JOYCE PARA “PRINCIPIANTES”
Parece
estranho associar a obra do maior escritor irlandês do século XX – James Joyce
(1882-1941) – a uma leitura mais acessível ao grande público. Mas, podem crer, isso
já aconteceu para o leitor brasileiro com a republicação de Ulisses (Rio de Janeiro: Editora
Objetiva, 888 páginas, R$79,90), devido à magistral tradução de Bernardina da
Silveira Pinheiro.
Considerado
por muitos críticos como obra máxima da modernidade, o romance Ulisses há anos intriga os leitores pela
impermeabilidade de seu texto complexo, cheio de armadilhas e códigos cifrados,
de collages e cortes abruptos, de
associações rápidas e inusitadas e de um fraseado multilingue.
Sua primeira
tradução no Brasil, feita pelo competente filólogo Antônio Houaiss em 1966, só
fez aumentar sua fama de livro difícil, cuja arquitetura permanecia dificultosa
mesmo para um leitor sofisticado.
O trabalho da
professora Bernardina, porém, trouxe uma surpreendente fluência para o texto
joyceano, além de uma simplicidade que reedita o Joyce bandalho e anedótico que
todos nós gostaríamos de ler e que ficou elíptico no eruditismo e em pequenas diferenças
em relação à primeira tradução.
A revista Veja, em comentário do resenhista
Jerônimo Teixeira, coteja alguns fragmentos das duas traduções, das quais
transcrevemos um
“O dia em que
a peguei na rua pintando as faces para fazê-las coradas.” (A. Houaiss)
“O dia em que
a peguei beliscando as bochechas para torná-las vermelhas.” (Bernardina)
Há fragmentos
em que um realismo muito duro – tipicamente joyceano – se sobrepõe até à
escrita cortada e pontilhada de enigmas criada por Joyce:
“– Você
conhece aquela moça ruiva, a Lily Carlisle?
– Conheço.
– Estava aos
beijos com ele na noite passada no quebra-mar. O pai é podre de rico.
– Ela está de
barriga?
– É melhor
perguntar ao Seymour.
– Seymour um
maldito oficial! – disse Mulligan.
Ele acenou com
a cabeça em sinal de assentimento enquanto tirava a calça e se levantava,
dizendo corriqueiramente:
– As ruivas
copulam como cabras.” (p. 24)
Criado – a
partir do título – com um elo com a Odisseia
de Homero, Ulisses é uma trama moderna
em que um trio de personagens (Leopold e Molly Bloom e Stephen Dedalus) se move
tendo como pano de fundo a cidade de Dublin, na Irlanda, em apenas um dia (16
de junho de 1904) na vida deles. Posteriormente, este dia ficou consagrado como
o Bloomsday (Dia de Bloom), que hoje
é comemorado com festejos em todo o mundo literário.
Habilitem-se,
pois, leitores. Chegou a sua vez de conhecer a obra mais desafiadora do século
que passou, escrita com a marca do talento inconfundível de James Joyce.
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