12/30/2013

NA PENUMBRA DA LINGUAGEM



No 1º tomo de Relíquias de casa velha, Machado de Assis reuniu contos da linha clássica de sua criação ficcional como "Pai contra mãe", "Suje-se gordo", "Anedota do cabriolé" e outros.

Há nesses contos famosas marcas machadianas, como a presença da personagem viúva – bonita e rodeada pelos pretendentes –, dândis do século XIX – jovens e senhores que viviam de heranças como ela e que certamente não trabalhavam. Na outra ponta, os serviçais: escravos que aparecem aqui e ali, entrando e saindo de cena, quase invisíveis para compor o ambiente urbano, como em outras obras de temática rural.
O conto "Marcha fúnebre", um dos melhores da antologia, cujo protagonista é o deputado Cordovil, passa-se na década de 60 do oitocentismo e fala sobre um homem solitário e suas esquisitices, entre elas a fixação do pensamento na morte.

Nas idas e vindas com que Machado estrutura a narrativa, o personagem Cordovil vai imaginando para si as inúmeras maneiras como as pessoas morrem. Mortes ruins, sofridas, outras rápidas talvez sem dor, ainda outras depois de ameaças e violência etc. Mas, na cena que antecede o final e que registra a hora de dormir do personagem, o autor caprichou ainda mais: é de uma beleza textual que merece ser reproduzida pelo uso de uma linguagem muito refinada. Vejam como Machado descreve aquela penumbra que antecede o sono:

"Ah! foi então que o sono tentou entrar, calado e surdo, todo cautelas, como seria a morte, se quisesse levá-lo de repente, para nunca mais. Cordovil cerrou os olhos com força, e fez mal, porque a força acentuou a vontade que tinha de dormir; cuidou de os afrouxar, e fez bem. O sono, passando-lhe aqueles braços leves e pesados, a um tempo, que tiram à pessoa todo o movimento. Cordovil os sentia, e com os seus quis conchegá-los ainda mais... A imagem não é boa, mas não tenho outra à mão nem tempo de ir buscá-la. Digo só o resultado do gesto, que foi arredar o sono de si, tão aborrecido ficou este reformador de cansados." (p. 48)

Repare o leitor como Machado avalia que romantizou demais as imagens do sono de que estava tratando e acaba se autocriticando ao dizer que "a imagem não é boa". No entanto, a imagem é boa, aliás, é ótima, um verdadeiro rendado tecido com a linguagem.

O último tipo de morte lembrado por Cordovil foi aquela em que a pessoa deita, dorme e amanhece morto. Mas ele não iria morrer naquela noite... Assim Machado de Assis finaliza a estória de modo magistral:
"Quando veio a falecer, muitos anos depois, pediu e teve a morte, não súbita, mas vagarosa, a morte de um vinho filtrado, que sai impuro de uma garrafa para entrar purificado em outra: a borra iria para o cemitério. Agora é que lhe via a filosofia; em ambas as garrafas era sempre o vinho que ia ficando, até passar inteiro e pingado para a segunda. Morte súbita não acabava de entender o que era." (p. 49)

(ASSIS, Machado de. Marcha fúnebre. In: ______.  Relíquias de casa velha, tomo I, São Paulo: Edigraf, p. 43-49).

(30-12-2013)

12/11/2013

DOIS POEMAS PARA MANDELA

Fiz 2 poemas em homenagem a Nelson Mandela: um em 1967, quando fui convocado para uma exposição de poesia visual internacional em louvor do grande líder – "Free Jazz para Mandela" –; e outro em 2013, quando de sua morte – "Afreekamandela" –, uma versão em forma discursiva:




12/09/2013

EVOLUÇÃO PARA TRÁS


No livro "Relíquias da casa velha", de Machado de Assis, há um conto intitulado "Evolução", em que o autor – através do personagem-narrador Inácio – faz suas considerações, como sempre.

Prepara-se o tema assim: "Quem nunca viajou não sabe o valor que tem uma dessas banalidades graves e sólidas para dissipar os tédios do caminho. O espírito areja-se, os próprios músculos recebem uma comunicação agradável, o sangue não salta, fica-se em paz com Deus e os homens".

