7/15/2019

UM DISCURSO ATRAVÉS DOS TEMPOS




(Imagem de anarquista.net)


Receber um livro de presente é um fato por demais agradável. Pois foi o que os Correios trouxeram para mim enviado pela professora Maria Inez Caixeta. Uma surpresa e tanto, pois não conhecia o autor deste pequeno volume intitulado “Discurso da servidão voluntária” (São Paulo: Editora Martin Claret, edição bilingue, 2009). O francês Étionne de la Boétie o escreveu aos 18 anos, em pleno século XVI, no Renascimento, portanto o livro me chega como leitor com mais de quatro séculos de atraso.
Mas importa mais a atualidade de seu tema e a felicidade de sua abordagem feita numa linguagem fluida e acessível como não é tão comum aos livros de filosofia. O livro fala da liberdade, dos tiranos e da servidão e especialmente dos segredos de como se realiza a aceitação de se ser um servo, e mais do que isso de como se pode resistir a essa opressão, sem o uso da violência.
Contemporâneo de Montaigne e seu grande amigo, La Boétie participou do movimento Humanista do Quinhentismo, como Erasmo de Roterdã, Maquiavel e Thomas More. Nasceu em 1513, na França, de família rica e teve seus estudos superiores na Universidade de Orleãs.
Nas suas primeiras páginas, o discurso de Boétie se espanta de como “um milhão de homens” se rendem a um jugo, “enfeitiçado somente pelo nome de quem não deveriam temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel com todos” (p. 24)
E em algumas páginas à frente: “Não é preciso nem derrubar esse tirano. Ele se destrói sozinho, se o país não consentir com sua servidão”. (p. 28) Mas como fazer isso?, pode-se perguntar, e o autor responde: “...basta não lhes dar nada e não lhes obedecer, sem combatê-los ou atacá-los, e eles ficam nus e são derrotados, e não são mais nada, assim como o ramo que, não tendo mais sumo nem alimento em sua raiz, seca e morre.” (p. 29)
La Boétie, a seguir, faz a apologia da liberdade e afirma que, com a sua perda, “todos os males sobrevêm e sem ela todos outros bens, corrompidos pela servidão, perdem inteiramente o gosto e o sabor”. (p. 29)
Aquele que nos oprime, no fundo, se assemelha a nós, diferindo apenas pelos meios que nós mesmos lhe conferimos para nos escravizar”. E acrescenta: “Como se atrevem a atacar-vos, se não tivesse vossa conivência.” (p. 30)
Divide os tiranos em três categorias: os que ascendem pelo voto, pela força das armas ou pela hereditariedade. Os primeiros veem o povo como touros, que precisam ser domados; os segundos como presas; e os sucessores dos tronos, como escravos.
O autor chega enfim ao centro de sua tese: o hábito como razão da servidão voluntária. O exemplo dos cavalos é ilustrativo. Quando “amansados”, a princípio se revoltam, mordem os freios, mas aos poucos aceitam passivamente os arreios e a montaria. Os homens de certo modo são parecidos, pensam que devem aguentar o sofrimento, mas alguns não se conformam e anseiam pela liberdade.
Por outro lado, “o povo ignorante [...] entrega-se com paixão ao prazer que não pode receber honestamente e é insensível à dor que não pode suportar sem se aviltar”. (p. 48). E todos os meios utilizados para manter a população dominada “só é utilizada por eles [os tiranos] entre o povo miúdo e grosseiro”. (p. 53)
Vale transcrever as palavras quase finais do livro: “Certamente o tirano nunca ama e nunca é amado. A amizade é um sentimento sagrado, uma coisa santa. Só existe entre pessoas de bem. [...] Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, mas se temem. Não são amigos, mas cúmplices.” (p. 61)

(15-07-2019)





2 comentários:

figbatera disse...

Certeiro e atualíssimo!

Joaquim Branco disse...

Obrigado, Olney. Grande abraço, jb