2/08/2012

O CONTO, UMA VALISE DE EMOÇÕES

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Joaquim Branco


O conto – seja ele muito curto ou apenas curto, experimental ou não, ou ainda o simplesmente tradicional conto realista com enredo claro e delineado – apresenta um limite de extensão, a partir do qual será considerado novela. Com tempo e espaço condensados, o contista tem que ser incisivo desde sua introdução, portanto todos os detalhes que vão sendo revelados devem ser observados atentamente pelo leitor com pena de se perder algo que as entrelinhas trazem implícito e que vai ser determinante para o clímax e a realização da história.

Julio Cortazar, no capítulo “Alguns aspectos do conto”, em seu Valise de cronópio (São Paulo: Perspectiva, 1974) mesmo reconhecendo que não há uma receita para se fazer um conto, propõe o que ele chama de “pontos de vista” – elementos que funcionam para formar a estrutura desse gênero literário.

Paralelamente à noção de limitação de páginas, Cortazar lembra, como decorrência disso, a eliminação de todos os elementos gratuitos ou decorativos do seu enredo, e acrescenta que tempo e espaço devem estar “submetidos a uma alta pressão espiritual e formal” (p. 152) para que se produza uma “espécie de abertura, de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento visual ou literário” (p. 152).

Além disso, o ficcionista precisa manter a rédea do tempo e do espaço sob intensa pressão, tanto no que se refere ao enredo quanto à escritura utilizada, sem o que ficaria comprometida a realização do texto como relato ficcional.

Cortazar chega a afirmar que “um conto é ruim quando é escrito sem essa tensão que se deve manifestar desde as primeiras palavras ou desde as primeiras cenas” (p. 152).

A essa intensidade e tensão, alia-se um outro componente: o elemento ‘significativo’ do conto, que, ligado à temática, consiste na escolha de “um acontecimento real ou fictício que possua essa misteriosa propriedade de irradiar alguma coisa para além dele mesmo, de modo que um vulgar episódio doméstico, como ocorre em tantas admiráveis narrativas de uma Katherine Mansfield ou de um Sherwood Anderson, se converta no resumo implacável de uma certa condição humana, ou no símbolo candente de uma ordem social ou histórica” (p. 152-3).

Essa “misteriosa propriedade” – que representa um corte no cotidiano, no trivial, no puramente episódico e epidérmico – é que dá a qualquer narrativa o status de qualidade, de dinamicidade com o tempo e além dele, de cruzamento com o espaço comum dos acontecimentos, para se caracterizar como obra maior destinada a vencer as contingências da própria época em que foi escrita para se tornar um clássico da literatura.

Daí se concluir que não é a escolha do tema propriamente o que vai elevar o conto à categoria de esmero ou de “classicidade”, mas toda uma combinação de condições que presidem a sua elaboração pelo autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORTAZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In:______. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 149.

(*) Este texto é parte de meu próximo livro sobre o minimalismo na literatura, intitulado O conto à meia-luz.

5 comentários:

Anônimo disse...

Quando vejo você falar com tanta propriedade sobre a literautura em geral, percebo como eu gostaria de saber escrever e como escrever...
Escrever é algo que ao praticarmos vai abrindo a nossa cabeça e tomando uma dimensão incomensurável, isso causa uma satisfação extasiante.
Angela Nair

Rita Cabral disse...

Olá, Joaquim.

Não gosto de ser repetitiva, mas no seu caso, não tenho outra alternativa a não ser agradecer agradecer. Vou aproveitar essas informações... Saudade de conversar com você. Bj e tudo de bom. Rita Cabral.

Anônimo disse...

Joaquim,
Vim novamente ler sobre o projeto "O conto à meia-luz". Fico admirando a sua forma de escrever, simples e objetiva. Nota-se a habilidade e maturidade, o texto escorre como as águas de um rio.

Mudei até meus hábitos. Hoje é o primeiro dia da nova fase, estou iniciando um novo capítulo na vida. Ontem, fui dormir mais cedo, abandonei as usuais madrugadas insones. Hoje, acordei bem cedo para ler. Aprendi isso com um interessante poeta que conheci recentemente. A fórmula é fantástica! Li durante 1h, sem interrupções, sem barulhos, sem campainhas ou toques indesejáveis, que só servem para desconcentrar o leitor.

Vivendo e aprendendo.
Eu adorei!...
Angela Nair

Anônimo disse...

É como um porto seguro, que a maré teima em puxar. Cá estou novamente, vim aprender com quem sabe. Obrigada. Angela Nair

Joaquim Branco disse...

Seus comentários mais do que agradam, me orientam neste caminho crítico, tão difícil às vezes. Obrigado pelas palavras. Abraço, JB