No diálogo que se abre, Machado aproveita para chamar atenção para um dos nossos maiores problemas – a falta de ferrovias – e que já foi antevisto por ele na época:
"– Não serão os nossos filhos que verão todo este país cortado de estradas, disse ele.
– Não, decerto. O senhor tem filhos?
– Nenhum.
– Nem eu. Não será ainda em cinquenta anos; e, entretanto, é a nossa primeira necessidade. Eu comparo o Brasil a uma criança que está engatinhando: só começará a andar quando tiver muitas estradas de ferro.
– Bonita ideia! exclamou Benedito faiscando-lhe os olhos.
– Importa-me pouco que seja bonita, contanto que seja justa." (p. 76)

Vale uma observação a mais. Saiba-se que o Brasil chegou a ter muitas ferrovias até o século XX, mas foram sendo desativadas pelos governos da ditadura de 64, em prol de uma política equivocada. Espero que isso seja revertido, pois trata-se de um meio de transporte barato e eficiente. Já fui muito ao Rio, na década de 40 e 50, com meus pais e minha avó, e não me esqueço dessas incríveis viagens, apesar de demoradas. Na passagem escura dos túneis, eu tinha muito medo e minha avó sempre acendia uma vela salvadora.

Velho e grande Machado. Tão atual que não foi levado a sério. Pior para nós.

11/24/2013

Um estranho Natal em 1928




O Natal – considerado por uns um momento de tristeza e por outros de comemoração, ou às vezes as duas coisas – é sempre um tema difícil, ainda que tentador para um poeta.

O poema de Ascânio Lopes (1907-1929) que transcrevemos a seguir deve ter sido escrito quando ele estava internado num sanatório em Belo Horizonte, provavelmente no final do ano de 1928, pois morreria no dia 10 de janeiro do ano seguinte.
Vejamos o que ele nos apresenta.

O título – "Natal do tuberculoso" – coloca o leitor literalmente de frente para uma temática crua, de enfrentamento direto, mas ao mesmo tempo parece nos enganar, pois o texto escorre para uma leveza puerilizada pelo tema, contribuindo para isso a escolha de palavras simples e a opção por um discurso com um tom marcadamente inocente.

Contudo, de repente, toda essa atmosfera é tragada por um realismo duro e de conformação, tendo como fundo os sinos da Missa do Galo que arrebatam para o texto uma sombra de inexorabilidade.

Será que podemos sentir, nessa aceitação da morte pelo poeta, um apelo final ao leitor? Algo filtrado nas entrelinhas e acentuado pelas reticências em gradação descendente pode nos dizer isso? Vejamos: “E aqui dentro ninguém... o silêncio..., o descanso... o mistério”.

Surpreendentemente, porém, o último verso insere um novo elemento no universo do poema, pois termina com uma metonímia ironicamente seca, trazida pela imagem agigantada dos "sapatos".

Se aí vai um instante de tristeza neste poema autobiográfico de um grande poeta cataguasense, pelo menos aproveite o leitor este momento poético que tem a assinatura indelével de Ascânio Lopes.


NATAL DO TUBERCULOSO

Ascânio Lopes

Eu pensei que Papai Noel passasse por aqui
e pus na janela do quarto
meus sapatos inúteis de doente que não mais andará.
Depois rezei. Uma oração feita por mim,
entrecortada pelo arfar do peito e pela tosse rouca.
Pedi uma morte mansa suave
o coração parando, sem aflição, sem dor.
Lá fora os sinos da Missa do Galo
acompanhando minha morte lenta.
E aqui dentro ninguém... o silêncio... o descanso... o mistério...
Mas Papai Noel passou sem nada me dar.
Achou decerto enormes meus sapatos...

(desenho de Slotti)


9/21/2013

MACHADO DE ASSIS E SEUS TRUQUES FICCIONAIS


Machado de Assis tem um conto intitulado "Miss Dollar" na coletânea Contos fluminenses I. É um conto de tamanho médio a grande para os parâmetros machadianos – 23 páginas.

O texto começa com um suspense em relação à figura de Miss Dollar, que Machado projeta na cabeça do leitor, fazendo-o imaginar mil possibilidades sobre sua identidade. Assim o autor passa quase duas páginas preparando o 'ambiente' e espicaçando a curiosidade do leitor sobre os tipos de mulher que estariam 'escondidas' atrás de nome tão extravagante. Até que afinal revela: trata-se de uma cadelinha galga que fugira da casa de sua proprietária, uma bela viúva rica que oferecia pelo jornal a quantia de duzentos mil réis a quem a encontrasse.  

Pulando quase um século e meio, volto a esse conto, lembrado pela recente fuga da cadelinha Gigi de minha casa, em quem gostaria de colocar o mesmo nome do personagem do conto de Machado, mas em casa fui voto vencido na época.

Quem a encontra – não a minha, mas a cadela machadiana – foi um amigo dos cães, o dr. Mendonça, que, ao ler a notícia, prontamente dirigiu-se à residência da dona. Não era uma simples casa, mas uma mansão, e Machado não deixa passar de liso a impressão crítica:

Na sala não havia ninguém. Algumas pessoas, que têm salas elegantemente dispostas, costumam deixar tempo de serem estas admiradas pelas visitas, antes de as virem cumprimentar. (p. 33)

Margarida – era esse o seu nome – vivia com sua tia dona Antônia, e esse era um par muito comum na obra machadiana. A mulher solteira ou viúva nunca mora só; é sempre acompanhada de uma parenta ou agregada da família.

