12/19/2011

LANÇAMENTO: "UMA VERDE HISTÓRIA"


Lançamento no dia 21 de novembro de 2011 do livro Uma Verde História, em parceria com Fernando Abritta, no Centro Cultural Humberto, a partir de 19 horas, Cataguases MG.
Antes do lançamento foi apresentada a encenação de Versos da Vida Severina por alunos do 4º período de Letras da FIC.

12/13/2011

NUM DOMINGO CHUVOSO...


Num domingo deste dezembro chuvoso, recebo um presente denominado Para uma elegia africana (Toward an african elegy). Que achará disto o leitor?: “Eu não conheço nenhum continente da África/ mais sombrio que este/ sombrio continente de meu peito”.

O poeta Affonso Ávila me envia sua bela tradução do livro de Robert Duncan, do qual foram tirados apenas 100 exemplares para 100 sortudos leitores, num opúsculo de poemas e fragmentos com motivos africanos, como o título indica, pertencentes ao conjunto de Selected poems, editado em San Francisco em 1959.


Robert Duncan nasceu em 1919 em Oakland, na Califórnia, e morreu em 1988.
Conhecido como notável poeta de sua geração, ganhou o “Poetry’s Union Prize”, e se destacou nos movimentos literários da Geração Beat e da cultura gay americana.


Seu tradutor, Affonso Ávila, credencia-se com um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos, no entanto, pouco divulgado pela mídia, apesar de sua importante obra.
Para uma elegia africana começa assim: “Nos bosques da África de seu natural prodígio/ o mais selvagem, zebra, o ocapi, o elefante, /introduziu-se o maravilhoso. /Nada maravilhoso /conheço eu que a nativa /selva do pensamento. As esposas do Congo /ali destilam seu sangue e os maridos /caçam leão com as lanças e pintam espórios-da-Morte /nos escudos, usam seus dentes garras e cabeleira /nas habituais cerimônias”.

Penetra-se com Duncan no interior da selva africana, em soturna caminhada: “A morte é o homem de cabeça-de-cão zebra-listrado /e cercado pelo silêncio que caminha como um leão, /que é negro. Foi sua voz chorando de volta /que Virginia Woolf escutou (...)”


A tradução refinada de Ávila vai nos trazendo versos de intensa concentração poética para revelar: “As antecâmaras da África nós a buscamos em sonhos /como barreiras de sonho contra o abismo, e mares /perturbados voltam-se sobre suas ondas /para dentro de salas abandonadas às raízes do amor”.

No encerramento, Duncan não perde o tom inicial; reforça-os em dedilhada canção: “(...) E então como sombrio /é ainda o Congo. Como as cansadas sereias /surgem das águas, não para serem tocadas /mas para repousarem sobre os rochedos do trovão. /E então como triste /é ainda o maravilhoso”.

Duncan e Ávila – uma feliz união de poeta-autor e poeta-tradutor – mostram que não são necessárias muitas páginas para se produzir um bom livro, mas é preciso dispor de recursos poéticos capazes de levantar palavras e construções que possam nos tirar o “coração das trevas”, mesmo num domingo cinzento de tanta chuva.

DUNCAN, Robert. Para uma elegia africana. Trad. Affonso Ávila. Belo Horizonte: Edições 1300, 2011.

7/19/2011

CENAS DA VIDA MINEIRA


Entre as conquistas do Modernismo brasileiro conta-se a valorização do cotidiano que, para os escritores mineiros, se associou ao que se convencionou chamar de ‘mineiridade’. Um selo que situa tantos nossos poetas quanto os ficcionistas entre duas noções conflitantes: a “cabeça baixa” e o “sentimento do mundo” drummondianos, melhor dizendo, entre o retraimento e o universalismo.

Podem se extrair essa e outras constatações da leitura do trabalho de Ivan Marques intitulado Cenas de um modernismo de província (São Paulo: Editora 34, 2011, 271 p.), excelente ensaio sobre o grupo do “Estrela” 1, que nos anos de 1925/26 ‘agitou’ Belo Horizonte com a publicação de A Revista. Carlos Drummond de Andrade, João Alphonsus, Pedro Nava, Emílio Moura, Cyro dos Anjos e outros faziam parte desse grupo e dessa revista da qual saíram três números que marcaram bem sua passagem.

