5/30/2025

DEPOIS DOS NOMES


A narrativa ficcional de Carolina Valverde intitulada «Antes do Nome» (Belo Horizonte: Cas’a, 2023) nos brinda com o protagonismo feminino de vinte e dois personagens nomeadas – de Carla a Aurora – em que cada uma dá título a um conto. 

Logo na primeira página uma epígrafe de Clarice Lispector poderia nos nortear para uma influência direta da grande autora, mas isso passa muito de leve pela atmosfera e construção do texto e marca esse trabalho da nova ficcionista. 

O texto como um todo apresenta característica formal que consiste na utilização de parágrafos grandes e compactos, variando algumas peças para o uso de minúsculas no início das frases como a indicar quase um monólogo interior dentro da narrativa global. 

 Destacamos como melhores peças: «Lourdes», «Do Carmo», «Carmen», «Helena», «Ivone» e «Leonor», pela consistência do texto. 
O reforço da metalinguagem favorece a criatividade em: 

 “Os dias dela eram assim. Torcia para chover, porque, quando isso acontecia, tinha que ficar dentro de casa para não molhar as palavras.” (p. 11)(“Carla”) 

Também em “Clarice”, há a mesma simbiose protagonista-narradora: 

“E o livro em seu corpo. Ficava lá imaginando as curvas que as frases deveriam fazer antes de chegar às páginas dos livros. Queria compreender aquele universo de labirintos que, quando lido, fazia que ela se encontrasse fora do caos de sua própria mente.” (p. 18) (“Clarice”) 

No diálogo entre a senhora e a cuidadora, o perfil desta transparece na escolha das palavras: 

 [...] ela não me escuta nada quando o assunto é ela! E ainda por cima pensa que não tenho andado muito lúcida. Ela diz assim: hoje a senhora não acordou nítida.” (p. 84)(“Lourdes”) 

Ou quando dona Celeste conversa mais uma vez com Lourdes: 

"– Dona Celeste, cheguei! Meu Deus! Me desculpe o atraso. [...] Mas...Dona Celeste, cadê a pessoa com quem a senhora estava conversando? – Preocupa não, menina Só estava pensando alto mesmo. Às vezes a saudade entorpece. (p. 94-95) (“Lourdes”) 

Assim nos parece o livro de Carolina Valverde: boas estórias, domínio do texto e uma estreia auspiciosa da autora. O que de melhor poderíamos dizer? 


 (30-05-2025)

5/03/2025

 

Joaquim Branco, um repórter poético

in "revista caliban" – maio 2025

Fernando Fiorese

Em tão breves linhas, não arriscaria sequer um resumo da trajetória de Joaquim Branco, iniciada em livro com Concreções da fala (1969). Confio ao leitor a tarefa de percorrer os bem mais de 50 anos da obra deste poeta, crítico, professor e pesquisador, na qual opera sempre em diálogo com as vanguardas dos anos 1950–60 (Poesia Concreta e Poema-Processo), mas sem nunca dobrar-se a qualquer servidão a ponto de denegar a tradição e dar por “encerrado o ciclo histórico do verso”*.




Além da óbvia madureza técnica nos muitos engenhos de sua oficina poética, em Zona de conflito encontramos um autor por demais atento aos acontecimentos e às coisas do mundo. Tal qual um repórter a registrar as nossas muitas mazelas — com o cúmulo das quais os diários do planeta tratam de nos dessensibilizar –, Joaquim Branco emprega todo um aparato verbivocovisual para ressensibilizar corações e mentes.

Assim é que o poeta, o olho armado de economia sígnica, repertório plural de saberes e referências e exemplar aparato gráfico-visual, se faz repórter fotográfico e produz instantâneos das nossas desditas domésticas e das catástrofes mundiais. São imagens críticas que não poupam a desigualdade social sistêmica de cada dia, as desrazões da política, as barbáries do liberalismo econômico e a indigência da sociedade de consumo, como se observa nos poemas “A mão invisível” e “Homo quotidianus”, aqui reproduzidos. No registro fanopaico dos acontecimentos da história imediata, à revelia do poeta (bem como do jornalista), muita vez e súbito uma imagem se torna caduca por conta de nefastos acasos do tempo, como se dá com “Bye, bye, trumpismo!!!” (p. 34), datado de 03.11.2020, poema que desejo atual o mais breve possível.

Também o verbo indignado e crítico de um repórter nada imparcial dedica-se a descarnar em redondilho menor os fascismos mais prosaicos (“Imitatio”, p. 68), a descontruir os simulacros deletérios das redes sociais (“De como aceitar um facebooker”, p. 41), a rubricar com realismo cru tanto o horror das migrações contemporâneas quanto os crimes ambientais nada culposos (“MG: socorro”, p. 79).

Mas nesta “zona”, o conflito de fundo se dá entre objetividade e subjetividade. E nas vezes em que esta última exsurge, o repórter muda em cronista, um cronista lírico que oferta ao leitor o “refresco” da beleza e do afeto, como em “Última flor” (p. 127) e “Meninez” (p. 77–78):

Fui lá tirá-la do colo

da infância

para mostrar o avesso

do pesadelo

– a noite estrelada,

o travesseiro de pelos

macios onde encostar

a cabeça de zelos.

 

* Tal propugnava o “Plano-piloto para Poesia Concreta”.

Referências:

BRANCO, Joaquim. Zona de conflito. Cataguases: Ed. do autor, 2023, 130 p.

CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Plano-piloto para Poesia Concreta. In: TELES, Gilberto Mendonça (org.). Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.