Feitas as apresentações, Mendonça naturalmente não aceitou a recompensa, mas passou a frequentar a casa de Margarida e acabou se apaixonando por ela após alguns encontros. Contudo não era correspondido, pois a viúva não havia ido bem no casamento e não queria ter outra decepção, assim o texto revela.

Nas idas e vindas por que circula a narração, o protagonista acaba convencendo Margarida do seu amor, mas quando acontece o final feliz com o casamento dos noivos, Miss Dollar, que havia passado à penumbra das ações, retorna ao centro dos acontecimentos ao ser atropelada por um carro.

Assim Machado de Assis encerra a narrativa pondo um curto e triste ponto final na vida de um personagem que, no início, parecia a protagonista da história, mas que na verdade foi apenas o leit-motiv, ou melhor, a 'bossa' usada para introduzir a dúvida e a curiosidade na cabeça do seu leitor, e desse modo o motivar ainda mais para não interromper a leitura antes da conclusão.

ASSIS, Machado. Miss Dollar. In: ______. Contos fluminenses. Vol. I. São Paulo: Clube do Livro, 1959, p. 29-52.     


8/27/2013

INSTALAÇÕES NO POÇO

Mais uma vez sou surpreendido pelo artista-professor Luiz Lopez.
Fui ver hoje (27-08-2013) a abertura das suas instalações artísticas para a qual recebi convite.
Como, com tão poucos recursos, Luiz Lopez conseguiu um resultado de excelência que me deixou bom tempo estupefato ante as inúmeras propostas apresentadas, tendo como objeto-base o livro!
Na abertura, somos recebidos por um pórtico construído por exemplares de poesia de cordel, que abrem o projeto para o popular.
Um bonequinho como o super-homem dos quadrinhos surge em cima de uma pilha de livros, e o poder se mostra agigantado e diminuído ao mesmo tempo: um voo sobre o saber.
Mais adiante, uma escada de livros nos conduz para dentro das instalações que se dirigem a um trono feito de livros. A mescla de poder e ciência ou a dissociação de ambos fazem desconfiar de que há algo por detrás desses conceitos.
Estantes metalinguísticas, baús de intertextos, tudo leva a uma espécie de poço da sabedoria que nos conduz a associações infantis como o poço dos mistérios, dos brinquedos, das águas furtivas. E o efeito mais impressionante está aí. Luiz Lopez incita o expectador a olhar para dentro do poço, e lá a surpresa: ele parece não ter fundo. como se as letras e as fantasias ficcionais nos tirassem de repente do pesadelo do real e apontassem para algo bem mais próximo do sonho.

Joaquim Branco

                                                                                                  fotos: Cimar Medeiros

Não percam esta exposição no saguão do Colégio Cataguases até dia 13 de setembro.












6/03/2013

NO QUEBRA-NOZES, COM MACHADO DE ASSIS


Cada vez me conscientizo mais de que Machado de Assis ‘viu’ como ninguém o Rio de Janeiro de seu tempo. Os problemas sociais, os políticos – toda a saga urbana de um povo foi retratada por ele, não escapando nem o teatro que se fazia então.

Não sendo autor de nomeada nesse gênero, passou a crítico teatral e – pasmem! – a censor oficial não remunerado do CDB – Conservatório Dramático Brasileiro, exercendo essas funções de 1862 a 1864.

Para se entender isso, é preciso remontar ao projeto cultural de Machado de Assis – como crítico e cronista –, que teve três fases distintas: a primeira, considerada nacionalista-romântica, em que rebateu a penetração de peças estrangeiras no Brasil; a segunda, uma ação pedagógica em que começa a aceitar a alteridade, especialmente o teatro francês de qualidade; e a última, de um nacionalismo voltado para o povo, com suas crônicas maduras em que procurou analisar as mazelas do brasileiro, visando à busca de uma identidade nacional.

Essas são algumas considerações que faço inicialmente, a partir da leitura do magnífico ensaio de Eduardo Luz intitulado O quebra-nozes de Machado de Assis – crítica e nacionalismo, Edições UFC (Universidade Federal do Ceará), Fortaleza, 243 páginas.

Aqui, acompanhamos o trajeto machadiano mapeado paulatinamente, não sem mostrar o crescimento e o avanço que permitiram a ele tornar-se o mais importante escritor do Oitocentos brasileiro.
Naquela fase inicial, o jovem Machado torcia o nariz para o teatro que vinha de fora, rejeitando a “cozinha estranha”, e propunha ao governo imperial normas para a valorização da produção interna. Sua atividade como censor batia nessa tecla e em outras como o aprimoramento dos textos que lhe chegavam para análise e liberação, e, concomitantemente, buscava meios que pudessem promover o refinamento do público.

