8/19/2007

PRÓ-TEXTO




Não me abandonarei à fadiga, lançar-me-ei inteiramente na minha novela, ainda que tenha de me cortar no rosto (Franz Kafka)






Texto viu o mar de interjeições à sua frente, e suas letras pulsaram.

Rodeou então e deu de ombros.

Quando é que seria afinal um sujeito sem perspectivas, livre de tudo isso?

Texto queria ser ele mesmo. As palavras dentro do corpo, guardadas, mas os pensamentos dos outros só faziam usar o seu material. Abusando, quebrando palavras, cortando frases, eclipsando verbos, com essas idéias malucas na cabeça, sem construções próprias.

Achava que cada um deveria ter o seu texto, já que de metáforas e símbolos todo mundo podia dispor à vontade. Com isso, seu material estourava sempre, precisava de remendos. Fundia, então, novas locuções ou reconstruía velhas formas, nada adiantava. Texto servia aos outros.

Essas orações sovadas para antigos discurseiros o chateavam mais que tudo. Memorandos e cartas, também. A burocracia procurava utilizá-lo a todo momento.

As novidades literárias é que já eram em menor número: felizmente alguns se cansavam dele; eles queriam fazer filmes, televisão, rádio, novas fórmulas.

Texto ficava aflito ainda com a disposição da maioria em utilizá-lo em histórias intermináveis. Volumes maçudos numa prosa cansativa, com as mesmas palavras, ou estudos e ensaios em mero blá-blá-blá. Poesias aguadas, ficção repetitiva.

Texto sondou suas dúvidas, pensou mais uma vez e substantivou-se. Depois fez-se verbo, e do verbo à carne foi um pulo.

Era um homem. Sentia-se bem assim. Não tinha história, nem tempo. Pronomes e advérbios cresciam à sua frente.

Passava por eles calmamente e de todos os lados eles eram agora enormes edifícios.

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