6/14/2018

SOBRE CERTA CANÇÃO EM LENINGRADO





Já comentei aqui sobre a incrível viagem de Francisco Inácio Peixoto à Rússia em 1955. Dali resultou um livro de viagem intitulado "Passaporte Proibido".
Nele, às páginas 120 e 121, consta um poema de ocasião feito pelo autor, quando de sua passagem por Leningrado. Ali ele presenciou a dança de uma bailarina que o impressionou muito, motivando-o a escrever o poema "Cançãozinha para Gala Edelman", sobre o qual teço algumas considerações.
A utilização precisa dos fonemas em "a", que marcam o início do texto, produz uma espécie de "claridade" bem própria das noites geladas da Europa Oriental, que se alternam com os "iis" a pontilhar os passos da bailarina.
Seguindo a linha poética do texto do livro (embora escrito em prosa), este poema é marcado por sonoridades modernas, por um perfeito equilíbrio sintático, a dose certa na escolha morfológica. Mais ainda, outra resultante é um certo movimento dos versos que parece ser conduzido pela dança de Gala Edelman.
O estilo é leve e demonstra o tempo todo a busca da temática da paz que impressionou o poeta em toda a sua excursão pela Rússia. A arte de Gala aponta para os pontos cardiais onde poderia se localizar um futuro tão incerto naquela época como o é agora.
No fecho do poema, o poeta dá um tratamento cruzado às expressões "Pomba da Paz" e "Estrela do Norte", através de uma transposição que aumenta. para o leitor, o poder sugestivo para o objetivo e o tratamento do tema que ele criou. E, mais uma vez, ele o fez magnificamente bem:

CANÇÃOZINHA PARA GALA EDELMAN

Gala dança
dança e sorri
na noite branca
de Leningrado.

Que fazes, Gala,
de teu corpo infante
na noite branca
de Leningrado?

Tu o atiras
pela rosa-dos-ventos;
um pouco ao norte
(Norte, Estrela!)
um pouco ao sul.
O resto roubo-os,
que pertencem a mim.
(Tão pura és, tão linda, tão clara
que não distribuis desejos
mas esperanças).
Fico com as mãos
que estas, sim,
espalham messes.

Fico com os olhos
que tingem de azul
(de branco, de branco!)
tudo o que é áspero.

Fico com a graça
de Gala em flor
a quem elejo
do norte, pomba
Estrela da Paz.

A propósito, no nosso suplemento SLD (nos anos de 1960), o poeta Aquiles Branco bolou uma versão gráfica do poema que vale a pena transcrever:




2 comentários:

Unknown disse...

Em muito nossa cultura se deve à este homem. Deixou-nos enorme legado que os munícipes não sabem estimar, os poucos que sabem entendem o quanto se perdeu no tempo que deveria endossar sua visão de futuro e eternização do ser pela obra, uma das formas materiais de se estar presente quando já se tem partido.
O pouco de atividade cultural que nos resta hoje, é usurpada pelos descontos no ICMS!

Joaquim Branco disse...

Verdade, Braz. Eis aí um grande cataguasense.