Enquanto isso, “expandia-se e diversificava-se o público de baixa comédia” (p. 81). Também não se poderia exigir muito de um país cuja população contava tanto em 1876 quanto em 1900 com 84% de analfabetos, segundo o Censo.

Por outro lado, o governo imperial vedava, entre outros itens, as peças que se apresentassem “contra a veneração à Nossa Santa Religião, contra o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e às Autoridades constituídas, e contra a guarda da moral e decência pública” (p. 74).

Poderíamos falar bem mais sobre esse ensaio de Eduardo Luz, feliz edição da Universidade Federal do Ceará, mas paremos machadeanamente no título. É Machado quem faz, numa crônica de 3 de abril de 1885, uma relação entre as nozes e as ideias, já que em ambas é preciso quebrar a “casca” para saber o que têm dentro. Aí reside o segredo da descoberta.

Sempre o velho-novo Machado para nos mostrar – recorrendo a outra metáfora que não a das nozes – com quantos paus se faz uma canoa... na vida e na ficção. 

(07-06-2013)
(Eduardo Luz, autor do livro em análise)

5/27/2013

UM CASO E MUITAS HISTÓRIAS

Pela segunda vez, Fernando Abritta participa da Lei Murilo Mendes, da Funalfa em Juiz de Fora, e desta vez para produzir uma obra singular, em duas versões: uma escrita e outra falada, já que se trata de um audiobook (o livro mais um CD com as falas do texto). O livro infantojuvenil intitula-se “O caso da menina que perdeu a voz”.
Outra novidade: Fernando criou os desenhos e depois estes foram bordados em ponto- cruz e em cores, por Josenira Correa, Lígia Maria Soares e Lígia M. Quaglio, e, a seguir, fotografados por Kempton Viana. Assim, o resultado plástico-visual deixa entrever a ilusão de uma gramatura especial para a visão do leitor.
A boa apresentação de Antonio Jaime completa o trabalho, realçando o roteiro das aventuras e as características da história.
No enredo, os personagens – crianças e bichos – saem em busca da voz que a Menina perdeu, numa viagem aflita e solidária, e passam por muitas reviravoltas e situações. Pelo caminho, outros personagens vão contando histórias imaginosas ao correr dos obstáculos vencidos, e frases bem achadas refletem o nível do texto, que “sobe” nesses momentos poéticos:
“Será que existe um lugar onde as vozes se escondem? Moleque com a boca cheia, respondia: – Vozes ou palavras?” (p. 18)
“Eu conheço uma árvore onde tudo fica guardado” (p. 19)
“Era cajueiro nas folhas e galhos. Não era cajueiro porque dava mangas, abacates, caquis, toda espécie de frutas, todas maduras e saborosas” (p. 21)
“Passeou ouvidos nos cantos dos pássaros.” (p. 21)
“Precisamos achar a voz perdida.” (p. 22)
“Lá todos os tempos são no presente. Lá tem sol e chuva no mesmo momento. Lá, o vento permite voar até onde falta ar, bem perto de Deus.” (p. 23)
“E o vento leve soprando rostos dos garotos, penteando cabelos.” (p. 26)
“Na Montanha não havia sinal algum da voz de Menina. A única coisa parecida com uma pista era a frase.” (p. 27)
A metáfora – no seu aspecto mais genérico – enforma o discurso ficcional de Fernando Abritta, neste “O caso da menina que perdeu a voz” e as vozes de que se utiliza o texto literário podem, no fundo, representar a própria procura do autor como representação metalinguística da obra.

A voz que se perde e se quer reconquistar, a fala que faltou ou que desapareceu no tempo, a essencialidade do discurso para o homem – tudo isso importa muito e constitui o sentido metafórico que o autor procurou tematizar neste livro pleno de ação e criação. 
Em Cataguases, o lançamento será no dia 7 de junho de 2013, a partir de 19 h, na Chácara D. Catarina. (foto do autor: Paulo Gama)

5/22/2013

IDOS DE 1930 – FICÇÃO E POESIA


Henriqueta Lisboa


Recebi, para opinar, Literatura brasileira – 1930, organizado por Andréa Sirihal Werkema, José Américo Miranda, Maria Cecília Boechat e Silvana Maria Pessoa de Oliveira, contendo ensaios de diversos professores-autores acadêmicos (Editora UFMG). São trabalhos ensejados pelo II Seminário de Pesquisas em Literatura Brasileira, promovido pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.

Pelo título, se vê que a abordagem é a segunda fase do Modernismo que se convencionou chamar “Romance de 30”, mas o volume é mais abrangente em todos os sentidos e compreende também a poesia que se produziu naquele período.
Portanto, trata-se de um trabalho imprescindível a quem quer ter uma minuciosa análise das obras e autores da época.

