6/03/2013

NO QUEBRA-NOZES, COM MACHADO DE ASSIS


Cada vez me conscientizo mais de que Machado de Assis ‘viu’ como ninguém o Rio de Janeiro de seu tempo. Os problemas sociais, os políticos – toda a saga urbana de um povo foi retratada por ele, não escapando nem o teatro que se fazia então.

Não sendo autor de nomeada nesse gênero, passou a crítico teatral e – pasmem! – a censor oficial não remunerado do CDB – Conservatório Dramático Brasileiro, exercendo essas funções de 1862 a 1864.

Para se entender isso, é preciso remontar ao projeto cultural de Machado de Assis – como crítico e cronista –, que teve três fases distintas: a primeira, considerada nacionalista-romântica, em que rebateu a penetração de peças estrangeiras no Brasil; a segunda, uma ação pedagógica em que começa a aceitar a alteridade, especialmente o teatro francês de qualidade; e a última, de um nacionalismo voltado para o povo, com suas crônicas maduras em que procurou analisar as mazelas do brasileiro, visando à busca de uma identidade nacional.

Essas são algumas considerações que faço inicialmente, a partir da leitura do magnífico ensaio de Eduardo Luz intitulado O quebra-nozes de Machado de Assis – crítica e nacionalismo, Edições UFC (Universidade Federal do Ceará), Fortaleza, 243 páginas.

Aqui, acompanhamos o trajeto machadiano mapeado paulatinamente, não sem mostrar o crescimento e o avanço que permitiram a ele tornar-se o mais importante escritor do Oitocentos brasileiro.
Naquela fase inicial, o jovem Machado torcia o nariz para o teatro que vinha de fora, rejeitando a “cozinha estranha”, e propunha ao governo imperial normas para a valorização da produção interna. Sua atividade como censor batia nessa tecla e em outras como o aprimoramento dos textos que lhe chegavam para análise e liberação, e, concomitantemente, buscava meios que pudessem promover o refinamento do público.

Enquanto isso, “expandia-se e diversificava-se o público de baixa comédia” (p. 81). Também não se poderia exigir muito de um país cuja população contava tanto em 1876 quanto em 1900 com 84% de analfabetos, segundo o Censo.

Por outro lado, o governo imperial vedava, entre outros itens, as peças que se apresentassem “contra a veneração à Nossa Santa Religião, contra o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e às Autoridades constituídas, e contra a guarda da moral e decência pública” (p. 74).

Poderíamos falar bem mais sobre esse ensaio de Eduardo Luz, feliz edição da Universidade Federal do Ceará, mas paremos machadeanamente no título. É Machado quem faz, numa crônica de 3 de abril de 1885, uma relação entre as nozes e as ideias, já que em ambas é preciso quebrar a “casca” para saber o que têm dentro. Aí reside o segredo da descoberta.

Sempre o velho-novo Machado para nos mostrar – recorrendo a outra metáfora que não a das nozes – com quantos paus se faz uma canoa... na vida e na ficção. 

(07-06-2013)
(Eduardo Luz, autor do livro em análise)