8/18/2025

UMA CERTA CANÇÃO EM LENINGRADO

  Já fiz alguns comentários sobre a incrível viagem de Francisco Inácio Peixoto e sua mulher Amelinha à Rússia em 1955. 

 Dali resultou um livro intitulado "Passaporte Proibido", publicado em 1956, o melhor texto de viagem que eu já li. Nele, às páginas 120 e 121, consta um poema de ocasião feito pelo autor, quando de sua passagem por Leningrado. Ali ele presenciou a dança de uma bailarina que o impressionou muito, motivando-o a escrever o poema "Cançãozinha para Gala Edelman", sobre o qual teço algumas considerações. 

 O poema é realmente uma canção tal a musicalidade que dele emana, e a temática que se revela na leitura é a Paz Mundial, tendo sido criado na época da Guerra Fria, quando os Estados Unidos e a União Soviética (hoje, Rússia) “dividiam” o mundo em dois: o lado ocidental (EUA) e o lado oriental (Rússia), após o final da II Guerra Mundial em 1942 contra os nazistas da Alemanha. 

 Seguindo a linha poética do livro, este poema é marcado por sonoridades modernas, por um perfeito equilíbrio sintático e por uma boa escolha morfológica. 

 Outra resultante é um certo movimento dos versos que parece ser conduzido pela dança de Gala Edelman, cuja evolução e leveza ela projeta nas direções geográficas que vai tomando em seu balé. 

  A utilização precisa dos fonemas em "a", que marcam o início do texto, produz uma espécie de "claridade" bem própria das noites geladas da Europa Oriental, que se alternam com os "iis" a pontilhar os passos da bailarina. 

 O estilo é leve e demonstra o tempo todo a busca da temática da paz que impressionou o poeta em toda a sua excursão pela Rússia. A arte de Gala aponta para os pontos cardiais onde poderia se localizar um futuro tão incerto naquela época como o é agora. 

 No fecho do poema, o poeta dá um tratamento cruzado às expressões "Pomba da Paz" e "Estrela do Norte", através de uma transposição que aumenta, para o leitor, o poder sugestivo para o objetivo e o tratamento do tema que ele criou. 

  Essa figura de linguagem – a Hipálage – mostra como a interpenetração das expressões desfaz o conhecido lugar-comum para resultar em “Pomba do Norte” e “Estrela da Paz”. 

 Trata-se, pois, de um apelo poético-emocional muito bem representado no sentido da construção da paz e da harmonia entre as nações que estavam se “bicando” em provocações que poderiam ser o princípio de um novo conflito mundial a se esboçar na época.

 (14-06-2018 e 28-06-2025)


 CANÇÃOZINHA PARA GALA EDELMAN 

 Gala dança 

dança e sorri 

na noite branca 

de Leningrado. 

 Que fazes, Gala, 

de teu corpo infante 

na noite branca 

de Leningrado? 

Tu o atiras 

pela rosa-dos-ventos; 

um pouco ao norte 

(Norte, Estrela!) 

um pouco ao sul. 

O resto roubo-os, 

que pertencem a mim. 

(Tão pura és, tão linda, tão clara 

que não distribuis desejos 

mas esperanças). 

Fico com as mãos 

que estas, sim,

espalham messes. 

Fico com os olhos 

que tingem de azul
 
(de branco, de branco!) 

tudo o que é áspero. 

Fico com a graça 

de Gala em flor 

a quem elejo 

do Norte, Pomba 

Estrela da Paz. 


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 A propósito, no nosso suplemento SLD (nos anos de 1960), o poeta Aquiles Branco bolou uma versão gráfica do poema que vale a pena transcrever:

 

8/09/2025

POEMA DE JOAQUIM BRANCO

]

"DEFESA DA POESIA"


  Que fazer diante de um título desse? A um poeta cabe aceitar e pronto. A outros, haverá poucas exceções.
 
  Mas o interessante é que este livro foi escrito em 1580, portanto em pleno Renascimento europeu e sua motivação foi o clima negativo – pasmem! – em relação à poesia, embora a Europa estivesse preparando um século de grandes nomes em termos de literatura poética, não fora a presença de Shakespeare, Camões, Cervantes e outros.
 
  Escrito por Philip Sidney (1554-1585) – um inglês do condado da Kent que teve estudos universitários e foi um viajante contumaz pela Europa – “Defesa da Poesia” vai buscar no seu tempo e na antiguidade grega conceitos e formas de encarar o tema. A tradução é do professor e crítico Roberto Acízelo de Souza, S. Paulo: Editora Filocalia, 2019, 102 p. 

  É nessa frente que o autor “põe a coroa de louros no poeta, como vitorioso não só sobre o historiador, mas também sobre o filósofo, não obstante o quanto possa a poesia ser questionada como ensino.” (p. 49)
 
  Afirmando que “o poeta, com a mesma mão de deleites, realmente atrai a mente com mais eficácia do que o faz qualquer arte” (p. 52), Sidney discorre sobre as várias formas de poemas. Os que misturam prosa e verso ou temas heróicos e pastoris. E é nesses últimos que constata que desvalorizam a pobre flauta, que retrata os problemas do povo ou a bem-aventurança. Ou quando Dario e Alexandre o grande disputavam a primazia como chefes guerreiros. 

  Fala também da elegia que denota a bondade e as virtudes das pessoas e as boas causas como retratou Heráclito. De outro lado, o poema iâmbico que rejeita a maldade humana ou o satírico ou o cômico, com temas que o próprio nome indica. E finalmente o heróico e o lírico com suas louvações aos grandes feitos e aos casos amorosos.
 
  Termino com a saudação à poesia, que, segundo Sidney, é a mais antiga criação do homem e que sendo universal é cultivada por todos, destacando que “somente o poeta produz o seu próprio elemento, e realmente não depreende um conceito da matéria, mas faz a matéria para um conceito;” (p. 57-58) 

  E, retirando outro fragmento do livro, podemos dizer que ”sua finalidade última é conduzir-nos e atrair-nos para a perfeição tão alta quanto comportam nossas almas degeneradas, feitas piores por suas moradas de barro.” (p. 39)