Divide-se o livro em três partes: “Ficção de 1930”, “Intervalo lírico” e “Poesia de 1930”.
Na 1ª, surgem os grandes ficcionistas: Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, Lúcio Cardoso, Cyro dos Anjos e Eduardo Frieiro, sem deixar de comentar sobre os demais autores do ciclo. A 2ª e a 3ª parte relacionam poetas que se distinguiram: Drummond, Jorge de Lima, Henriqueta Lisboa, Murilo Mendes e outros.

O livro começa bem com o artigo de Luís Bueno abordando a “Divisão e unidade no romance de 30”, numa bem formulada colocação do problema, ao comentar, entre outros itens, sobre a divisão dos romancistas em intimistas e sociais e o seu realismo focado em 1ª e 3ª pessoa, para concluir por uma unidade e uma tensão em que as linhas de ambas tendências se mesclam no que ele chama de “embaralhamento”.

Chamo a atenção também para o texto de Ângela Vaz Leão, sobre “Henriqueta Lisboa em mais de uma voz”, quando se misturam as vozes da amiga e admiradora com a da crítica literária para compor um retrato muito pessoal e ao mesmo tempo verdadeiro de uma poeta tão pouco valorizada no Brasil.

Em “Jorge de Lima: a fé e a febre da poesia”, Raimundo Carvalho fala de um poeta pouco analisado no país e que merece estar entre os primeiros do Modernismo pela “abertura de novos territórios poéticos” (p. 303). Pena que o ensaísta não se aventurou pela obra mais importante de Jorge de Lima – Invenção de Orfeu. Mas isso demandaria outro ensaio crítico.

Não caberia aqui comentar sobre todos os ensaios do livro, portanto ficam essas  considerações mais como aperitivo para a leitura maior dos demais trabalhos desta significativa antologia crítica da Editora UFMG.

NA REVISTA DA PREVI


REVISTA PREVI
Categoria: Artes
Subcategoria: Prosa e Verso

LITERATURA INTENSA

Aposentado lança obra que conta sobre movimento artístico que provocou mudanças culturais

O mineiro de Cataguases (MG) Joaquim Branco trabalhou no Banco do Brasil (BB) por 30 anos. Em 1992, se aposentou. Foi nesse momento que ele passou a ter uma vida profissional mais voltada à universidade. Dedicou-se ao doutorado em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Hoje, leciona nas Faculdades Integradas de Cataguases.

Produção literária intensa
O funcionário do BB sempre teve uma ligação muito intensa com a literatura. Tem aproximadamente 30 livros publicados, entre obras de ensaios críticos, crônicas e poemas. Foi editor de vários jornais e revistas de literatura. Nos anos 80 foi redator na antiga revista Cacex, do BB, no Rio de Janeiro. Já publicou em suplementos de grandes e pequenos jornais como O Globo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, Estado de Minas, SLMG-Suplemento Literário de Minas Gerais etc., além de inúmeras antologias no Brasil e no exterior. Além disso, mantém ativo um blog (http://www.joaquimbranco.blogspot.com) e dá palestras em universidades.

Recente publicação
No dia 27 de abril, lançou em sua cidade natal o livro “Totem e as vanguardas poéticas dos anos 1960/70”. A obra conta a aventura de rapazes e moças que, nos anos de 1960 e 70, em Cataguases, fizeram um movimento artístico paralelo a outros que aconteceram no mundo e transformaram os costumes e as artes daquele meado de século.
O movimento artístico citado no livro aconteceu na vida real? Como se deu? Sim. A partir da década de 1960 participei de vários movimentos literários de renovação artística como o Concretismo, o Poema-Processo e a Arte Postal, que se estenderam até a década de 80. Foi a época dos movimentos em grupos de autores. Nossa equipe se denominou “Totem”, nome tirado de um jornal entre os vários que editávamos.
Quais mudanças ocorreram devido ao movimento? Com a participação de grupos (como o nosso) do interior do país, a cultura se permitiu descentralizar mais, saindo a cultura daquele posicionamento elitista e irradiador que havia anteriormente. Foi um período de intenso intercâmbio e atuação independente, apesar da censura imposta pela ditadura. A poesia brasileira começou a ter mais atuação e influência até no exterior.
Planos para novas publicações? Sim, tenho tantos projetos que não sei bem qual será o próximo. Publico constantemente em revistas especializadas e jornais.
Para entrar em contato com autor basta escrever para joaquimb@gmail.com. Através do http://www.joaquimbranco.blogspot.com é possível se inscrever para receber informações sobre literatura gratuitamente.
http://www.previ.com.br/portal/page?_pageid=57,2412312&_dad=portal&_schema=PORTAL

