3/12/2012

VIDA RECLUSA, POESIA LIVRE


Emily Dickinson exerceu como poucos o ‘ofício’ de poeta. Sua vida reclusa, quase monástica, transcorrida, em grande parte do tempo, numa mesma casa, inclinou-a naturalmente para a poesia – ou se poderia dizer o inverso?

Nasceu em Amherst, estado de Massachussetts, EUA, em 1830, iniciando seus estudos aos 5 anos de idade. Mais tarde, aos 17 anos, transferiu-se para o seminário de Mount Holyoke, mas um ano depois seu pai decide afastá-la dos estudos regulares. Foi quando, passou a dedicar-se mais a leituras.

Aos 34 anos Emily enclausurou-se em sua casa, e anos depois foi acometida de grave enfermidade, morrendo em 1886.

De sua vida amorosa, pouco se sabe, apenas de ‘amores secretos’, como o que talvez tenha vivido com o juiz Otis Lord. Seus poemas e cartas eram, na maioria, destinados à cunhada e vizinha Susan Dickinson, com quem teve tão estreita amizade que alguns críticos classificam-na como manifestação lésbica.

Cito alguns dados revelados no livro A branca voz da solidão, uma antologia bilíngue editada pela Iluminuras em 2011 (351 páginas), acompanhada por um revelador estudo introdutório escrito pelo seu tradutor José Lira.

Por suas características inovadoras e pelas inúmeras versões que criava para seus poemas, tornou-se difícil estabelecer uma edição ‘definitiva’ de sua obra, mas a seleção-tradução criteriosa de José Lira pode dar ao leitor uma boa visão do que nos deixou Emily Dickinson.

Lira manteve na tradução até o que se convencionou chamar de “disjunções” ou sinais gráficos multifuncionais, além do uso de maiúsculas, que Emily ‘espalhava’ pelo texto a seu bel-prazer. Tudo isso, aliado às variadas versões que se acumularam com o tempo, exigiu do tradutor atenção e cuidados redobrados.
A estranheza de seu lirismo pode ser notada neste pequeno poema:


Papai do Céu! Olha o Ratinho
Que é subjugado pelo Gato!
Reserva dentro do teu reino
A “Mansão” para o Rato!

Põe-no em seráficos Armários
O dia inteiro mordiscando
Enquanto os Ciclos impassíveis
Vão solenes girando! (p. 57)

Ou neste poema em que se entrevê a tragicidade da cena cotidiana:

A mais viva Expressão do Drama
É o Dia a Dia
Que à nossa volta nasce e acaba
Uma tragédia

Perece ao ser levada à Cena –
Esta – é mais cheia
Com as Cortinas abaixadas
E sem Plateia –

“Hamlet” teria sido Hamlet
Mesmo sem Shakespeare
“Romeu” de sua Julieta
Não saberia,

Se bem que em atração eterno
Na Alma Humana –
Teatro que não é fechado
Pelo seu Dono –

O alto registro poético de Emily Dickinson, de meados do século XIX, ressoa em nosso tempo – cerca de 200 anos depois – como uma contribuição diferente pela individualizada dicção de poemas escritos com a autenticidade de uma arte por demais expressiva. Resta concluir que a perfeita escolha do título – A branca voz da solidão – está bem à altura da obra.

5 comentários:

Anônimo disse...

Joaquim,
Não resisti a curiosidade (na condição de mulher) que me escraviza e vim saber das últimas novidades...
Nunca ouvi falar em Emily Dickinson (desculpa a ignorância, mas é fato!). Embora lendo apenas um poema, "A branca voz da solidão", o que você menciona aqui, achei-a enigmática e dramática.
Angela Nair

Morgana Gazel disse...

Pobre Emily Dickinson! Como a maioria dos poetas, só despertou interesse depois de morta. Se houvesse recebido atenção em vida, provavelmente seus poemas seriam considerados bons, mas não extraordinários. Agora o são talvez porque tenham recebido o selo de mercadoria. Sina triste a dos poetas.

Polyanna Campos disse...

Poxa Joaquim, não conhecia Emily. Gostei muito!

Polyanna Campos disse...

Poxa Joaquim, não conhecia Emily. Gostei muito!

Joaquim Branco disse...

Agradeço pelos comentários. Abrçs, JB