No meio do mato besouros falantes emitem cochichos. Formigam farelos de falas, confundem e misturam nexos. Estes não são propriamente aqueles animaizinhos de asas noturnas e dura casca que, na ânsia da luz e dos holofotes, rodopiam rodopiam até cair embaixo de sapatos esmagadores.
Seu misterioso ciclo de vida resume a metáfora do destino humano ou o capricho das sensações e a busca de um sentido para as coisas. Os besouros que narram também pintam e bordam na construção de um texto sem paralelismos e rodeios. Sua mágica entra na poesia e sai na prosa, e, quando se pensa que se tornaram líricos, já se vestiram de épicos ou penetraram no drama.
Esses bichinhos ruminam sua fome de dentro da mente humana e dali se veem diante de uma sede que não sacia nunca. Ficam remoendo um grilo que o descuido deixou apanhar, ou dormem sobre o remorso de horas tediosas. São falantes porque o tempo todo falam e ouvem vozes que lhes ensinam coisas, e eles as devolvem ao leitor no seu besourar contínuo.
A maioria dos microtextos do livro de P. J. Ribeiro ("Besouros falantes"), que transcrevemos a seguir, foi escrita na década de 1960, alguns na de 70, poucos na virada do século. Mas todos trazem indelevelmente inscrita na pele a marca da aventura com a linguagem, que faz do homem não o melhor, mas o mais inquieto bicho da natureza.
Transcrevo algumas dessas micronarrativas de P.J.Ribeiro para o leitor continuar a ‘viagem’ que iniciei:
MONTANHAS DE MINAS
Olhe, só depois de passar por certas coisas e de notar esta chuva caindo de mansinho e que só aumenta com o tempo é que finalmente tomo coragem, passo as mãos nos móveis da sala e sinto como estão frios. Então percebo lá fora aquelas montanhas de Minas que continuam caladas estupidamente geladas olhando para mim.
NUM DETERMINADO PAÍS
Num país subdesenvolvido o que vale é ser rico.
Num país subnutrido o que vale é ser bicho.
Num país desenvolvido o que vale é ser mito.
Num país independente o que vale é ser gente.
CLÍNICA
Por favor,
aguarde na recepção.
Pode ser grande
a decepção.
DIAS E NOITES
Dias e noites eu me chego bem pra perto de mim – o sol se distancia e uma luz se apaga – e as perdas qu’eu sinto no peito, contrafeito, mordem-me os sentidos, tolhem-me a vontade.
Noites e dias me pergunto tonto qual o destino dessa vida errante, se pra me encontrar me afasto tanto, se ao me entregar me despedaço antes.
COCEIRA
Coço a cabeça, passo a mão na perna, limpo meu rosto, pego o cigarro, escovo os dentes, sento-me no vaso e só aí sai alguma coisa.
Descarrego sonhos.
DE QUE ME ADIANTA?
De que me adianta ser feliz em Atlanta?
De que me vale ser uma besta em Sales?
O que me impede de ser um cego em Medes?
O que me leva a esconder nas trevas?
DO LADO DE LÁ
Quero ver o que acontece
do lado de lá.
Quero mudar de time
pra me escalar.
Quem puder ouvir essas vozes aproveite; o livro é pequeno, mas a conversa é preciosa. Os besouros não estarão para sempre do lado do homem, a entrar em seus pensamentos para lhe dar ideias...
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