3/09/2013

CARTA AOS ASES - 1967




 Martins Mendes, Guilhermino Cesar, Enrique de Resende, Francisco Inácio, Dona Amelinha, Marques Rebelo e Humberto Mauro
 Francisco Peixoto Fº (diretor do Colégio Cataguases) e dona Carmelita Guimarães
 Milton Peixoto (prefeito), Marques, Chico, Enrique Resende, Guilhermino, Mauro; sentados: Acir Vassalo, Ivan Rocha, Simão José Silva, Joaquim Branco, Ronaldo Werneck, Carlos Sérgio, Aurora Novarino, Messias dos Santos, Bebeto Bittencourt e Carlinhos Vasconcelos



12/17/2012

UM CAVALEIRO NA NOITE DE NATAL



(fotomontagem: Natália Tinoco)

Há um escritor que se destaca como pioneiro da caminhada do homem na noite absurda e caótica do século XX: é Franz Kafka, um judeu tcheco incrivelmente genial que nasceu em 1883 e viveu apenas 41 anos. Dele é o conto de Natal que vou comentar hoje, “O Cavaleiro do Balde”(1), escrito no inverno de 1916(2).

Poucos sabem deste relato, e quem nunca leu Kafka pode até esperar por um conto de fadas, só que, com roupagens kafkianas, tudo muda. A aparente simplicidade da escritura de Kafka não encaixa como uma luva no seu tema nervoso e suprarreal; pelo contrário, causa uma instabilidade semântica em quem o lê. No entanto, e positivamente, ele premia o leitor com uma comunicação – embora estranha – essencial a toda a humanidade.

Naquele inverno de 1916, faltara carvão para os moradores dos arredores da rua dos Alquimistas, em Praga, capital da antiga Tchecoslováquia, onde morava o nosso autor. Pode ter sido essa a ambiência que motivou a história. Para nós torna-se difícil até imaginar como o inverno em certas noites na Europa Central é terrível, e como o carvão, naquele tempo, era a salvação contra o gelo que penetrava até no coração das pessoas.

Eis o pano de fundo desse miniconto de pouco mais de uma página: Um pobre homem. Praga. 1916. Uma tenebrosa noite de inverno.

Com um balde na mão, fingindo cavalgá-lo, nosso protagonista chega à porta de um homem que vende carvão, e ensaia um monólogo interior:
“[...] não posso morrer congelado; atrás de mim a estufa impiedosa, à minha frente o céu igualmente sem pena.” “[o carvão] significa para mim o próprio sol no firmamento”.(3)

Seu apelo vem agora em forma de diálogo:
“Por favor, carvoeiro, me dê um pouco de carvão. Meu balde já está tão vazio que posso cavalgar nele. Seja bom. Assim que puder eu pago.”(4)
Embora o carvoeiro não o ouça bem, sua mulher, contrariamente, finge não escutar a súplica do pobre e permanece tricotando à beira da estufa. Mas a insistência é tanta que, a pedido do marido, vai até a porta de entrada, e a ela ele se dirige agora:
“Senhora carvoeira! Respeitosa saudação. Só uma pá de carvão, bem aqui no balde. Eu mesmo o levo para casa. Uma pá do pior carvão. Evidentemente pago tudo, mas não agora, não agora.”(5)

A interferência do Narrador (ou do personagem em discurso indireto livre), que vem agora subsequente à fala do Cavaleiro, é um golpe mortal nas suas pretensões, e vai preparar, como uma armadilha, a negativa da mulher do carvoeiro que viria posteriormente. Assim se estrutura o texto:
“Como as duas palavras ‘Não agora’ parecem um som de sino e como elas se misturam perturbadoramente ao toque do anoitecer que se pode escutar da igreja vizinha!”(6)

Novamente a mulher do carvoeiro se volta para junto da estufa, abandonando o homem lá fora. O carvoeiro agora, porém, ouve os chamamentos, tenta ajudar o homem (que via nele sua única esperança), mas a mulher o impede de todas as maneiras e o convence a ir-se deitar por causa de uma tosse.

