Um dos temas mais abordados
por Machado de Assis é o da busca da perfeição humana. Vários de seus contos
tratam dessa temática, cada um à sua maneira.
Pois bem, ao ler outro
dia "O destinado", do 2º volume da antologia Relíquias de casa velha (publicado em 1906 e em A Estação, em 1883), lembrei-me
imediatamente de outra narrativa – "Trio em lá menor" (Gazeta de Notícias, 1886, e em Várias histórias, 1895), obra também antológica
do autor.
As duas estórias, ainda
que diferentes no enredo e tudo o mais, caminham juntas.
Em "O
destinado", a protagonista é a moça Delfina e o conto tem a valsa como
fundo musical, pois a cena inicial se dá num baile, que lhe propicia conhecer
dois pretendentes: o bacharel Soares e o bacharel Antunes, com quem dança uma
quadrilha e uma valsa, respectivamente.
A onisciência do
narrador em 3ª pessoa leva as observações e impressões de Delfina para o texto
como se fossem o seu próprio pensamento, quase um discurso indireto livre.
Antunes era um elegante
valsista e tinha "um par de olhos mansos" e "uma linguagem doce,
canora, todas as seduções da conversação" (p. 189). Delfina pendia para
ele. Mas houve uma primeira escorregadela que, pela interferência do narrador,
poderia tornar-se um pecado mortal: uma frase piegas, "que não a ponho
aqui para não desconcertar o estilo" (p. 189), diz o narrador. A moça,
porém, era muito educada e pouco exigente, como acentua ainda o narrador.
Já o bacharel Soares
possuía "um rico par de bigodes" que competiam com os olhos do outro.
Ele tirou-a para dançar, e em dado momento, chamou-lhe "sílfide",
enquanto dava certa pressão no seu corpo.
Ao chegar em casa, os
dois moços não saíam da mente de Delfina. Ora pendia para um, ora para o outro.
Funcionava aí a balança da dúvida machadiana, a procura da perfeição.
Depois de muito pensar,
deixou a escolha para o tempo: "Quando eu menos pensar, disse ela, estou
amando deveras ao escolhido." (p. 192)
Pela manhã, Delfina
percebeu que seu irmão tinha uma visita. Ficou apreensiva. Deveria ser o
Antunes... Constatou que era "um rapaz seco, murcho, acanhado, sem bigodes
nem olhos mansos, com o chapéu nos joelhos, e um ar modesto, quase pedinte. Era
um cliente do jovem advogado." (p. 193)
Machado desromantiza a
heroína, casando-a no final com esse personagem.
Em "Trio em lá
menor", a protagonista Maria Regina dedilha um piano durante toda a
narrativa e sonha com dois rapazes que conheceu fortuitamente, Maciel e Miranda.
Um é jovem, elegante, o outro, mais velho, mais inteligente. Mas ambos que, a princípio
pareciam perfeitos aos seus olhos, vão se mostrando falhos. "Maria Regina
viu dentro de si a estrela dupla e única. Separadas, valiam bastante; juntas,
davam um astro esplêndido. E ela queria o astro esplêndido. Quando abriu os
olhos e viu que o firmamento ficava tão alto, concluiu que a criação era um
livro falho e incorreto, e desesperou".(p. 324)
Pode-se notar que há
muitas semelhanças, não só de temas, entre os dois contos. Deixo, porém, o
desfecho da segunda estória para o leitor que se aventurar a ler o texto
original de Machado de Assis. Assim ganhará muito mais do que lendo essas
apressadas notas.
(Desenho da edição da Edigraf - SP)
(02-01-2014)
3 comentários:
Saborosíssima a resenha. De fato, ambas as narrativas dialogam entre si, e o tema da busca da perfeição surge comum às duas. Meta que se mostra improvável de ser alcançada, conforme se depreende das notas e do desfecho do primeiro escrito.
Achei engraçado o Machado apresentar os bigodes do personagem como um valor estético. Se bem que já ouvi algumas (poucas) mulheres dizerem que apreciam bigodes. A Segunda Revolução Industrial raspou fora a maioria deles. Mas isso já é outra história. Abcs, Ricardo Alfaya.
Obrigado, Ricardo. Também estranhei o fato de Delfina gostar dos bigodes. Isso hoje seria impraticável ou cômico. O Ocidente deixou os bigodes para os árabes e hoje são característica deles.
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