Em Minas, houve mais três publicações: Montanha, Electrica e Verde. A primeira, da cidade de Ubá, e a segunda, de Itanhandu, tiveram existência muito efêmera e pouca repercussão, mas Verde, de Cataguases, tornou-se uma das mais conhecidas variantes do Modernismo no interior do país, seja pelos seis números editados, seja pela significativa contribuição às nossas letras.

Por aí se vê que Minas exerceu um múltiplo papel na produção e no diálogo modernista da época.

Na sua Cenas de um modernismo de província, Ivan Marques, porém, cita apenas Verde e lhe dedica quase um subcapítulo, destacando a figura de Ascânio Lopes.

No primeiro capítulo Marques salienta a importância do modernismo mineiro, dentro do qual analisa a estrutura e a evolução do grupo do “Estrela”. Nas demais partes dedica-se à interpretação da trajetória e obra de Drummond, Emílio Moura, João Alphonsus e Cyro dos Anjos, em avaliações pertinentes e valiosas para interessados no fenômeno “Minas”, esse imenso celeiro de valores para o cenário nacional.

Cito um fragmento: “Embora estimulado pelos acontecimentos de São Paulo, o modernismo teria conhecido em Minas uma dinâmica própria, ou melhor, um ponto de equilíbrio em que se combinavam a ousadia das inovações e a fidelidade ao passado literário: ‘curiosa modernidade mineira’, conclui Antonio Candido”.

Esta obra de Ivan Marques é uma leitura imprescindível para se conhecer o espírito mineiro que se aventurou, nos idos de 1920, carregado de todas as suas nuances e idiossincrasias, a colaborar na reforma da literatura brasileira que se fazia na época. O que realizou com muito êxito.

O grupo era assim chamado porque se reunia num bar chamado “Estrela”.

- Joaquim Branco – poeta, crítico, professor na Unis/FIC, doutor em literatura pela Uerj.

