11/09/2016

GUERRA E PAZ


Joaquim Branco


Hoje (7/11/2016), na Inglaterra, no Canadá e em alguns outros países, é o Dia do Ressurgimento no qual se comemora o término das grandes guerras na Europa. Como simbologia para o evento, tanto homens quanto mulheres usam papoulas na lapela.
Republico aqui "Um canto na noite", de Henrique Silveira (1919-1943), poeta que viveu em Cataguases no século passado, e sobre o qual faço algumas considerações críticas, Observem como as papoulas (ou papoilas) fazem parte sugestiva do poema para montar o "ambiente" que Silveira tão bem descreveu:


UM CANTO NA NOITE
Henrique Silveira

Um canto chegou
lá de onde floresciam as papoilas...
Chegou com a noite, mas não é da noite.
Veio dos campos de luta molhados de sangue,
veio do chão pisado de máquinas.
Veio das crateras e passou pelos corpos inertes.
Saiu de dentro das trincheiras de ninguém
e rompeu o silêncio,
o silêncio que estava perto de tudo
em toda extensão.
Chegou um canto como de pássaros chumbados.
Chegou flocado de vozes,
de vozes perdidas e de vozes lívidas
e de vozes à procura de Deus.
Quem ouve comigo este canto na noite!?

O poeta Henrique Ignacio da Silveira (1919-1943) viveu sua aventura literária na década de 1930 e início de 40, em Cataguases, no entreato do finalzinho do Modernismo, tendo produzido um tipo de trabalho mesclado de poemas curtos e introspectivos.
Um solitário, sem grandes ousadias, construiu pequena obra que está sintetizada no livro "Poemas desta guerra", publicado pós-morte em 1979, numa antologia selecionada e organizada por mim, após uma pesquisa em que suprimi apenas poucas peças.
Suas temáticas circulam ora pelo alto grau de subjetivismo, ora pela interferência nas coisas do mundo como as guerras, as doenças e os amores.
O poema "Um canto na noite", por si só, nos dá a dimensão deste autor cataguasense cujo senso poético-musical é reforçado por sua capacidade de criação e de domínio do texto literário.
O tema da II Guerra Mundial, que se passava justamente no auge do amadurecimento do poeta (final da década de 1930), é abordado aqui com uma força e uma singeleza pouco comuns.
Em todo o texto, o poeta entoa um canto seu, mas que vem de terras distantes: de onde nascem as "papoilas", de campos "molhados de sangue", e "pisado de máquinas", e fala de trincheiras e do silêncio mortal dos "corpos inertes". Verso a verso, ele parece ensaiar um canto para o leitor chegar a esse tempo (que é o seu) e a esse lugar distante (e próximo) de nós, para que se mostre – como ele – solidário a tanto sofrimento – o das guerras.
Percebem-se, na penúltima estrofe, as metáforas carregadas do peso e da sombra da guerra: o canto de "pássaros chumbados", "flocado de vozes", apertado logo em seguida pelos "iis" de "vozes perdidas e de vozes lívidas" que afinam o discurso poético para, em seguida, abrir e se multiplicar nas vozes "à procura de Deus".
Sua sensibilidade poética pode ser reconhecida na dicção perfeita propiciada pela escolha das palavras, tocadas por um ritmo que vai num crescendo e termina com um estranho lamento, como a buscar na interrogativa final a cumplicidade do Outro.

(Henrique Silveira em desenho de Iannini, 1943)

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