2/28/2007

EU x eu

EU X eu

(Story-board)

Joaquim Branco

A moda agora é não fumar. Apague essa idéia de sua cabeça de fósforo. Ou, então, morra. Aspire sonho e inspire cof-cuidados. A asma é duradoura senão eterna e quem ganhar o prêmio receberá o bônus do enfizema: terá para dormir um caixote refrigerado a orvalho ou a laje fria mesmo.

E isso não é nada perto da morte shakesperiana. Sufocado como Desdêmona e sem Otelo. Na lápide, a frase: “morreu voando, aliás, fumando”. Um logotipo da multinacional de cigarros vai decorar o granito. Impávido.

Fé inquebrantável no caráter volátil da alma que alça aos céus.

O contra-anúncio pede para apagar a idéia. Mas como resistir ao charme de atingir o orgasmo, quer dizer, o sucesso, com Hollywood, música bacaninha e jovens atléticos estourando em ondas wind-surfadas a sol, champagne e neon?

É preciso encarar o real como mostra o storyboard e está no filme. Afinal, você agora aparece em todas as telas. É imagem, não gente. Sente que em breve nem que seja por um instante será eterno.

2/24/2007

MUNDO DAS LETRAS

Mundo das letras

Joaquim Branco

Tradicionalmente os cursos de licenciatura em Letras preparam os alunos para se tornarem futuros professores. Assim é que naturalmente esses profissionais poderão dar aulas de língua portuguesa, literatura portuguesa e brasileira, além de uma língua estrangeira.

No entanto, é preciso saber que ao graduado em Letras abre-se um horizonte bem mais amplo do que esse – já grande –, que o habilita para inúmeras funções como a de redator, revisor, secretário, tradutor, escritor, copy-desk e muitas outras em que o conhecimento de línguas e de literaturas o credencia como especialista nessa e em áreas afins.

Nas Faculdades Integradas de Cataguases, por exemplo, a opção atual para língua estrangeira é o inglês, o mais utilizado idioma nas relações sociais, comerciais e culturais do mundo contemporâneo.

Ali, há mais de 30 anos formam-se turmas anualmente, a princípio apenas com graduação em Matemática, Letras, Pedagogia e História, e atualmente com o acréscimo de Administração, Normal Superior, Geografia e Meio Ambiente, Engenharia de Produção e Ciências Biológicas, novos cursos de tecnólogos, de extensão universitária, pós-graduação, além do recém-criado Colégio de Aplicação.

Mas, retornando ao curso de Letras, de que estávamos falando, temos hoje nas Faculdades Integradas uma formação mais rápida – três anos em seis períodos semestrais – em que se procura dar ao aluno conhecimentos específicos da sua área, dotando-o também das ferramentas críticas para “ler e entender o mundo” que o rodeia.

Desse modo, os estudos literários e lingüísticos ultrapassam as aquisições meramente conteudísticas para alcançar um terreno em que a criatividade e o jogo intelectual são componentes essenciais e voltados constantemente para a produção do saber.

2/12/2007

A ORALIDADE DE UM MESTRE

ESSE OFÍCIO DO VERSO
Jorge Luis Borges
Trad. José Marcos Macedo
Org. Calin-Andrei Mihailescu
Companhia das Letras – São Paulo


São célebres as conferências pronunciadas por Jorge Luis Borges em universidades européias, na Argentina e em outros países.
Reunidas, algumas delas foram publicadas no Brasil, nos anos 80, pela editora Max Limonad de São Paulo sob o título Sete noites. Este livro, em termos de criatividade e qualidade textual, nada fica a dever às obras de ficção e de poesia do mestre argentino.
Ali Borges aborda temas como: o pesadelo, a cabala, a cegueira, o budismo, entre outros.
Após a publicação, a partir de 1999, de suas Obras completas pela Editora Globo, em excelente trabalho editorial em quatro volumes encadernados, não pensei que teria mais oportunidade de ‘ouvir’ outros de seus textos ditos ‘orais’.
Mas eis que, por vias enigmáticas (borgianas, por certo), descobrem-se seis palestras perdidas, que haviam sido proferidas em inglês na Universidade de Harvard, em 1967-68, que a Companhia das Letras leva ao público com o título de Esse ofício do verso, organizadas por Calin-Andrei Mihailescu, em tradução de José Marcos Macedo.
Novos temas no mínimo diferentes: a metáfora; o narrar uma história; o credo de um poeta etc. O mesmo Borges – concentrado e livre; simples e erudito; poético e com uma memória prodigiosa ao citar trechos de livros sem recorrer a apontamentos, e já vitimado pela cegueira.
No capítulo “O credo de um poeta”, faz comentários sobre a literatura, em especial a poesia:

“[...] muitas coisas aconteceram comigo, como a todos os homens. Tirei prazer de muitas coisas – de nadar, de escrever, de contemplar um nascer do sol ou um crepúsculo, de estar apaixonado e assim por diante. Mas, de algum modo, o fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia.” (p. 106)

Sobre a preocupação com o leitor, de que pouco se fala em Borges, no mesmo capítulo pode-se anotar:

“Quando escrevo não penso no leitor (porque o leitor é um personagem imaginário) e não penso em mim mesmo (talvez eu também seja um personagem imaginário), mas penso no que tento transmitir e faço de tudo para não estragá-lo. Quando eu era jovem acreditava na expressão. [...] não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão a palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar.” (p. 121-2)

Se neste livro mais uma vez o leitor terá contato com uma literatura de alta expressividade (e – por que não dizer? – de inúmeras alusões), característica dos grandes escritores, poderá igualmente usufruir de um conhecimento mais profundo das coisas do mundo que se sintetiza numa só palavra: sabedoria. Que Borges sempre soube distribuir fartamente a todos que o leram e lêem.