6/23/2011

C'ANTIGA DE AMIGO





ROSÁRIO FUSCO, O APÓSTOLO



Passaram-se mais de 40 anos da morte de Rosário Fusco (1910-1967), e só agora, após a leitura d’O livro de João, pude concordar com o que o nosso autor me confidenciou certa vez: “este é o meu melhor livro”.
Composto de 31 capítulos em 272 páginas, edição da Epasa em 1944, confesso que comecei mal a leitura do 1º capítulo. Só fui me interessar mais lá pelo capítulo IV, página 44, e apenas me entusiasmei na metade do romance, quando descrições e reflexões surgiam mais amiúde e alternadamente penetravam na trama. “Vinha com ele [o vento] um cheiro de mato, cheiro rural de chácaras e pastos orvalhados, que o olfato identificava no espaço e a memória situava no tempo. A meninice voltava, por instantes, nas asas da manhã.” (p. 44)
João, o protagonista-narrador, conta a história ora em 1ª pessoa, ora em 3ª, como melhor convinha à narrativa. Como nesta 3ª pessoa: “E João arrumava as malas, pregava suportes na parede” (p. 180), que admite a introspecção: “Hoje, o jantar será especial, João. [....] tens que te preparar para a infalível exibição.” (p. 180) Ou nesta 1ª pessoa: “Cada palavra dela me caía no ouvido como uma pedrada – mas as pedras transformavam-se em sons e os sons compunham a valsa vienense do restaurante.” (p. 201)
A impressão que me ia ficando da ‘convivência’ de alguns dias com João, Moreira e Carmélia – o triângulo amoroso e centro das ações – era de que ali estava o romancista pronto aos 34 anos, totalmente consciente do manejo ficcional, em seu segundo romance. Gira o enredo em torno de um casal – Moreira (fotógrafo meio malandro) e Carmélia – que acolheu João (funcionário de um laboratório) em sua casa num subúrbio de uma grande cidade (certamente o Rio de Janeiro). Os demais personagens vão rareando quando a trama começa a se concentrar no trio principal. Os bondes, o trânsito, as distâncias, os cafés, as praias, casas de prostituição identificam a ambiência de uma metrópole brasileira dos anos 40, como se pode perceber neste fragmento em que o narrador aponta o dedo para a obviedade, mas com sentido de descoberta: “(...) o subúrbio não era abandonado, era uma positiva mentira o conforto da cidade, a sedução do centro. Não se mora nos jardins, nas lojas de luxo, nas praias: mora-se num quarto, numa sala, numa casa.” (p. 177)
De repente senti que o romance se escrevia sozinho – me lembrando uma observação de Hemingway – para um leitor atônito ante exposição tão crua e verdadeira da natureza humana ficcionalizada com maestria: “Só me satisfaz uma morte que abale a terra, escureça o sol, rasgue o véu do templo”. (p. 124) “Nas guerras morrem milhões: sem rezas, sem arrepios, sem comoções dos presentes, sem ao menos um pregão anunciando algo – ‘morreu por isso ou por aquilo.’” (p. 125)
Sucedem-se a cada capítulo, ora em monólogo interior, as vozes individualizadas do protagonista e do narrador, ‘dividindo’ o mesmo personagem: “Fuja do jamais, João, não há jamais. Sim, não há jamais porque o tempo é meu, mora em mim, dentro de mim, num lugar onde não existem paredes separando o presente do passado e o passado do futuro, onde tudo se liga, porque tudo nasceu ligado com o mundo, antes das coisas terem nomes, antes das eras, antes da história, milênios antes de nasceres, João, se te satisfaz participares nominalmente do mistério.” (p. 135-6)
O livro de João me lembrou, pelo título, desde o princípio da leitura, um outro romance de Rosário Fusco – Dia do Juízo –, publicado em 1961, quase 30 anos depois. Portanto, fiquei como que esperando o que viria, e na página 116 encontro: “Coincidira aquele momento com o Juízo Final cotidiano a que estamos sujeitos? [....] Não há nada que se faça, de bom ou de mau, sem consequência. Se não a percebemos não quer dizer que não exista. Todo caminho começa por um passo. Dou o passo, mas não vejo o que piso, o que tenho debaixo dos pés.”
Não só esse, mas os motivos bíblicos ‘perseguem’ o narrador: “Como o paralítico do Novo Testamento, eu carecia da palavra, de uma palavra – tácita ou expressa num gesto – para caminhar. Não basta traduzires, João, nem indicares traduções a serem feitas.” (p. 207). Na página 252, leio o complemento na mesma tecla, em vozes que se alternam: “Não colocava o pecado sob o signo do imprevisto: marcava-lhe data, hora e lugar, porque só está fora do tempo e do espaço o Dia do Juízo. Pode ser agora, no momento em que escrevo, pode ser logo mais, talvez amanhã, acaso daqui a milhões de séculos. O relógio que o apontará não fica na parede, nem no bolso, nem no pulso, nem na mesa da cabeceira, nem na escrivaninha do laboratório, nem na torre da igreja, nem na coluna do abrigo de bondes, nem no alto da estação: está dentro de ti, João, dentro de todos, pingando como a torneira da casa do fotógrafo, sem te encher, como a chuva não enche o mar e o volume deste é sempre igual, receba ou não as águas de todos os rios da terra.”
No espaço destas breves considerações, não é possível mostrar integralmente a grandeza desta obra de Rosário Fusco, mas por suas últimas palavras – poéticas, demiúrgicas – pode-se entrever o que deixei de anotar: “Eu estava solto nos topos da terra, entre gases desconhecidos e poeira, paralelos e meridianos, arranhando a cabeça nas constelações. Testava as mãos nos trópicos e andava de patins nos fios de círculos polares, íntimo dos astros, sem testemunhas e sem ligações. Mas os espíritos dos meus mortos – amigos e conhecidos – não me fiscalizariam porventura?” (p. 272)

3/27/2011

O CONTO À MEIA-LUZ


Este livro resultou de um estudo intitulado “Marcas ficcionais no discurso mimético e minimalista de Adrino Aragão”, apresentado à Professora Doutora Angélica Maria Santos Soares, e aprovado em 19.04.2010, pela Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa da Faculdade de Letras da UFRJ, no curso de Pós-Doutorado. Ele aborda a conceituação, a estrutura e o desenvolvimento da narrativa curta e curtíssima, compreendida no que se convencionou chamar de Minimalismo na literatura.

