JOAQUIM BRANCO: UM AUTOR COM O SELO DA POESIA
José Luís Jobim
Creio que Joaquim Branco não necessita de apresentação para
Cataguases, cidade que sabe muito bem a imensa energia e criatividade que há
por trás deste poeta, pesquisador e professor, ligado à vida cultural da cidade
há meio século. Também não necessita de apresentação no Rio de Janeiro e nos
outros lugares do Brasil onde ele ou sua obra circularam e circulam. Assim
sendo, vou me concentrar, nestas breves linhas, a falar um pouco do livro que
ele agora publica, porque, meu caro leitor, quando se lê um livro, nem sempre
se conhece a história por trás de sua feitura.
Este livro começou de fato quando Joaquim Branco, poeta já
consagrado, após a aposentadoria, passou a dedicar-se mais intensamente ao
magistério universitário, na sua Cataguases – que ele carinhosamente chama de
"província", e que guarda com ele uma grande sinergia, pois tem uma
tradição literária de conexão com o agora, com o nacional, com o transnacional,
e um potencial de catalisar personalidades artísticas criativas que sempre chamou
a atenção dos estudiosos da literatura e da cultura, e a colocou numa posição
nada provinciana. De fato, se é uma província com o selo da poesia, como diz o
título, não é só por sua relação com a chamada "Arte Postal", mas
principalmente porque, seguindo a etimologia da palavra selo, Cataguases tem a
marca ou o sinal da poesia em sua história cultural. E parte significante disto
se deve à geração de Joaquim - e muito especialmente a ele.
Falemos então novamente de Joaquim Branco e do seu livro. Um
dia, este poeta-professor, já sessentão, decidiu fazer seu doutorado na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro: fez o exame de seleção, passou com
brilhantismo e começou a frequentar seus cursos em 2003. Tive então o
privilégio de ser escolhido como seu orientador de tese, papel que cumpri mais
na forma de diálogo do que na de orientação propriamente dita. Na época, ele
pensava em trabalhar algum dos temas literários mais presentes no cardápio dos
estudos de pós-graduação, mas, a partir deste nosso diálogo, chegamos à conclusão
de que o trabalho mais relevante a ser feito, e que provavelmente apenas ele
poderia fazer – a partir de sua perspectiva histórica e pessoal –, seria
exatamente enfocar os movimentos artísticos em que ele se inseriu, durante toda
uma vida dedicada a criar e a refletir sobre a criação. Ao longo das páginas
seguintes, portanto, o leitor verá Joaquim contando sua estória, transformando
em narrativa um passado em que ele foi personagem, descrevendo e ao mesmo tempo
refletindo sobre ações e eventos, dando uma certa ordem e sentido à sua própria
perspectiva sobre o que vivenciou, estabelecendo um padrão de organização na
própria configuração de seu tempo, e dos movimentos que testemunhou e de que
participou, e ajudando a criar quadros de referência para a compreensão do
contexto e dos textos produzidos em sua época. Quem o conhece sabe que ele não
fez (nem fará) isto em um estilo caudaloso, pois nada mais distante de Joaquim
do que prestar-se ao chavão do literato verboso e cheio de pompa que gerou personagens
caricatos na obra de Jorge Amado ou Dias Gomes.
De fato, uma das minhas mais árduas tarefas no diálogo com
Joaquim foi fazê-lo abandonar parcialmente seu modo seco e enxuto de trabalhar
a palavra, para desenvolver mais a análise tanto do que ele efetivamente
produziu ao longo de sua longa carreira quanto das circunstâncias e teorias
que presidiram esta produção. Assim, Joaquim nos levará a recuperar sua
vivência de geração, de interior mineiro dos anos 60 e de homem que morou e
visitou os grandes centros, construindo sua literatura e sua vida em jornais,
livros, cartões e impressos, mas sempre pensando no contexto social em que ele
e seus textos se inseriram. Se os que o conhecem sabem que, de fato, Joaquim
tem muito mais a dizer do que disse neste volume, o próprio lançamento do livro
servirá, entre outras coisas, para que estes amigos (incluso eu) aproveitem
para cobrar dele que escreva mais e que seja menos egoísta com suas memórias –
ou seja, que deixe de guardá-las só para si e as socialize mais. Claro, sabemos
que o modo sintético de ser de Joaquim vai oferecer resistência, porém vencê-la
é importante. Eu mesmo tive às vezes uma tarefa difícil, pois houve ocasiões em
que o nosso diálogo funcionava como uma cobrança minha de que ele explicitasse
o que estava implícito em seu argumento, e ele dizia mais ou menos o seguinte:
"Mas eu preciso escrever isto mesmo? É tão óbvio!". Eu asseverava que
estava óbvio para ele, porque ele possuía a informação, mas não
necessariamente para o leitor virtual, que poderia não possuí-la, e ele então
concedia em explicitar a "obviedade". Creio que muitos leitores do
presente (e muito mais do futuro!) nos agradecerão por isto. De todo modo, o
resultado está agora disponível neste volume e com certeza este é um trabalho
que já nasceu como referência obrigatória de todos os que, no campo dos estudos
literários, se dedicarem a estudar a geração e a obra de Joaquim Branco. Bom
proveito, caro leitor!
30-04-2013
José Luís Jobim é Professor dos cursos de graduação e pós-graduação
em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal
Fluminense.
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