2/11/2012

O NASCIMENTO DO ROMANCE



Em 1719 aparecia na velha Inglaterra a 1ª edição do romance Robinson Crusoé, nascido talvez por influência de um caso real: a notícia de um náufrago que, por quatro anos, permanecera sozinho numa ilha da América espanhola. Foi tão grande o sucesso da obra que rapidamente sucederam-se outras edições, e seu autor – Daniel Defoe (1660-1731) – escreveu então uma segunda parte dessas aventuras.


Estava inaugurado um gênero literário que seria conhecido como romance, cujo desenvolvimento se deveu, em parte, ao aprimoramento de uma tecnologia descoberta por Gutemberg no Renascimento: a imprensa.

Haviam se passado muitos séculos antes que uma narrativa de características populares transpusesse os muros de castelos e mosteiros para atingir um público ansioso em se ver retratado num livro – a burguesia. Antes disso, predominavam os discursos morais e religiosos, as estórias fantásticas, ora em forma de épica (poesia) ora do antigo romance (prosa), verdadeiros manuais de preceitos de conduta.

A grandeza do Setecentos aliava ao Iluminismo, ao Enciclopedismo e à Revolução Industrial mais esta novidade: uma modalidade literária que deixava para trás o compromisso exagerado com a verdade e com os princípios da religião, para dar asas – no caso de Defoe – a um homem que vivia de expedientes e experimentou as profissões de comerciante, viajante, político, jornalista e propagandista. Daniel teve nos seus compatriotas Henry Fielding e Laurence Sterne e nos franceses Choderlos de Laclos e Jean-Jacques Rousseau seus ‘companheiros’ na criação do nascente romance, que trouxe as coisas mundanas e os temas cotidianos para a ficção, dando a ela credencial de autonomia em relação à história, à moral, religião etc.

Daí a precaução de Daniel Defoe ao colocar no próprio prefácio do livro palavras com que se escondeu na capa de editor, ao reverenciar os conceitos bíblicos e do bom-senso, para afirmar “uma história verdadeira dos fatos”, “tanto para a diversão como para a instrução do leitor”.

Era a necessidade do ficcional de ganhar (mais do que verossimilhança) foros de verdade, essencial ao "nihil obstat" para sua publicação. E, no caso de um documento escrito, ao menos o pressuposto de o texto já haver passado por trâmites legais-eclesiais, tão comuns naquele tempo.

Não se espante tanto o leitor (que conheceu outros impedimentos como a censura e a ditadura da era moderna), pois corria o século XVIII, época repressiva e ainda inquisitorial e em que o controle do imaginário se fazia intensamente.

Quanto à estória do livro – por demais conhecida e já incorporada ao nosso imaginário –, sabe-se que tornou-se clássica, não tanto pelo foco temático, que mostra o ângulo de um indivíduo entregue a sua própria sorte e que se socorre da reflexão, mas pelo lado da aventura e do perigo por que passa um homem comum que se vê só em uma ilha desconhecida, após se salvar de um naufrágio.

A estória de Robinson Crusoé, além de transformar-se num best-seller mundial na área do entretenimento e da boa literatura para pessoas de todas as idades, garantiu a Daniel Defoe a sua sobrevivência literária como um dos pioneiros da narrativa de ficção que iria se firmar cada vez mais nos séculos seguintes.


ROBINSON CRUSOÉ - Daniel Defoe. Trad. Domingos Demasi. Editora Record – Rio de Janeiro – 2004

ROBINSON CRUSOE - Daniel Defoe. Trad. Celso M. Paciornik. Editora Iluminuras – São Paulo - 2004

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