7/13/2012

A ORALIDADE DE UM MESTRE

São célebres as conferências pronunciadas por Jorge Luis Borges em universidades europeias e americanas. Reunidas, algumas delas foram publicadas no Brasil, nos anos 80, pela Editora Max Limonad de São Paulo sob o título de Sete noites. Este livro, em termos de criatividade e qualidade textual, nada fica a dever às obras de ficção e de poesia do mestre argentino. Ali Borges aborda temas como: o pesadelo; a cabala, a cegueira, o budismo, entre outros.

Após a publicação, a partir de 1999, de suas Obras completas pela Editora Globo, em excelente trabalho editorial em quatro volumes encadernados, não pensei que teria mais oportunidade de ‘ouvir’ outros de seus textos ditos ‘orais’.
Mas eis que, por vias enigmáticas (borgianas, por certo), descobrem-se seis palestras perdidas, que haviam sido proferidas em inglês na Universidade de Harvard, em 1967-68, que a Companhia das Letras leva ao público com o título de Esse ofício do verso, organizadas por Calin-Andrei Mihailescu, em tradução de José Marcos Macedo (São Paulo: 2000, 159 p.).

Novos temas no mínimo diferentes: a metáfora; o narrar uma história; o credo de um poeta etc. O mesmo Borges – concentrado e livre; simples e erudito; poético e com uma memória prodigiosa ao citar trechos de livros sem recorrer a apontamentos, e já vitimado pela cegueira.

No capítulo “O credo de um poeta”, seus comentários sobre a literatura, em especial a poesia, são marca registrada de um modo particular de lidar com as palavras:

"(...) muitas coisas aconteceram comigo, como a todos os homens. Tirei prazer de muitas coisas – de nadar, de escrever, de contemplar um nascer do sol ou um crepúsculo, de estar apaixonado e assim por diante. Mas, de algum modo, o fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia" (BORGES, 2000, p. 106).

Sobre a preocupação com o leitor, de que pouco se fala em Borges, no mesmo capítulo podem-se anotar fragmentos de refinada sensibilidade poética:

"Quando escrevo não penso no leitor (porque o leitor é um personagem imaginário) e não penso em mim mesmo (talvez eu também seja um personagem imaginário), mas penso no que tento transmitir e faço de tudo para não estragá-lo. Quando eu era jovem acreditava na expressão. [...] não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão a palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar" (BORGES, 2000, p. 121-2).

Se neste livro mais uma vez o leitor terá contato com uma literatura de alta expressividade (e – por que não dizer? – de inúmeras alusões), característica dos grandes escritores, poderá igualmente usufruir de um conhecimento mais profundo das coisas do mundo que se sintetiza numa só palavra: sabedoria. Que Borges sempre soube distribuir fartamente a todos que o leram e leem.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BORGES, Jorge Luis. Esse ofício do verso. Org. por Calin-Andrei Mihailescu. Trad. José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

7/05/2012

FICÇÃO INTER'DITA


Não sei como classificar, entre os gêneros literários, o segundo livro do escritor cataguasense (residente em Brasília) Marcelo Benini – O homem interdito (São Paulo: Intermeios, 2012, 84 p.). Só esta constatação já vale como referência favorável, não bastassem as outras que irei acrescentar adiante.
Situado entre a crônica e o conto, entre o real-ficcional e a prosa poética, o texto de Benini, à medida que se lê, vai revelando principalmente um autor que escreve muito bem – não apenas no sentido de correção linguística etc., mas naquele ponto em que o domínio da escritura encontra a criação literária.
Esses fatores me levaram à leitura de suas crônicas (?) uma após outra, e fui até o fim sem perder o embalo.
Não que a leitura corra de maneira macia o tempo todo. Ela guina ora para um lado, ora para outro – como na descrição que Machado de Assis, em Brás Cubas, faz do seu estilo comparado ao andar dos ébrios –, e só no final encontra o que procurava.
São crônicas-contos, em certos momentos, e, em outros, contos-crônicas, ou poemas em prosa.
Por exemplo, no início de “Espírito de Palminha”, Marcelo capta o cotidiano tão poeticamente que esta poderia ser um poema, mais na frente uma crônica, para no final se transformar num conto cujo narrador, à vista de jagunços que vão invadir a cidade, reage assim: “Tchuuuuuuuru! Tchuuuuuuuru! Estamos todos correndo à espera de uma voz suave que nos diga:
– Não precisam correr mais, irmãos. (p. 46)
Em “Cartas de Graciliano Ramos”, encontro a enigmática moça que guarda a sete chaves fabulosas cartas de Graciliano Ramos. Aqui um tema poético busca tornar a narração mais misteriosa e as considerações do narrador sobre o espírito feminino, mais reflexivas. O fecho mantém a secreta chave: “Nunca pude ler as cartas, talvez porque a moça esteja guardando esse segredo para alguém que lhe inspire mais confiança, alguém que não lhe tenha segredos.” (p. 38)
“Raulzito azul” sinaliza o olhar do cronista para a metrópole anônima, engarrafada de pedintes e moradores de rua, e “profetiza” uma revolução desses miseráveis que irão assaltar o poder em substituição aos engravatados de sempre:
“O sinal abriu e percebi que Raulzito vinha descendo a rua recolhendo contribuições para a revolução. Rapidamente peguei todas as moedas que tinha e entreguei-as ao grande líder.” (p. 20)
Enfim, ao procurar um “defeito” no livro, encontrei um, que é também o da maioria das edições atuais: não oferece conforto ao manuseio do leitor, pois as páginas não se abrem fácil e naturalmente, ao contrário dos antigos livros costurados à linha. Essa dificuldade tão geral, porém, não impede o leitor de usufruir do prazer que a boa literatura de Marcelo Benini nos proporciona por meio desse auspicioso e surpreendente lançamento.