8/18/2024

ZONA DA MATA: NAS CILADAS DO CAMINHO


Fernando Fiorese

 Conheci os primeiros trabalhos de Fernando Fiorese nos anos 80, ele como participante do grupo D’Lira, de Juiz de Fora. Daí em diante, foi construindo sua obra em prosa e verso ao mesmo tempo que se tornou professor na área de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Bem mais tarde, em 2006 Fernando participou da minha banca de doutorado na UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Foi curto e distante o contato que tivemos, mas o acompanhamento de sua obra sempre esteve mais próximo e mais agora que acabo de ler o seu “Romance dos desenganados do ouro & outras prosas” (Rio de Janeiro: Faria e Silva, 2024,  151 pp.).

Escrito em versos, ora seguindo um metro ora outro, mas sem perder o fio da meada, este romance-poesia nos conta a história da Zona da Mata Mineira – “de língua dura e destravada”, ou “na letra corrida da espingarda” –, da segunda metade do século XIX.

Na busca do ouro que não existia, “no miserê dos lares”, nos “quiprocós que davam em riso”, nas “pendengas dos dares e tomares”, Fiorese vai construindo uma identidade quase perdida nessas Geraes de nossos antepassados.

Há mesmo em toda essa aventura um fio condutor – o jeito, o modo de vida, os costumes de um povo por onde vai passando seu texto algumas vezes mais participante como neste pequeno capítulo em prosa de “Na Livraria Pereira” (p. 104): “E não são os teares e outras máquinas que escravizam o trabalhador, e sim os capitalistas que se assenhoram das obras dos gênios das Ciências Mecânicas, cujos espíritos tratam de mover e mudar a matéria”. (p. 104-105)   

No poema “Totonho Furtado”, vêm enrolados religião, conversa de botequim, brigas de família, para terminar em referência bíblica temperada pelo humor: “Tem cabimento não, tanto escarcéu/ só fiz achar o mote, afinal/ foi tal e qual: QUINZIM MATOU ABEL.” (p. 89)

Em nossos ‘Sertões proibidos’, convivem os ditos populares “aquilo que não se tem, faz-se” como a vida do bandido Antônio que “ganhou fama por pegar qualquer serviço (de menos matar criança, moça e padre)”. Mas o texto poético e crítico também aí comparece: “Dias e noites no mesmo e igual cilício/ de derrubar mata e domar cavalo,/ de caçar pretos e mais tantos bichos.” (p 7)

Fiorese vai traduzindo e poetizando todo o material narrado numa impressionante sucessão de fatos onde “Muita vez é maior verdade a lenda” (p. 11). Como no caso do Capitão Amaral que não queria o casamento da filha com um pretendente desconhecido na região. “Por ele, antes a filha sem marido/ que emprestar o sangue àquele sicrano,/ de quem não tinha as modas nem o molde./ Entanto, Laura cismou que era Antônio/ ou se atirava no Pomba a doidivanas.” (p. 10)

Esses textos são na verdade ‘ciladas do caminho’ e por isso mesmo uma agradável e profícua leitura principalmente para quem conhece ou quer conhecer, por meio da recriação de Fernando Fiorese, este lado das Geraes, muito conhecido como Zona da Mata Mineira. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido Joaquim, agradeço demais a gentileza de dedicar-se à leitura do livro e escrever a respeito. Suas palavras me envaidecem e se fazem motor para continuar. Muito obrigado, Fernando Fiorese