma boa solução, em especial para o meu gosto.
Mas o que vou ressaltar aqui são os pontos em que o texto se mostra mais criativo nas imagens criadas pelo autor, e é aí que está a chave da minha leitura crítica.
No capítulo “Pomba, um rio”, o descritivo pede ajuda ao poético, e este comparece: “Um rio nasce de um olho d’água. De riachos e minas que brotam da terra como se estivessem fugindo dos aquíferos, dos lençóis freáticos, das bacias hidrográficas. A altitude lhe dá gravidade para correr ‘rio abaixo’. Aí esses olhos d’água, esses riachos, esses ribeirões vão se juntando até virarem um rio.” (p. 25)
Ou quando narra de modo direto e simples o paradeiro de seu trajeto: “A partir daí ele se junta ao rio Paraíba do Sul que segue majestoso em direção ao Oceano Atlântico.” (p. 28)
Às vezes o descritivo-narrativo aproveita para mostrar aspectos das cidades por onde passa o Pomba, deixando entrever a beleza e o pitoresco dos locais:
“E o rio segue, tangenciando parte do território do município de Descoberto onde as águas represadas ocupam áreas importantes. Descoberto também tem suas características de cidadezinha do interior mineiro. Casario de outros tempos e uma bela praça com suas topiarias sempre bem cuidadas. Descoberto visto da estrada parece estar pregado na montanha.” (p. 32)
Uma dica final para o autor: deixe de se autolimitar e vá em frente como esse rio que avança com suas pedrinhas e arranhões, pois isso tudo faz parte de um processo que você conhece tão bem como escritor que é.
O rio que imita o Pomba é um outro rio que está na memória e que foi e é fonte de inspiração dos Ronaldos, Pedros, Chiquinhos, Washingtons, Lecys, Cagianos e outros que registraram no papel suas diferentes e criativas emoções para os nossos leitores.



10/23/2020

SORTILÉGIO

 


 SORTILÉGIO

Joaquim Branco

 

Interlúdio? Magia? Romance? Casos? Histórias?

Por certo é um Romance, no sentido mais verdadeiro e técnico do termo. Há que se pesar inclusive a presença da narrativa em capítulos, do narrador ora em primeira pessoa, ora em terceira, dos personagens e da massa textual bem trabalhada, em muitos pontos até poeticamente, como se poderá ver nos fragmentos que coletei.

Tudo isso enforma o livro ora apresentado: “A perfumista da noite”, de Leila Lúcia Gomes Martins; como ela diz: “são anos, em uma noite” (p. 16) ou em uma leitura.

O romance – e o próprio título antecipa –  é transpassado por fragrâncias tiradas das flores e da vegetação em geral, impregnando o ambiente, as cenas e até os personagens: “Cada um tem sua fragrância, mostra Abgail (a protagonista). Cada um é especial!” (p. 18)

Há fragmentos um pouco mais tocados por um lirismo dosado às vezes mais marcadamente pela narradora: “Quando se conhece o caminho, tem-se os pés eternamente tatuados pela felicidade.” (p. 13) Ou em seguida: “Permita-se abertura para os sonhos; esta é a fórmula. Abrir-se todas as noites, amar-se em todas as manhãs, tocar-se com todo o sol e por ele e com ele se apaixonar, se misturar e ser um só.” (p. 13)

Na preparação do enredo, há toda uma mística com que o leitor pode demorar um pouco a se acostumar, até o fecho inicial que combina com a noção de dia: “Assim a manhã se deu por acabada.” (p. 15)

Daí em diante, surgem um a um os personagens recebidos por Abgail. A primeira é Maria Soledade. Inicialmente o contato é logo na entrada da estranha na perfumaria, e vem por meio de perguntas que a perfumista faz para identificar qual o perfume adequado para cada cliente, pois ela já sabe que precisa encontrar, com o perfume, a cura para cada pessoa que a procura.