Vou buscar nas meditações do diário de Kafka um intervalo para este conto, das quais bem poderia ter derivado sua massa ficcional:
“O verdadeiro caminho passa sobre uma corda que não está estendida no espaço, mas quase ao rés do solo. Parece destinada a fazer tropeçar e não a ser percorrida.
Há dois pecados humanos capitais dos quais derivam todos os outros: a impaciência e a preguiça. Por causa da impaciência, foram expulsos do Paraíso. Por causa da preguiça não regressam lá.” (7)

De volta ao conto, estamos no final, quando o Cavaleiro se desespera num apelo inútil que Kafka traduz por meio de uma linguagem propositadamente infantilizada:
“Você é malvada! Pedi uma pá do pior carvão e você não me deu.”(8)

A derradeira fala do Cavaleiro – tomando as rédeas da narração – interpreta o início de sua nova ‘viagem’, para penetrar definitivamente no território do próprio mistério kafkiano que finaliza a história:
“E com isso ascendo às regiões das montanhas geladas e me perco para nunca mais.”(9)

Referências bibliográficas:
1 Kafka, Franz. O cavaleiro do balde. Trad. Modesto Carone. In: Folha de S.Paulo, São Paulo, 22.10.1995, p. 8.
2 Esse conto foi teatralizado por mim em 1998 e apresentado por alunos de Letras na FIC, em Cataguases, com o título de O Cavaleiro do Sr. K, sob a direção de Carlos Sérgio Bittencourt. A protagonista era a acadêmica Denise Mathias.
3 Kafka, op.cit., p. 8.
4 Ibid..
5 Ibid.
6 Ibid.
7 Idem. Antologia de páginas íntimas. Trad. Alfredo Margarido. Lisboa: Guimaraes Editores, s/d, p. 171.
8 Idem., op. cit., p. 8.
9 Ibid., p. 8.



Sonia Regina Tinoco - efeitos de som.

11/12/2012

CAMPO DE POUSO I (conto)

(desenho de Zeluca - José Lucas Ferraz)

“Às vezes também penso, e imagino, que o que me dá realmente este enjoo constante é o movimento de rotação da Terra.”
“[...] cheguei até à beirada do planeta e olhei pra baixo. Sabes que não tinha nada lá? [...]” (Lecy Delfim Vieira)



KJ-1 tremera ao acordar. Num jato, estava no banho e preferira não pensar. Como se pudesse estar à meia-luz dos fatos e esquecer tudo. Espanejar a memória. Desligar o painel como na vídeo-tela. Escurecer por dentro. Fim.

As cortinas de par em par na torre: abertas agora por um botão. KJ-1 vê a noite, quase refeito. Ele sustenta náuseas de tempos que se acumularam em fatias de bolo. Por isso foi que tremeu, num susto, em lances de sonho.

Esses transportes à outra realidade haveriam de ser sempre mal lembrados. Não dera jeito de se livrar da memória ainda, como também dos sonhos rápidos. Num segundo, vira YU-15, NO-3 e WRE-17, figuras embaçadas de épocas passadas e ruins.

Das alturas da torre em que mora e pela vista magnética aos seus olhos, um grande setor do Campo de Pouso parecia fantástico demais para ser visto. Como o que havia acontecido em sua vida anterior.

Pontos luminosos no horizonte, brilhos de outras torres mais distantes, um jato puro passando, o violeta saído de cores difíceis de se descrever, no ar. Nuvens-flocos mais escuras que claras. Tonalidades no céu, na pré-manhã, noite ainda. Silêncio natural. Focos de luz relanceando vez ou outra.

Ele fora para ali recentemente, mas como diferia de outras eras, esse tempo.
Aquele outro formava um compartimento estanque com espaços marcados e horas definidas.

KJ-1 passara pela colônia de estímulos e fizera primeiro um tratamento de adaptação.
No Campo de Pouso, agora aguardava as reações e partiria para ‘novas tendências’, como haviam previsto os seus iniciadores. Para os técnicos do KRJUYC talvez essa fase de transição e a simples colocação no Campo pudessem levar KJ-1 a um plano melhor, e talvez nada mais fosse necessário, devido ao nível de seus conhecimentos. Havia sido um especialista em ficção científica, um indivíduo sensível.

As alterações na memória levaram, porém, KJ-1 a uma preocupação maior. Depois das técnicas iniciais, aprendera o médium-tônus-ócio. E criara um vazio interior indefinível. Não poderia dizer que fosse bom ou ruim. O certo é que KJ-1 voltara a um estágio pré-cultural e as coisas ficaram distantes e desinteressantes.
Os olhos de KJ-1 não saberiam perguntar mais nada: as torres onde morava fechavam-se numa solidão de régua e compasso.

Há muitos dias que não ligava a vídeo-tela. Não lhe interessavam as notícias, a ludo-arte ou o make-messages. Estava vivendo ainda do mal, ao sabor, no entanto, de uma esteira de tecnologia e lazer, como os demais naquele Campo. Por vários dias, andou lentamente em seu life-room. Os olhos fixos no grande visor da torre.

Agora começara a sentir novamente. Não eram bons sinais para quem viera de lutas psicológicas antigas e pensara estar fora de um tempo-espaço convencional. Por certo não havia lugar mais para angústias e problemas individuais. Isso o assustava ainda.
E internamente KJ-1 já estivera preparando terreno para uma saída dessas, desde que passara a ter contato com o pessoal do Campo de Pouso.

