Dali resultou um livro intitulado "Passaporte Proibido", publicado em 1956, o melhor texto de viagem que eu já li.
Nele, às páginas 120 e 121, consta um poema de ocasião feito pelo autor, quando de sua passagem por Leningrado. Ali ele presenciou a dança de uma bailarina que o impressionou muito, motivando-o a escrever o poema "Cançãozinha para Gala Edelman", sobre o qual teço algumas considerações.
O poema é realmente uma canção tal a musicalidade que dele emana, e a temática que se revela na leitura é a Paz Mundial, tendo sido criado na época da Guerra Fria, quando os Estados Unidos e a União Soviética (hoje, Rússia) “dividiam” o mundo em dois: o lado ocidental (EUA) e o lado oriental (Rússia), após o final da II Guerra Mundial em 1942 contra os nazistas da Alemanha.
Seguindo a linha poética do livro, este poema é marcado por sonoridades modernas, por um perfeito equilíbrio sintático e por uma boa escolha morfológica.
Outra resultante é um certo movimento dos versos que parece ser conduzido pela dança de Gala Edelman, cuja evolução e leveza ela projeta nas direções geográficas que vai tomando em seu balé.
A utilização precisa dos fonemas em "a", que marcam o início do texto, produz uma espécie de "claridade" bem própria das noites geladas da Europa Oriental, que se alternam com os "iis" a pontilhar os passos da bailarina.
O estilo é leve e demonstra o tempo todo a busca da temática da paz que impressionou o poeta em toda a sua excursão pela Rússia. A arte de Gala aponta para os pontos cardiais onde poderia se localizar um futuro tão incerto naquela época como o é agora.
No fecho do poema, o poeta dá um tratamento cruzado às expressões "Pomba da Paz" e "Estrela do Norte", através de uma transposição que aumenta, para o leitor, o poder sugestivo para o objetivo e o tratamento do tema que ele criou.
Essa figura de linguagem – a Hipálage – mostra como a interpenetração das expressões desfaz o conhecido lugar-comum para resultar em “Pomba do Norte” e “Estrela da Paz”.
Trata-se, pois, de um apelo poético-emocional muito bem representado no sentido da construção da paz e da harmonia entre as nações que estavam se “bicando” em provocações que poderiam ser o princípio de um novo conflito mundial a se esboçar na época.
(14-06-2018 e 28-06-2025)
CANÇÃOZINHA PARA GALA EDELMAN
Gala dança
dança e sorri
na noite branca
de Leningrado.
Que fazes, Gala,
de teu corpo infante
na noite branca
de Leningrado?
Tu o atiras
pela rosa-dos-ventos;
um pouco ao norte
(Norte, Estrela!)
um pouco ao sul.
O resto roubo-os,
que pertencem a mim.
(Tão pura és, tão linda, tão clara
que não distribuis desejos
mas esperanças).
Fico com as mãos
que estas, sim,
espalham messes.
Fico com os olhos
que tingem de azul
(de branco, de branco!)
tudo o que é áspero.
Fico com a graça
de Gala em flor
a quem elejo
do Norte, Pomba
Estrela da Paz.
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A propósito, no nosso suplemento SLD (nos anos de 1960), o poeta Aquiles Branco bolou uma versão gráfica do poema que vale a pena transcrever: