2/01/2017

A SUPOSTA INFERIORIDADE



(na foto o grande escritor Albert Camus)


Há certos artigos, poemas e trechos de livros que gostaríamos que todo mundo lesse, e nessa vontade às vezes distribuímos cópias aos amigos mais interessados.

Um desses textos que sempre me vêm à mente intitula-se “Sobre o óbvio”, e foi escrito por Darcy Ribeiro para a revista "Civilização Brasileira" no final dos 70. Nele, Darcy dá uma aula de inteligência e massacra a velha tirania dominante que coloca a nós, sul-americanos, mestiços e descendentes de portugueses, como supostamente inferiores aos "nobres" habitantes do hemisfério norte. Nosso antropólogo comenta e desmoraliza a balela de que, se tivéssemos sido colonizados por ingleses, alemães ou outra raça “superior”, estaríamos hoje em pé de igualdade com os norte-americanos.
São preconceitos que até hoje querem nos impingir, como os da inferioridade das mulheres, dos negros, judeus e outros de que felizmente as pessoas vão aos poucos desacreditando.
O artigo é crítico, irônico, profundo e argumentativo, e levanta todos os pontos da questão, desde aquele início de colonização até os poderes de uma classe que, a partir do descobrimento, domina a cena brasileira. Da sua leitura, sai-se de alma lavada.

Um livro que de certo modo complementa a matéria é "O avesso e o direito", do franco-argelino Albert Camus, que no prefácio abre para uma constatação redentora: “Encontram-se muitas injustiças no mundo, mas existe uma da qual nunca se fala, que é a do clima”. (p. 20) Isso nada mais é que outra fixação em que tentam nos manter, a de que as pessoas que vivem em climas quentes são inferiores, preguiçosas e não lutam pela vida.
Nas recordações da infância de Camus estão as mais belas descrições de sua terra – a Argélia – e tantas outras esclarecedoras:
“(...) fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol. A miséria impediu-me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo”. “De qualquer forma, o belo calor que reinou sobre minha infância privou-me de qualquer ressentimento. Eu vivia na adversidade, mas, também, numa espécie de gozo. Sentia em mim forças infinitas: bastava, apenas, encontrar seu ponto de aplicação. Não era a miséria que colocava barreiras a essas forças: na África, o mar e o sol nada custam. A barreira está mais nos preconceitos ou na burrice”. (p.18 e 19)

• CAMUS, Albert. O avesso e o direito. Trad.Valerie Rumjanek. Rio: Record,1995.