O sonho, a idealização e (por que
não dizer?) a frivolidade dos personagens femininos sempre foram ingredientes
do Romantismo nos séculos XVIII e início do XIX. É só repassar as páginas de
Alencar, Macedo, Bernardo Guimarães – para ficar só no Brasil –, ou folhear os
romances de Alexandre Dumas, Camilo Castelo Branco, Dickens – fora do país – para confirmar
isso.
Aos heróis aventureiros, corajosos,
perfeitos, correspondiam heroínas transpassadas de docilidade, beleza e
ansiosas pelo cavaleiro (ou cavalheiro) gentil e destemido que lhes arrebatasse
a mão.
No Realismo, porém, essa
caracterização feminina 'escorreu' para a frivolidade, funcionando para os escritores como crítica a um status
social que não seria apenas a um posicionamento de inércia diante do mundo
em evolução. A mulher passou a protagonista, e com ela o cultivo de uma personalidade fútil penetrou na temática dos melhores romances
da época como Madame Bovary, Dom Casmurro
e O primo Basílio.
Fútil, leviana, superficial, a
mulher frívola se caracterizou como personagem realista que se coloca no meio da cena ficcional de maneira diferente do que ocorrera entre os românticos.
Batendo firme na moral burguesa, os romancistas realistas, por diversas vezes, mostram a personagem feminina num quadro de traição conjugal e no vazio de um cotidiano repetitivo e sem finalidade; ela que antes já havia sido vítima
de um casamento por conveniência tratado pelos pais com a família do noivo, sem o seu consentimento.
Machado não poderia "passar
batido" sem aproveitar esse modelo da época. Em seus romances,
isso fica evidente na personalidade e no 'comportamento' de Capitu, Virgília e Sofia. E nos contos, é tão costumeira a situação que os exemplos podem ser coletados
facilmente, em meio à crítica à sociedade burguesa.
No conto "O segredo de
Augusta", logo na 2ª página, a protagonista se revela na voz do narrador:
"Augusta vestia com suprema elegância; gastava muito, é verdade; mas
aproveitava bem as enormes despesas, se acaso isso é aproveitá-las"
(ASSIS, 1959, p. 85).
É comum encontrar viúvas bonitas na ficção
machadiana, invariavelmente marcadas pelo caráter frívolo. Mariana é uma delas,
em "Três consequências": "Uma prima levou-a a uma das melhores
modistas. D. Mariana disse-lhe o que queria: – sortir-se de vestidos escuros,
apropriados ao estado de viúva. Escolheu vinte, sendo dois inteiramente pretos,
doze escuros e simples para uso de casa, e seis mais enfeitados. Escolheu
também chapéu noutra casa." (Idem, s.d., p. 208)
Em "O caso do Romualdo",
Carlota e D. Maria eram amigas e costumavam passear pela rua do Ouvidor para
observar o movimento e fazer compras. Esta cena ilustra o tema: "D. Maria
foi vestir-se e daí a pouco saíram ambas. Vieram à rua do Ouvidor, onde não foi
difícil esquecer o assunto, tudo acabou ou ficou adiado. Contribuiu para isso o
baile da véspera; a viúva alcançou finalmente que falassem das impressões
trazidas, falaram por muito tempo, esquecidas do resto, e para não voltar logo
para a casa, foram comprar alguma coisa a uma loja. Que coisa? Nunca se soube
claramente o que foi; há razões para crer que foi um metro de fita, outros
dizem que dois, alguns opinam por uma dúzia de lenços. O único ponto liquidado
é que estiveram na loja até quatro horas. (Idem, s.d., p. 160)
O tempero, porém, usado pelo autor
para chamar a atenção para o tema das mulheres frívolas é visível. Mais uma
vez a ironia bem conduzida por Machado vai direto ao alvo e torna a
expressividade do seu texto tão relevante a ponto de apresentar a
ficção de qualidade mais completa que a literatura brasileira já produziu.
Referências
bibliográficas:
ASSIS,
Machado de. O caso do Romualdo. In:______. Relíquias
de casa velha I. 3 vol. São Paulo: Edigraf, s.d.
______.
O segredo de Augusta. In: ______. Contos
fluminenses I. 3 vol. São Paulo: Clube do livro, 1959.
______.
Três consequências. In: ______. Relíquias
de casa velha II. 3 vol. São Paulo: Edigraf, s.d.igraf, s.d.
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