7/18/2018

NAS VEREDAS DE UM SERTÃO ENCANTADO







Os irmãos Delson e Dalton Gonçalves Ferreira


Nova surpresa nos prepara Dalton Gonçalves Ferreira, com a publicação póstuma de “A saga de Riobaldo”, do seu irmão Delson, saído dessa mina que parece conter muito mais.
Depois da boa revelação do livro de poema “Tempo”, surge outra faceta deste grande escritor e professor Delson Gonçalves Ferreira, que escreve em versos sua interpretação das aventuras do personagem principal do “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.

Com ilustrações de Luis Matuto e projeto gráfico de Bernardo Lessa (editora Frente e Verso Encadernadora), recebo este “A saga de Riobaldo” que vem enriquecer o mundo rosiano com estas 150 páginas de uma bonita edição.
De um fôlego só, o livro – todo em versos, ora regulares ora não – traduz uma leitura crítica e criativa sobre a obra de Guimarães Rosa, tendo por base o texto do romance que representa o pensamento de seu protagonista Riobaldo Tatarana.

São muito interessantes os itens que precedem “A saga” de Delson Gonçalves Ferreira. Começa com os bilhetes recebidos pelo irmão Dalton sobre a obra. A seguir, vem “Um certo João”, uma visão poetizada de João Guimarães Rosa. Mais surpreendente ainda são as “Instruções” em número de 10 que “orientam” o leitor antes da leitura. Vou transcrever algumas:
I.O leitor lê e recria o poema.
II. Pontuação: o mínimo possível. Cada um coloque a sua.
IV. A poesia mora no texto, no contexto ou em qualquer lugar.
V. Todo poema é uma mensagem. Toda leitura é uma ultrapassagem.
VII. O que se diz é uma semente: tem que ter semeadura para dar colheita.
IX. O poema só existe por conta do autor e do leitor. (p. 12-13)

O texto do poema, em si, é escrito em versos curtos, alguns se alongando mais, sempre à procura de uma linguagem mais popular para o leitor, sem fugir do espírito do texto rosiano. Como aqui, ao falar do amor a Diadorim: “Aquele amor/ só desejo/ espinho/ e dor/ não foi de jeito. (p. 30) “(...) era uma linda mulher./ Descanse em paz/ dos homens/ e de Deus...” (p. 31-32). Há referências a todas as mulheres descritas pelo vaqueiro: a mãe Bigri e as paixões: Maria da Luz, Hortência, Diadorim, Nhorinhá, Rosa’uarda, Otacília... Após as recordações, e com elas, descrições aprofundam o pensamento: “No mundo/ cabe mundo/ de tanto recordar. (p. 88) Meus ais!/ Em bandos/ ou debandadas/ voltam alvoroçadas/ como aves voando/ as minhas recordações.” (p. 32)

Reflexões sobre o mundo passam do romance para a poesia do Delson, assim: “No mundo/ cabe mundo/de tanto recordar./ Mire e veja!/ Veredas/ buritis/ buritizais/ deste sertão...” (p. 88) Muitas vezes, mais trabalhadas poeticamente: “Veredas/ merejando/ molhando/ corpo e alma/ da gente.” (p. 89)

Definições do sertão, como era costume em Guimarães Rosa: “Sertão tem antes/ durante/ e depois.../ Ultrapassei./ Parei.” (p. 98) Aqui também: “No geral/ como vemos/ este mundo/ é muito misturado/ de bem e mal./ E ainda/ de mais ou menos./ Lado a lado/ o limpo e o imundo/ o raso e o profundo/ para homem navegar.” (p. 103)

A dúvida sobre a vida e a morte, e o que virá depois, são tópicos presentes em ambos os livros, mas sem perder a originalidade na obra analisada: “Um dia/ não sei a hora/ pode ser até agora/ chega a morte./ É mais fácil morrer/ do que viver./ Vou-me embora/ para o lado de lá./ Para ver/ o que há.” (p. 105)

Saudamos daqui a oportunidade que um irmão dá ao outro de levar sua obra ao público por meio de uma publicação que também traduz uma homenagem de um talentoso poeta a outro que, na literatura moderna, tornou-se um gigante de prodigiosa imaginação.

(18-07-2018)



Guimarães Rosa em foto solarizada

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