6/20/2025

OS TERRITÓRIOS DO POETA

Joaquim Branco


"a tarde se adentrar
pela noite adentro
até que a manhã
majestosamente
leve o verso como
pólen a fomentar
outros desconcertos."(p. 58)

Costumo receber pelo Correio muitos livros que entram numa fila para leitura e comentário. 
Agora, como se vê, chegou a vez de "Todos céus", de Rogério Barbosa da Silva, de 2024. Nesse caso, pela qualidade da obra o prazer de ler e comentar aumenta bastante meu interesse. E tudo isso começa por um bom título: "Todos os céus", dividido em 5 partes.

No plano e execução da obra, Rogério Barbosa criou uma geografia própria onde aborda regiões e sensações que circunscrevem o momento íntimo do poeta, os lugares, as predileções por autores, o social, o episódico etc. Tudo porém não dissociado, mas funcionando com uma naturalidade ditada pelo ritmo dos poemas e a escolha da palavra certa.
Como neste "touchstone" de "Escalas":
"olho/ a poeira dos sapatos/ a trinta centímetros/ ao alcance da mão/ rastros de meu estar no mundo.(p. 16)

Ou aqui, entre o futuro e o sonho dentro do aprendizado poetico:
"de minhas ilhas/ mínimas/ qual bandoleiro/ quero tomar/ de assalto/ o amanhã" (p.23)

Na seção "Brincar o poema", o começo pessimista, mas não persistente:
"Na manhã/ um pássaro irritado/ dá o tom/ a meia distância/ uma segunda sombra." (p. 28)

Para introduzir autores certamente de preferência do poeta penetrando no poema, faz a inserção de acordo com cada um deles, como em "Ah Maiakovski":
"Se um grego te lê/ bem alto gritará/poema, a tinta/ escassa será/ o teu fim." (p. 29)
"Chego tarde em casa./ No quarto, acolhedor,/ ela lê tranquila/ uns contos fantásticos/ de Ítalo Calvino." (p. 34-35)
"O turbilhão passa/ enquanto passeio com Borges." (p. 39)

No breve roteiro pelas cidades, vão-se descortinando também os autores nativos, não sem poetizá-los:
"Em Recife viajamos no tempo,/ olho as fachadas das habitações/ em busca de Manuel Bandeira./ Atravessamos o Capibaribe,/passamos pela rua da União,/ adentramos o velho centro." (p; 40)
/'No Rio não há tristeza. Havendo,/ ela olha o Pão de Açúcar, a Pedra/ da Gávea. Notícia ruim sucumbe/ a um pásseio na Urca, ou fluir nas delícias de Botafogo.(...)" (p. 40)
Não deixa de avançar para outros países, como em:
"Então/ a Abbey Road é um presente/ um contínuo do ser/ a rua caminha na lua./ E eu caminho em sua sombra." (p. 42)

O autor busca percursos textuais em outros poetas, e aparece o tema bandeiriano disfarçado na formação do texto de dois poemas:                                                                                                                                "Uns tomam "Uns "Uns tomam absinto/outros cocaína/ uns esbaldam dialética outros estragam a rima." (p. 44)
"Loura ou morena,/ em torno do cemitério,/ o que eu vejo é a zona." (p. 65)
Como também em Baudelaire, Guimarães Rosa ou Machado:
"Amam de um modo geral na madura estação/ como os gatos poderosos de Baudelaire (...)"(p. 90)
"Nessas águas banhou-se Diadorim, e viu-se Riobaldo/ em provação." (p. 91)
"Nessas águas o verde e o arenoso são como mar traiçoeiro, os olhos/ de Capitu." (p. 91)

Enfim, este é um livro raro nos dias de hoje não só porque navega com maestria em todos os territórios do poeta, mas principalmente porque mostra como a boa poesia pode estar em 'todos os céus'.

20/06/2025)






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