CRONOLOGIA DA CRIAÇÃO
Joaquim Branco
Geralmente,
a cronologia numa obra de arte mostra a evolução do trabalho do autor em seus
estágios progressivos.
Numa
sequência de poemas, a existência de datas ainda melhor determina a direção, o
faro e a meta a que ele se propõe. Assim acontece com P. J. Ribeiro que reuniu
suas produções em “Abstrações de um Tigre” (Edição do autor, capa Fernando
Abritta, 1976), dividindo-o em períodos.
O
livro começa com poemas discursivos e semilineares, compondo o que o autor chama
de “Cantares-Pilares” (1962/6). Aí está a matriz poética e a direção de uma
rota:
“O
homem talha a sua palma
a sua calma
a sua
alma.” (p. 19)
Ou
nesse unhappy-end de “Falta de
Liberdade”:
“[...] Mas se um dia calasse
pedia à dama da noite
que me amordaçasse
de açoite e tédio.” (p. 10)
Um
verso-frase situa o poeta no terreno das ideias:
“Não enxergo o bem, nem o mal.
Também não preciso.” (p. 11)
Nesse
primeiro tempo, o tigre rosna, mostra as garras e solta um verbo às vezes
gran-diloquente, às vezes tímido. O poeta em seus exercícios apura um método de
composição para se cristalizar mais tarde em outras paragens. O Boi
transfigurado, dos pastos e das mesas de Minas, na paisagem e na atmosfera
interior:
“Os
filhos do homem achavam bonito: um boi
no
pasto
comendo
capim.
Mas
não sabiam que o boi
tem
filosofia e vida.” (p. 13)
Os pilares
do trabalho são ora a construção sarcástica, clara e livre, ora o riso indireto
do mineiro, conspirando em silêncio, ora o homem preso à terra, à natureza, e o
cunho participante aliado ao veio popular, muito bem explorado.
Na
segunda parte, encontramos o aprofundamento de uma técnica e o desdobramen-to
dos temas do início, deixando ver momentos super-rápidos, em concreções fulminantes.
Abrem-se direções, e são tantas que o leitor precisa parar para se orientar. Leem-se
pequenos achados, pedras de toque, como essa:
“minas
trabalha em silêncio:
MINASMORE.”
(p. 39)
A
brisa mineira da frase, chavão, seguida da colagem minasmore, como urna
dobradiça de palavras de línguas diferentes, levando intencionalmente a uma
arrastada e irônica oralidade, subentendida numa terceira palavra
reveladora.
“Paisagem
em Cartões” (1967/68), o segundo estágio: cartões de visita cheios de
comparações, enigmas, indo do patético à irritação com certos temas que
perturbam a intimidade do poeta. De “O Boi” à “Conquista-Espaço”, o vocábulo é
temperado, escolhido e filtrado para um fim útil e rápido que o impulsiona para
dentro do poema, como agora, quando a palavra “dia” é montada para plataforma
de três outras em identidades fônicas que são mais que simples rimas
tradicionais:
“dia-tarde
dia-parte
dia-marte”
(p. 38)
P. J.
Ribeiro constrói sua terceira fase com poemas-processo sob o título geral de “A
miséria do poema” (1968/76). Miséria que vem da realidade e se impregna ao
poema como um esparadrapo a lembrar o que se vê a toda hora. Como no poema de
conceito de W. Dias Pino: "Quem olha é responsável pelo que vê". E o
poeta é o dono do olhar mais agudo e da consciência mais vigilante, como também
das ferramentas mais sutis. Ele
aperfeiçoa no dia a dia a sua intuição, exigindo de si o melhor e mais
aparelhado material de luta. Não se contenta, hoje, apenas com palavras para
firmar um trabalho. O signo verbal é insuficiente, então ele recorre a outros:
o seu esforço cria novos campos de pesquisa, onde o visual às vezes prepondera,
mas o seu arsenal não tem limites. “Miséria do Poema” se ajusta ao visual com
títulos que conduzem o leitor a pistas para um aproveitamento maior dos
trabalhos: “Altar-ego”, “Pílula: antes e depois”, “Miséria”, “Abecedário”, “Cilada”,
“A questão das S/A”, “Poluição”, “Água Mole em Pedra” etc.
P. J.
Ribeiro, com suas “Abstrações de um Tigre” mostrou como se desenvolveram seus
trabalhos, e armou ao mesmo tempo uma panorâmica quase didática da busca
constante que faz da poesia essa coisa estranha e diferente para todos.
Principalmente para o poeta.
(Jornal do Brasil – caderno Livro 20-03-1977)
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