10/10/2012

AFFONSO ÁVILA E O SENTIMENTO DO MUNDO




Hoje recebi a notícia do falecimento do maior poeta mineiro da atualidade: Affonso Ávila.

Um tímido, um esquivo que “nunca adulou a Dona Glorinha”, como diria o nosso Rosário Fusco, e talvez por isso jamais se alçou a alturas midiáticas, como se faz hoje habitualmente.

Em 2005, quando ele completava 80 anos, a UFMG, talvez numa tardia homenagem, editou sua obra completa com o título de Homem ao termo (poesia reunida 1949-2005).

São 56 anos de produção intelectual constante, a deste raro mineiro que raramente saía de Minas. A bela edição da UFMG tem introdução de Benedito Nunes e uma carta-posfácio de Antonio Candido, dois pesos-pesados da teoria e da crítica literária.
O volume se inicia com "O açude" e se encerra com "Mínimo", entre os quais se desenrola extensa lista de livros memoráveis como Carta do solo, Código Nacional de Trânsito, Cantaria barroca, para citar os de minha preferência maior.

A atividade de Affonso Ávila engloba também a de pesquisador, ensaísta e profundo conhecedor do Barroco, mas é na poesia que mais se distinguiu o nosso autor, tendo construído uma obra que começa com sonetos bem realizados e encontra seu território na permanente experimentação com a linguagem.

Pelo conjunto da obra, poderia ser considerado um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos (ao lado de Augusto de Campos, Wlademir Dias Pino e Ferreira Gullar), no entanto, para usar as palavras de outro mineiro (Carlos Drummond), Affonso Ávila sempre teve a “cabeça baixa”, e, por outro lado, um posicionamento crítico em que ressaltam o equilíbrio e o “sentimento do mundo” que os só grandes poetas têm.
Para os nossos leitores, apenas um flash poético de Cantaria barroca:

BECO DO ESCORREGA

& a gente pensa que está subindo
& está é descendo
& a gente pensa que está sabendo
& está é descrendo
& a gente pensa que está somando
& está é diminuindo
& a gente pensa que está salvando
& está é destruindo

5 comentários:

Anônimo disse...

Só hoje conheci seu blog. Vou virar leitor habitual.

Anônimo disse...

Muito interessante o Beco do Escorrega, em poucas linhas resume a vida de fato, assim vivemos...
Muito bom o texto, Joaquim.
Angela Nair Ribeiro da Silva

Joaquim Branco disse...

é bom ter bons leitores. Obrigado. Abrçs, JB

Anônimo disse...

PLATÃO RIDES AGAIN
O poeta é expulso da república. Erraram aqueles que pensaram que ele seria enterrado com honras de estado. Na árida primavera brasileira, Affonso Ávila se vai lentamente sob a mortalha do silêncio e da indiferença de seus colegas de ofício, daqueles que confiou até o fim serem seus amigos e da geração que o sucedeu. Resta-lhe o trunfo de ter previsto em verso seu mais perfeito epitáfio: A ATITUDE DIANTE DO POETA É O BOCEJO.

Joaquim Branco disse...

Não tenho a menor dúvida de que Affonso Ávila foi um dos melhores poetas brasileiros contemporâneos, sempre na vanguarda das ideias do seu tempo. Quanto a reconhecimento em vida, é uma coisa muito problemática e nem sempre válida. Além disso, deve-se contar que Affonso, como um tímido, nunca se promoveu o mínimo possível. Por outro lado, sua poesia pedia bons leitores e intérpretes. Perdemos um grande poeta, isso sim, principalmente o nosso Estado.