5/03/2025

 

Joaquim Branco, um repórter poético

in "revista caliban" – maio 2025

Fernando Fiorese

Em tão breves linhas, não arriscaria sequer um resumo da trajetória de Joaquim Branco, iniciada em livro com Concreções da fala (1969). Confio ao leitor a tarefa de percorrer os bem mais de 50 anos da obra deste poeta, crítico, professor e pesquisador, na qual opera sempre em diálogo com as vanguardas dos anos 1950–60 (Poesia Concreta e Poema-Processo), mas sem nunca dobrar-se a qualquer servidão a ponto de denegar a tradição e dar por “encerrado o ciclo histórico do verso”*.




Além da óbvia madureza técnica nos muitos engenhos de sua oficina poética, em Zona de conflito encontramos um autor por demais atento aos acontecimentos e às coisas do mundo. Tal qual um repórter a registrar as nossas muitas mazelas — com o cúmulo das quais os diários do planeta tratam de nos dessensibilizar –, Joaquim Branco emprega todo um aparato verbivocovisual para ressensibilizar corações e mentes.

Assim é que o poeta, o olho armado de economia sígnica, repertório plural de saberes e referências e exemplar aparato gráfico-visual, se faz repórter fotográfico e produz instantâneos das nossas desditas domésticas e das catástrofes mundiais. São imagens críticas que não poupam a desigualdade social sistêmica de cada dia, as desrazões da política, as barbáries do liberalismo econômico e a indigência da sociedade de consumo, como se observa nos poemas “A mão invisível” e “Homo quotidianus”, aqui reproduzidos. No registro fanopaico dos acontecimentos da história imediata, à revelia do poeta (bem como do jornalista), muita vez e súbito uma imagem se torna caduca por conta de nefastos acasos do tempo, como se dá com “Bye, bye, trumpismo!!!” (p. 34), datado de 03.11.2020, poema que desejo atual o mais breve possível.

Também o verbo indignado e crítico de um repórter nada imparcial dedica-se a descarnar em redondilho menor os fascismos mais prosaicos (“Imitatio”, p. 68), a descontruir os simulacros deletérios das redes sociais (“De como aceitar um facebooker”, p. 41), a rubricar com realismo cru tanto o horror das migrações contemporâneas quanto os crimes ambientais nada culposos (“MG: socorro”, p. 79).

Mas nesta “zona”, o conflito de fundo se dá entre objetividade e subjetividade. E nas vezes em que esta última exsurge, o repórter muda em cronista, um cronista lírico que oferta ao leitor o “refresco” da beleza e do afeto, como em “Última flor” (p. 127) e “Meninez” (p. 77–78):

Fui lá tirá-la do colo

da infância

para mostrar o avesso

do pesadelo

– a noite estrelada,

o travesseiro de pelos

macios onde encostar

a cabeça de zelos.

 

* Tal propugnava o “Plano-piloto para Poesia Concreta”.

Referências:

BRANCO, Joaquim. Zona de conflito. Cataguases: Ed. do autor, 2023, 130 p.

CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Plano-piloto para Poesia Concreta. In: TELES, Gilberto Mendonça (org.). Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.




 

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