5/19/2015

Literatura de Cataguases - Meia Pataca 1948/49 - LINA TÂMEGA PEIXOTO




LINA TÂMEGA PEIXOTO

Nascida em Cataguases a 5 de junho de 1931, é
pioneira em Brasília, chegando à Nova Capital em 1958, acompanhando o
marido, arquiteto, que iria trabalhar na construção da cidade. Publicou
Algum Dia (Edições Hipocampo, Rio, 1952) e Entretempo (Editora Record/INL,
Rio, 1984). Em sua terra natal, juntamente com Francisco Marcelo Cabral,
funda a revista Meia Pataca (1948/49). Participa das antologias Poetas de
Brasília
(Editora Dom Bosco, Brasília, 1962) e Antologia dos Poetas de
Brasília
(Coordenada Editora de Brasília, 1971), organizadas por Joanyr de
Oliveira. Diplomou-se em Letras Clássicas e compôs, em 1960, o grupo de
professores que se encarregou de implantar o ensino oficial na capital do
país. Exerceu o magistério, lecionando na Universidade de Brasília e na rede
oficial de ensino do Distrito Federal. Artigos e poemas têm sido publicados
em revistas e jornais do país. Conferencista em instituições culturais e
universidades do Brasil e Portugal. Sobre ela se manifestou Walmir Ayala, no
Jornal do Commércio (Rio, 27.8.63): “Há qualquer coisa de dança, de gesto,
de abandono nestes poemas rigorosos de Lina del Peloso. Trata-se de um poeta
que precisa urgentemente se projetar, aparecer na capital cultural do País,
este Rio de Janeiro imortal. Talvez seja o dom maior deste livro de poetas
exilados em Brasília [Antologia dos Poetas de Brasilia], o de revelar, para
alguns pelo menos, a poesia de Lina del Peloso. Esta poetisa integra-se
desde já, na linha dos melhores do Brasil, com Marly de Oliveira, Lélia
Coelho Frota, Hilda Hilst, Lupe Cotrim Garaude, Celina Ferreira, Renata
Pallottini etc.


Deu-me muito prazer a leitura de seus poemas. Raramente encontramos poesia na poesia que nos mandam, você sabe disto, porque é do ramo. Fui lendo e pensando, por que essa mulher não é mais divulgada? A elegância, a singularidade, a maestria, tudo está ali. Você conheceu Cecilia. Se Mário de Andrade te conhecesse ia se corresponder com você.
Sua relação com as plantas, com a casa (a destruição da cozinha é ótimo), a ressonância medieval, as viagens.
Parabéns, e parafraseando você, li seus poemas numa noite de sábado, eternamente.

Affonso Rpmano de Sant'Anna (2010)



ETÉREA LINA

Entre as possíveis damas da poesia cataguasense há uma prima dona: Lina Tâmega Peixoto.
Não apenas por ser das vozes femininas talvez a primeira cronologicamente, mais muito mais pela significação de seu contributo poético para nossas letras.
Lina fez o curso médio no Colégio Cataguases e, logo após, em 1948, criou, ao lado de Francisco Marcelo Cabral e outros, a revista Meia-Pataca. Naquela época, teve grande atuação dirigindo a publicação e mantendo contato com vários escritores, em especial Marques Rebelo e Cecília Meireles.
Mais tarde, casando-se com José Francisco Del Peloso, com quem teve o filho Marcelo, e transferiu-se para Brasília, onde se tornou professora da Faculdade de Letras da Universidade de Brasília.
Publicou seu primeiro livro Algum dia em 1952 e o segundo Entretempo em 1968, ambos de poesia.
Esta terceira obra continua e aperfeiçoa uma trajetória marcada por intensa sensibilidade transmitida por um natural refinamento da linguagem.
De sua “varanda” literária, situada às vezes em um “pretérito espaço”, Lina Tâmega é a menina que “borda palavras no papel”, e vai “percorrendo as constelações do mundo” que a “entrelaça em ilhas do tempo”.
Sua lira extrai das coisas que vê e a impressionam – principalmente da paisagem que não é um pano de fundo mas um suporte – os elementos concretos com que abstratiza e reelabora o seu material, indo do presente ao passado e daí de volta, como em “A criação do mundo”, em que a poeta parte de uma “coisa insone” para depois ‘construir’: “Coloco dentro de uma rua/ e nela uma casa/ com vidraças na varanda./ Trago um endereço na mão/ e paro defronte à porta,/ mas não posso abri-la.” De repente, está diante da “parede de chumbo da infância.”
A tematização do tempo – recorrente – é sua matéria, “na espessa lembrança/ de um barco que viajava/ preso ao cais do horizonte” onde busca os ancestrais na ”árida terra açoriana”. Ali as imagens ainda mais crescem e “nada escapa do coração/ por mais que o sacuda/ nas grades da varanda”.
Numa excêntrica e imaginosa viagem, a poeta leva o leitor a acompanhá-la aonde quer que sua imaginação conduza, como neste excerto: “Amo minhas imagens/ consagradas nas dádivas do tempo:/ o rio Pomba de Cataguases/ a voar dentro de um sonho alagado/ e se extinguindo em um nome sem asas;/ os músculos da água que distendem Veneza/ as cruzadas ondas do Tejo em Lisboa/ e o Egeu em azul margem de Atenas,/ criados pelo marulhar das lágrimas/ afluentes de minhas lendas.”
Assim, Lina navega e voa por lugares que não se situam em países conhecidos ou distintos por fronteiras: eles pertencem a um mapa onírico, e só podem ser percorridos poeticamente, como nesta insólita geografia que – maravilhados – contemplamos.