O psicológico só beneficia tiranias mentais – pensara certa vez. Blasfemou para o ar. E o éter lá fora, no nível das torres, parecia diluído e filtrado, como nas galáxias que aprendera a ver na tela, em horas variadas. “Estrelas natimortas”, “a fria constelação do Touro”, tudo lembrava um poema de Faustino. Bahh!!! Velhas ideias.
De repente vê os limites da noite na Terra, em confronto com as imagens pretas de uma visão extraterrena.

E, na vídeo-tela, aos poucos, seu decifrador de ideias traduz, em filamentos, um estranho esboço visual que logo reconhece claramente. Não pode acreditar no que vê.
Então KJ-1 – ao mesmo tempo que parece ensaiar as palavras – codifica o pensamento, e a máquina imediatamente recebe seus impulsos, mostrando no visor as primeiras frases de um longo texto em que se vê mergulhar:

Campo de Pouso, 21 de janeiro de 1974.

11/02/2012

PRIMAVERA INDÍGENA

(desenho de Ariana)


Massacre do sonho guarani.
Mais saques no canto bem aí.

Índio: – Toda a terra era minha.
Fazendeiro: – Eu cheguei primeiro.
Guarani: – Mas eu já tava aqui.
Fazendeiro: – Ri melhor quem ri por último.

Federação Racional do Ímpio – Fundai.

Índio: – Ensinei o branco a tomar banho.
Fazendeiro: – Não penso em coisas de antanho.

Regularização de terras indigentes.

Índio: – Mortes não apuradas.
Fazendeiro: – Sorte não invejada.

Remarcação de preços na reserva.

Índio: – Aqui é a morte coletiva.
Fazendeiro: – Aqui é o corte seletivo.

Comissão de Rejeitos Humanos.

Índio: – Morreremos por nossa terra.
Fazendeiro: – Enterraremos em sua própria serra.


02-11-2012

10/22/2012

CORDEL: UM GÊNERO LITERÁRIO?

(Capa Edna A.W.Gabriel, a partir de xilogravuras de José Francisco Borges)(imagem da capa divulgação)

A literatura de cordel é um gênero popular que conta, em versos, estórias de batalhas, crimes, amores, eventos políticos e sociais, nacionais ou mundiais. Também narra desafios entre cantadores.

Esse tipo de poesia surgiu em Portugal no século XIX, criada e lida por gente da classe média (advogados, professores, militares, padres, médicos, funcionários públicos). Eram livros impressos em papel barato, a preços módicos e pendurados em barbante (daí o nome cordel).

Incluía autos, farsas, contos fantásticos, moralizantes, peças teatrais, hagiografias e aparecia em forma de poesia (verso) ou teatro. Esses livros eram adquiridos por pessoas letradas e lidos para pessoas não-letradas.

No Brasil, a princípio receberam o nome de folhetos, impressos em tipografias, mas depois passaram a ser produzidos em tipografias do próprio poeta (sistema mais prático e econômico) e ganharam a denominação de Cordel.

Entre os iniciadores no Brasil estão Leandro Gomes de Barros (Branca de neve e o soldado guerreiro, Juazeiro, 1978) (Vida e testamento de Cancao de Fogo; S.Paulo, Luzeiro, s.d.) (Peleja de Manoel Riachão com o diabo; S.Paulo, Luzeiro, s.d.), em 1893, e Francisco das Chagas Batista (1902). O período áureo da literatura de cordel foi até os anos de 1920.

A venda dos folhetos era feita pelo Correio ou nas ruas; mais tarde é que passaram aos mercados públicos e comercializados pelos próprios autores ou por agentes revendedores.

Na década de 20 estabeleceram-se as características do cordel:
• 8 a 16 páginas, para as pelejas (ou desafios) e folhetos de circunstância;
• 24 a 56 páginas, para os chamados romances.

Nas suas histórias, ainda que alguns nomes e situações lembrem outras terras – ao falar de príncipes, reis e princesas – a ambientação mostra fazendeiros, peões e moças do sertão nordestino, com nomes e características próprias.

Algumas histórias contêm o mote, tema em forma de verso que é apresentado a um cantador durante uma disputa com outro.

Há também os folhetos de circunstância ou de época, que narram acontecimentos políticos e assombrações; os ABCs – poemas narrativos com as letras do alfabeto; e os romances, as chamadas ´histórias de antigamente´, sem data fixada.

Muitas dessas e outras informações estão em Cordel na sala de aula, de Hélder Pinheiro e Ana Cristina Marinho Lúcio, editado como livro de bolso pela Livraria Duas Cidades. A obra faz parte da coleção Literatura e Ensino e vem cobrir uma lacuna num setor em que as publicações são raras e as informações também.