No capítulo “No país das maravilhas”, tudo parece sonhado e transferido para as roupas do personagem: “A terceira saia era o céu esmaecendo, e o azul perde-se no caminho. [...] A cada passo um instante e uma eternidade. Como podem-se dar tão bem o instante e a eternidade?” (p. 22)

Reflexões surgem a cada instante, quase sempre através da protagonista: “Sinto mesmo que pessoas que não acreditam em Deus usam do nome d’Ele o tempo todo para negociar.” (p. 36)

Ao final do capítulo 18 – “Culto e oração” – em meio ao litúrgico e o social, o poético absorve a cerimônia do padre para arrematar: “Entre leitura e interpretação, esmiúça-se um coração!” (p. 45)  

Às vezes os dias transcorrem normais, mas de repente as coisas mudam; entra alguém (Justina) pela porta da perfumaria e vem a oportunidade da constatação da protagonista, como a responder a uma pergunta: “Porque ninguém sofre sozinho. Porque jamais estaremos sozinhos. [...] Estava agora sozinha e, talvez assim, muito bem acompanhada.” (p. 55)

Para cada caso – e esse é o movimento das cenas do romance –, Abgail apresenta uma solução que pode estar até na noite bem dormida da personagem: “Seu sonho não acabou, pois eles nunca se acabam, apenas esperam por nós, escondidos nos travesseiros, e, se não o acolhemos pela manhã, eles aguardarão pela manhã do dia seguinte, pois sabem que, mais dia menos dia, precisaremos deles e eles jamais nos faltarão.” (p. 61)

Os clientes-personagens vão se sucedendo a cada capítulo. Quitéria, à procura do filho desaparecido, aceita até fazer o impossível, e, com Abgail, entra num “buraco da parede e dão início à caminhada. O buraco é escuro, mas o caminho é luminoso. O caminho é sinuoso, cheio de curvas, ora para a direita, ora para a esquerda.” (p. 70)

A libertação termina ali mesmo, com a confissão de Quitéria: “Pude sentir que dentro do portal tinham muitos filhos e não só o meu: não retornei apenas pelo meu, mas pelos nossos.” (p. 71) O que permite à narradora fechar o capítulo: “O sol somente não brilhará onde você permitir que a escuridão se instale. Um sol para Quitéria!” (p. 71)

À medida que aparecem os desafios, esses vêm sempre em forma da chegada de mulheres em cada parte da narrativa: “Abgail sugere a Cátia: – Vamos conversar mais e a nossa paz estará estabelecida. – Nossa paz? – Nossa. – Não tenho paz se você não a tem.” (p. 75)

Vai terminando o capítulo com a tranquila Abgail virando-se para Cátia,: “– A doença não vai abandonar você: você é quem vai abandoná-la, mas sem rancor.” (p. 77)

Pelos 43 capítulos do romance, desfilam Georgiana, Quitéria, Maria, Nádia, Leonor, Bibiana, Floroteia e muitas mais, diante das quais a protagonista apresenta soluções mágicas para as dores de cada uma: “E o que é o Mal? As sombras! As dores! As mentiras! As humilhações! As dúvidas! Os braços cruzados e a falta de braços! As portas fechadas! As portas fechadas e a necessidade crucial de entrar. Os lábios cerrados e a guerra que por um sorriso poderia cessar.” (p. 88-89)

A mulher “segue até o rosto e então por algum tempo se energiza para socorrer a mulher que aguarda por ajuda. Seca as mãos e o rosto na fina tolha de linho branco com bordados de crivo da mesma cor. Retoca o batom cor de boca e segue para a batalha de moldura bíblica”. (p. 106)

São marcantes as saídas encontradas na narrativa, como esta que se vale novamente do componente poético em som e ritmo: “Temos um barco, temos remos, o mar está calmo, o vento sopra a favor e o sol é nosso convidado. Só nos resta aprender a navegar.” (p. 109)

O ponto alto do livro é o capítulo 38, que narra o encontro mais esperado ou mesmo inesperado entre a protagonista Abgail e seu marido. Trata-se da renovação para valer de uma relação desgastada e que aí ressurge e torna-se plena. Abgail e Pedro Henrique vivem uma noite de redenção, que a narradora sintetiza nestas palavras: “...e o sol, pretendendo se eternizar nesse instante, não perde a oportunidade. Tatua-lhe no tórax o calor das horas. O sol se emociona em fazer parte dessa história. Então foi escorregando de mansinho e assim dá a luz a outra história, do outro lado do mundo.” (p. 140)

Os capítulos finais são reservados para a morte da narradora, o que repercute fisicamente no livro que agora tem as páginas totalmente brancas como se estivesse pronto para o início de uma nova obra.

