Lembro-me de que, na noite do lançamento, dona Amelinha me pediu para abrir o evento, dizendo algumas palavras, e que ele gostaria que fosse eu. Mesmo diante de sua insistência e da minha vontade de aceitar o honroso convite, não tive coragem naquela sala muito cheia e a inibição me tomou. Fico me perguntando: será que ela me perdoou?
Aqui vai a minha tardia desculpa.
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BAPO OU A TRANSPARÊNCIA DA LINGUAGEM___________
Joaquim Branco_________________
Ler o livro de contos de Francisco Inácio Peixoto, lançado em noite festiva no domingo passado (leia-se 07-01-1968) é travar contato com um trabalho sério cujo aprimoramento a passagem dos anos veio confirmar.
Os 7 contos que compõem o volume “A Janela” (Editora do Autor, 1967, 76 páginas), com excelente capa de José Maria Dias da Cruz, são prova concreta da vitalidade de um artista que – apesar de estar encerrado na província e marginalizado pela atividade por longo tempo como industrial têxtil (felizmente agora aposentado) – soube manter seu compromisso com a literatura, verdadeiro ofício do escritor.
Não vou analisar a obra desta vez. Fica para depois, com mais espaço e vagar que o livro merece. Hoje chamo a atenção dos leitores para o último conto da presente coletânea – “Bapo” – que considero a peça mais bem realizada do conjunto.
Este é um conto enxuto, limpo, composto de imagens plásticas de alta comunicabilidade e que me impressionou vivamente.
Para citar bons contistas contemporâneos – Dalton Trevisan, José J. Veiga, Ivan Ângelo – pode se associar o ficcionista em questão a algum dos citados, mas seria difícil uma ligação por proximidade de estilo ou algo semelhante. Características além da originalidade, nota-se a marca do poeta, descobrindo e registando a imagem em pequenas explosões de cores e ritmos, taquigrafando a nomenclatura inconsciente das sensações, ou criando uma ponte entre o clima, o “plot” e a linguagem.
“Bapo” é a onomatopeia da criança que a imaginação do escritor captou num lance rápido e que foi bem encaminhada dentro de uma sintaxe clara e melopaica, à medida que vai sendo desatada a estória e vão se delineando as figuras do Menino e do Peixe.
O contista por trás deles – como a persona poundiana – se esgueira, flutua, nomeia as palavras, e daí nasce uma atmosfera ao mesmo tempo real e alegórica.
Além disso, o conto comunica uma transparência ambiental comum ao reino dos peixes que tem ligação com a luminosidade do mundo infantil, onde as cores – mais definidas e por isso diversificadas – adquirem uma espécie de fosforescência meio estranha.
Transcrevo alguns fragmentos do conto onde o autor descreve o aspecto daquele “pequeno e vivo ludião vermelho”: “era um desses peixinhos lindos de aquário, habituados à transparência de sua bola de cristal” (p. 74).
Ou quando da agonia do pequeno Bapo: “o corpo perdera a flexibilidade e só a custo se contraía sem direção. Era uma pequena alga que as águas levassem. Recurvara-se em sinuoso e hirto.” (...) “As guelras batiam, ritmando o incessante abrir e fechar da boca”. (p. 76)
Em seguida, a tentativa de salvamento: “puxaram-no para a margem, como uma coisa, como um papel amarrotado que estivesse boiando no tanque. Algumas escamas haviam perdido os reflexos dourados e se esfiapavam formando manchas macetadas”.(p.76)
E finalmente a morte: “E Bapo foi descendo lentamente, lentamente, como um esquifezinho, até mergulhar no lodo a pequenina cabeça vermelha.
Quando o tiraram dali, estava morto.” (p. 76)
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