8/02/2024

Com os besouros falantes na pele da linguagem

 Há 21 anos, meu irmão Pedro publicava este livro e se notabilizava com narrativas curtíssimas - seus microcontos de excelente qualidade que o colocaram como dos melhores criadores desse tipo de ficção: 

COM UNS ‘BESOUROS FALANTES’, NA PELE DAS PALAVRAS

Joaquim Branco            

(BESOUROS FALANTES – P. J. RibeiroEdições Totem –  Cataguases - 87 pp.- 2003)

No meio do mato besouros falantes emitem cochichos. Formigam farelos de falas, confundem e misturam nexos. Estes não são propriamente aqueles animaizinhos de asas noturnas e dura casca que, na ânsia da luz e dos holofotes, rodopiam rodopiam até cair embaixo de sapatos esmagadores.

Seu misterioso ciclo de vida resume a metáfora do destino humano ou o capricho das sensações e a busca de um sentido para as coisas. Os besouros que narram também pintam e bordam na construção de um texto sem paralelismos e rodeios. Sua mágica entra na poesia e sai na prosa, e, quando se pensa que se tornaram líricos, já se vestiram de épicos ou penetraram no drama. 

Esses bichinhos ruminam sua fome de dentro da mente humana e dali se veem diante de uma sede que não sacia nunca. Ficam remoendo um grilo que o descuido deixou apanhar, ou dormem sobre o remorso de horas tediosas. São falantes porque o tempo todo falam e ouvem vozes que lhes ensinam coisas, e eles as devolvem ao leitor no seu besourar contínuo. 

A maioria dos microtextos deste livro de P. J. Ribeiro foi escrita na década de 1960, alguns na de 70, poucos na virada do século. Mas todos trazem indelevelmente inscrita na pele a marca da aventura com a linguagem, que faz do homem não o melhor, mas o mais inquieto bicho da natureza.

Transcrevo algumas dessas micronarrativas de P.J.Ribeiro para o leitor continuar a ‘viagem’:

MONTANHAS DE MINAS

Olhe, só depois de passar por certas coisas e de notar esta chuva caindo de mansinho e que só aumenta com o tempo é que finalmente tomo coragem, passo as mãos nos móveis da sala e sinto como estão frios. Então percebo lá fora aquelas montanhas de Minas que continuam caladas estupidamente geladas olhando para mim.


NUM DETERMINADO PAÍS

Num país subdesenvolvido o que vale é ser rico.

Num país subnutrido o que vale é ser bicho.

Num país desenvolvido o que vale é ser mito.

Num país independente o que vale é ser gente.


CLÍNICA

Por favor,

aguarde na recepção.

Pode ser grande

a decepção.


DIAS E NOITES

Dias e noites eu me chego bem pra perto de mim – o sol se distancia e uma luz se apaga – e as perdas qu’eu sinto no peito, contrafeito, mordem-me os sentidos, tolhem-me a vontade.

Noites e dias me pergunto tonto qual o destino dessa vida errante, se pra me encontrar me afasto tanto, se ao me entregar me despedaço antes.


COCEIRA

Coço a cabeça, passo a mão na perna, limpo meu rosto, pego o cigarro, escovo os dentes, sento-me no vaso e só aí sai alguma coisa. 

Descarrego sonhos.


DE QUE ME ADIANTA?

De que me adianta ser feliz em Atlanta?

De que me vale ser uma besta em Sales?

O que me impede de ser um cego em Medes?

O que me leva a esconder nas trevas?


DO LADO DE LÁ

Quero ver o que acontece

do lado de lá.

Quero mudar de time

pra me escalar.


Quem puder ouvir essas vozes aproveite; o livro é pequeno, mas a conversa é preciosa. Os besouros não estarão para sempre do lado do homem, a entrar em seus pensamentos para lhe dar ideias...





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