1/30/2011

HORAS LÍQUIDAS



O que são horas diluídas?
São horas que se poetizaram no espaço
e apenas marcaram momentos fluidos?

Por quem foram vividas
e onde se perderam
para se depositar líquidas
em relógios borrados de páginas
de tempo?

Memória? Vento? Razão?
Quem então soube dessas horas
diluídas em esparsas gotas
geridas na memória
perdidas em frestas
nas desoras e vãos da História?

Um texto-hora grava frações
eternas que entristecem auroras
ou alegram umbrais
para deixar na hora-texto
apenas um sopro de vento,
um movimento para o ponteiro
dos segundos cravar no último minuto
do mundo.

(28.07.2010)

1/22/2011

CHRISTÓPHORO FONTE BOA



O ÚLTIMO DOS VERDES

Joaquim Branco


Já tinha desistido de conseguir maiores informações sobre o escritor Christóphoro Fonte Boa. Foram anos de procura em jornais, universidades, bibliotecas, até no Arquivo Mineiro fui buscar fontes. Ninguém sabia do nosso poeta.
E eis que agora obtive uma pista por meio do amigo e professor de Geografia Marcos Mergarejo Netto, com quem falei de minhas preocupações acerca daquele que era o mais ‘misterioso’ dos membros da revista Verde. Marcos conseguiu o número de telefone de um sobrinho de Fonte Boa, o advogado Válter Bueno Fonte Boa, residente em São Gotardo. Através do Válter cheguei a dona Veralice Fernandes Fonte Boa, uma sobrinha com quem Christóphoro conviveu em Juiz de Fora antes de morrer em 1993. Em breve, pretendo ir a Juiz de Fora para uma entrevista com dona Veralice.
Por enquanto, revelo os dados que consegui com a prestimosa colaboração do dr. Válter e de dona Veralice.
Christóphoro Fonte Boa nasceu em São Gotardo (MG) a 29 de agosto de 1906, filho de Sebastião Lopes Fonte Boa e Firmina Alves da Silva.
Fez os primeiros estudos em São Gotardo e parte do curso ginasial em Ouro Preto, concluído no Ginásio de Cataguases. Trabalhou em ambos como inspetor de alunos.
Em 1927 participou do Movimento Verde.
Em 1932, concluiu o curso de Direito na UFMG, em Belo Horizonte, e exerceu o jornalismo no Diário de Minas.
Pertencia à Academia de Letras de Juiz de Fora e escrevia no Diário Mercantil, quando residiu em Juiz de Fora. Morreu em Juiz de Fora em 1993.
Deixou o livro Eu, tu e a quarta dimensão, edição particular e fora de comércio.
Com o título sugestivo de “O sol na prosa”, transcrevo um poema de Fonte Boa que vale também pelas imagens de um cotidiano brincalhão retratando a capital mineira:

O SOL NA PROSA

Em Belo Horizonte em junho
o sol pela manhã não
é pau não.
(Se fosse em Ouro Preto as
lagartixas se espichavam
pra fora dos buracos
nas pedras centenárias)
Ao meio-dia não é de
todo católico debaixo
do braço dos transeuntes.
Mas às quinze é banzão.
nas sombras compridas
das árvores redondas.
Por que então aquele
homem varapau de
guarda-sol ou chuva
na paisagem mineira?

Fontes: revista Cidade das Letras, da Academia de JF, de 31.05.1945, p. 39; Poesia em Juiz de Fora (coletânea) - Projeto Documento - Pesquisa: Dormevilly Nóbrega – FUNALFA - 1981