Abgail morre aos 93 anos e aplaude a autora Leila Lúcia Gomes Martins, terminando assim o romance metalinguisticamente: “Eu não poderia faltar a este encontro. Porque deste encontro eu fui apenas o elo, mas precisava estar lá. Abigail ainda possui os braços repletos de sementes. Ainda bem que hoje tem sol!” (p. 150) 

 

 


10/10/2020

PASSAGEM PARA A MODERNIDADE - lançamento de livro - 7 setembro 2002


O livro "Passagem para a Modernidade" teve seu lançamento no dia 7 de setembro de 2002, no Instituto Francisca de Souza Peixoto, em Cataguases MG, em conjunto com o livro de Luiz Ruffato, "Os ases de Cataguases". Capa de Dounê Spinola.


"Esta obra vem preencher uma lacuna nos estudos de Literatura Brasileira, ao trazer à tona a memória do movimento Verde, que revolucionou o pensamento estético dos anos 20 no interior mineiro, estendendo-se além das fronteiras nacionais.

A significativa presença do movimento Verde, nascido em Cataguases, no interior de Minas Gerais, até os nossos dias, ali vem desencadeando várias outras tendências estéticas e culturais, revelando uma face antagônica desta cidade-monumento da modernidade.

Nestas páginas, Joaquim Branco recompõe os momentos significativos da história do pensamento modernista, nascente nos anos 20, em Cataguases, pacata cidade que marcou presença nessa “passagem” para uma nova história do pensamento artístico e literário brasileiro e universal. (....) "(Francis Paulina, ensaísta e professora aposentada da UFV - Universidade Federal de Viçosa)


   
















10/04/2020

TRIBUTO A AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Professores recepcionam o autor

 


No dia 01-09-2000, apresentamos com a turma do 4º ano de Letras da FIC uma teatralização de um poema de Affonso Romano de Sant'Anna, por ocasião de sua vinda à faculdade de Cataguases, por iniciativa da professora Idalina de Carvalho e do Departamento de Letras. Música: Rogério Gravina. Criação/Direção: prof. Joaquim Branco.
O "Poema para Medgar Evers" foi escrito nos anos 60, provavelmente no período em que Affonso Romano esteve nos Estados Unidos trabalhando numa universidade.
É um libelo antirracista de grande beleza, dedicado ao líder negro Medgar Evers, assassinado pela entidade racista Ku-Klux-Klan.




Transcrevo o poema de Affonso Romano:

POEMA PARA MEDGAR EVERS
Sound
Our
Soul
- bell

Sound
Our
Soul
- bell

Sound
Our
Soul
- bell

Em algum ponto do mundo é noite
e um homem negro tomba morto.

KU
KLUX
KLAN
- Alabama

KU
KLUX
KLAN
- Aleluia.

Negra
noite
oculta
a fala.

Negro
corpo
oculta
a bala.

Negro forro
é negro
morto.

KU
KLUX
KLAN
- Alabama

KU
KLUX
KLAN
Aleluia.

O senhor é meu pastor
HALLELUIA! HALLELUIA!
mas um lobo me atacou
HALLELUIA! HALLELUIA!
No vale da escura noite
HALLELUIA! HALLELUIA!
Meu corpo se amortalhou
HALLELUIA! HALLELUIA!
sobre as taças do inimigo
HALLELUIA! HALLELUIA!
o meu sangue transbordou
HALLELUIA! HALLELUIA!
O Senhor é meu pastor
HALLELUIA! HALLELUIA!
mas um branco me matou
HALLELUIA! HALLELUIA!

KU
KLUX
KLAN
- Aleluia

KU
KLUX
KLAN
- Alabama.

No Alabama
é onde o homem é menos homem,
é onde o homem quando é branco
- é lobo e homem
e o homem quando é negro
- é lodo e lama.

No Alabama
um homem quando é negro
sabe que seu sangue porque é negro
é drama

e cedo ou tarde pelas pedras
se derrama.

No Alabama
é onde o homem é menos homem.
Dali é que nos chega
o sangue inscrito em telegrama.
Dali é que nos chega
um nome que era negro e escuro
e que agora se transfunde em pura chama.

KU
KLUX
KLAN
- Aleluia

KU
KLUX
KLAN
- Alabama.


FAFIC
1º set / 2000

A acadêmica Luana apresenta o poema



Paula Reiff na dramatização do poema


Joaquim Branco e Idalina de Carvalho justificam
a importância da vinda do escritor




Affonso entre intelectuais


Almoço em homenagem ao autor