No vasto emaranhado da
produção poética contemporânea no Brasil, o mineiro Joaquim Branco exerce papel
crucial. De Cataguases, na Zona da Mata, onde nasceu e mora há 57 anos, ele
construiu uma obra fundamentada na concisão e na experimentação. Ao lado do mato-grossense
Wlademir Dias-Pino, Branco é o principal nome do poema-processo no Brasil,
movimento literário surgido no início dos anos 70, rompendo com o concretismo
dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e o neoconcretismo de Ferreira Gullar.
No raciocínio de Joaquim,
tanto o concretismo como o neoconcretismo eram movimentos endógenos, fechados
em si mesmos e incapazes de uma abertura e diálogo circulares com poetas de
outras tendências, o que distanciava ainda mais os poemas do público-leitor.
Assim o poema-processo, apesar da mesma paixão pela genealogia das palavras
expressa nas vias concretas, diferenciava-se destes movimentos ao buscar uma
liberdade maior, alcançada através de trocadilhos e de um humor que os estetas
do concretismo não conseguiam.
Um pouco desta alquimia verbal pode ser sentida no novo livro de Joaquim Branco, "O Caça-Palavras", em que o autor experimenta seu rico manancial poético, dando continuidade a obras anteriores, como "Concreções da Fala" (1969) e "Consumito" (1975). O curioso é perceber que Branco está imune a algumas transformações ocorridas na criação poética brasileira entre o final dos anos 80 e o início da década de 90, como o ressurgimento de uma poesia extremamente cerebral, pseudocabralina e pseudoschmidtiana (tadinhos de João Cabral e Augusto Frederico Schmidt), centrada em versos gordurosos e poemas discursivos. Branco é o antídoto contra tamanha enrolação adjetiva. Seus versos retomam os aspectos telúricos da palavra, resgatam o coloquial e soam leves embora tragam embutidos na sua própria lavra a densidade de um poeta-critico em relação às mazelas do mundo. O aspecto ideológico é simultaneamente o atrativo e o diferencial de sua poesia.
Livro em duas partes
Em "O
Caça-Palavras", Branco dividiu o livro em duas partes.
"Pré-estória" e "Estória", o primeiro com poemas publicados
esparsamente desde a década a 70 e a segunda com inéditos. A divisão tem dupla
função: serve como introdução ao universo poético do autor e também mostra seu
pro-cesso de evolução e maturidade estéticas através dos poemas recentes.
E é bom constatar que os
versos de Branco não envelheceram. A visualidade de seus caligramas não é
inócua, evitando o vazio da forma pela forma. Seus trocadilhos, em alguns casos
onomatopaicos, são felizes, como o efeito
morfossintático do verso
"gaivotas nem dão notiiiiiicias de terra à vista", em que o som
destas aves figura no poema.
A síntese é outra de suas qualidades. Como em "Marauto", onde Branco cria "um mar de manchas musicais/tragando um sonho de sal". Fora o verso de múltiplos sentidos e ressonâncias ("sede minha sede") do poema "Renascença". Soluções eficazes de um sujeito sintonizado com o mundo e que transcende, por meio da palavra, a indignação de sua cidadania poética.
Neoliberalismo, alvo
da poética
Quando embrenhou-se no
território dos versos no final dos anos 60, embriagado pelas revoluções linguísticas
de Ezra Pound e James Joyce e embalado pela tradição poética de Cataguases da
revista modernista "Ver-de" e de nomes como Francisco Inácio Peixoto
e Guilhermino César, o inimigo de sua criação poética era a ditadura militar
pós-AI-5. Era impossível resistir à tentação de enfrentar um regime político
excludente e cruel através do exercício poético.
Promovendo uma sábia interação entre literatura e artes plásticas, Branco usou cartazes e poemas-objeto, apostando na arte postal, utilizando o correio como arma poética. Agora, o inimigo é outro. Mascarado, oculto, invisível. Não há mais a guerra do Vietnã, tema de alguns de seus poemas-postais que ficaram famosos nos Estados Unidos e na Europa, a neura atômica entre os EUA e a ex-URSS diminuiu (embora o risco de um conflito nuclear ainda exista). O alvo da poética de Branco é o neoliberalismo que estupra constituições e direitos adquiridos em nome de uma economia de mercado que amplia assustadoramente o hiato entre os poucos que ganham cada vez mais e os muitos que perdem as estribeiras. Isto pode ser notado em poemas visuais como "Privatizar", que explora as semelhanças estéticas entre o verbo neoliberal privatizar e certas instalações sanitárias.
(21-12-1997 in Cultura,
jornal Hoje em Dia - BH)
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