Joaquim Branco (2oo5)


Joaquim e Lina em Cataguases.















A LAGARTIXA

Lina Tâmega

Pequena e magrinha, parecia cansada e infeliz.
Alvejada de um branco gelado
era quieta e imóvel como a eternidade
e morava sozinha no rodapé da sala.
Não andava, não falava, não brincava,
nem comia a formiguinha que passeava
perto dela com a trouxa nas costas.
Tinha medo de que a varressem
como um papel amassado e seco,
uma pedrinha esquecida num canto
ou ausência da vida sem a forma.
O mistério fabrica a matéria amorosa
que inventa sapos, galinhas, bois, sabiás,
e inventa também esta lagartixa
como pocinha de leite
bebida pelo sol.
Era uma magratixa
uma tristitixa
até que numa tarde de domingo
engoliu o Paraíso
e ficou gorda e feliz.




Em palestra para a turma de Letras da faculdade de Cataguases.











Flor de Deus. Rocha do Espírito
Lina Tâmega Peixoto

Lá vai Maria levando
o Menino de presente
embrulhado no seu ventre
como tesouro do mundo.

Sombras, medo, desespero
desfalecem no seu Nome
que o mistério do Divino
aguarda seu nascimento
em festiva manjedoura
feita de rugas do vento.

ELE se faz pensamento
em infinito e horizonte
- vivos sussurros de vida-
A imperfeição de quem louva
muda-se em perfeito canto
de esperança e vero amor
que já nasceu o Menino
Flor de Deus. Rocha do Espírito.

(Natal de 2011)



















ENCONTRO

À memória de Manoel Inácio Peixoto

"Tenho agora uma única obsessão: ir ao Açores em busca
das origens" Francisco Inácio Peixoto em carta de 8/4/80

Morei nos Açores por uma semana, eternamente.
A ilha construída
da forma mineral da noite
circunda o ar navegado no oceano.
Nela, desembarquei no cais
de onde o avô havia partido.

Lugares, ancestrais, afeto
são coisas arrebatadas à vida
e corroídas de invenção.
Conta a família, para aumentar o infinito,
a travessia do pai,
ainda menino, cortando sozinho
as vagas de suor e medo
repetidos rumos de começo e fim.

A calçada, acertos de floração vulcânica,
leva à Igreja de Nossa Senhora das Candeias
e me desconcerta ver dormida a luz
nas mãos da santa.
A pia de batismo, manchada de limo,
ainda umida ao toque dos dedos,
embaça a esperada contemplação
- a de vivas cinzas caídas no chão
e a de muito antes, com grinaldas de água
molhando o recém-nascido -
Junto ao altar, um aroma seco rodeia
o jarro de flor.

A viagem descida até o fundo do corpo
desmancha-se em um nome.
Muitas vezes naufraguei
em meus próprios deuses
navegantes de um outro lado do mundo.

Este que procuro desdobra o passado nos retratos
e nas pinturas que seguram as paredes da casa.
Meu pai esculpe o rosto de seu pai
na certeza de que a imagem se assemelha
ao que ficou retido na infância.

Outras lembranças recolhem a visão
das rochas escuras e antigas
entornadas do vulcão.
Enraízam o sol e a seiva das videiras
e brilham com beleza tão intensa
como se guardassem dentro delas
auroras extintas.

Não há ossos.
Só o amor exacerbado pela solidão.
Escrevo a história deste
que vagueia pela Ilha do Pico
a respirar as sombras de sua aldeia
a ser trocada por uma pátria
desenhada de montanhas verdes
e de córregos e rio fechados
em cântaros de poesia e lama.

Deixo a Ilha, como fez o avô,
repetindo, com doçura, o que lá
submete a memória à desordem dos sonhos.
Eu já sou relíquia do acaso
que deixo em um canto da Ilha
ou em uma cidade de Minas.
Cataguases.
















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