7/09/2022
O INFERNO DE JAMES JOYCE - Joaquim Branco
Uma das obras-primas da literatura universal é o romance “Ulisses”, do irlandês James Joyce (1882-1941), publicado em 1920.
No Brasil, conheço duas traduções do romance: a do crítico Antonio Houaiss (de 1966) e a mais recente da professora Bernardina da Silveira Pinheiro (2005), ambas magistrais.
A da professora pende mais para uma “leitura” discursiva e mais acessível ao público, tendo em vista a dificuldade que se apresenta para um leitor comum a literatura joyceana. Com ela vou trabalhar a seguir.
No final do volume há um glossário que orienta sobre os caminhos a percorrer na localização de pessoas e lugares citados. Bernardina oferece, a partir da página 835, dados elucidativos das passagens criadas por Joyce para os eventos “reais” em que se apoia o livro.
Sabe-se que a obra é uma paródia da “Odisseia” de Homero, tendo como protagonista o mesmo Ulisses, ali chamado de Leopold Bloom.
Vou abordar aqui o episódio “6/Hades”.
No livro de Homero, Odisseu (Ulisses) desce ao Hades (o Inferno na Mitologia grega) a conselho de Circe, para falar com o profeta Tirésias sobre sua volta a Ítaca. Tirésias o alerta para as dificuldades que seriam criadas por Poseidon caso matasse os bois sagrados de Hélio (deus Sol). Se isso acontecesse perderia seus marinheiros e teria mais dificuldades para chegar a Ítaca. Na terra natal, ainda teria que eliminar os pretendentes que cortejavam sua esposa e aí sim poderia retomar Penélope.
Joyce em seu romance, cria um episódio que corresponde à descida ao Inferno. É a ida de Leopold Bloom ao cemitério Glasnevin para um enterro e ali acontecem ações e manifestações acerca da morte. O autor utiliza a técnica do Incubismo para mostrar os pesadelos com fantasmas e conversas imaginárias (da página 102 à 132).
No enterro do sr. Paddin Dignam desenrolam-se esses acontecimentos, e o texto joyceano comparece com seus personagens e falas: “(...)a facção Gouding, o contadorzinho bêbado e Criscia, o torrãozinho de esterco do papai, a filha sábia que conhece seu próprio pai”. (p. 104)
Surgem aqui e ali os comentários maldosos entrecortando a narrativa:
“Corpo de anão, fraco como betume, num caixão raiado de branco. A Friendly Society paga o enterro. Um penny por semana para uma gleba de gramado. Nosso. Pequeno. Mendigo. Bebê. (...) Se é saudável herdou da mãe. Se não do homem. Mais sorte da próxima vez. (p. 111)
Ou quando recorre à frase-feita para mudá-la no fim do episódio: “...longe dos olhos, perto do coração.” (p. 115)
No final melancólico: “Não sofrer mais. Não acordar mais. Ninguém é dono. (p. 112)
Reflexões rápidas: “A imagem do assassino nos olhos do assassinado.” (p. 116)_
Ou mais longas? “Alguma coisa nova para lhe dar esperança não como o passado que ela queria de volta, aguardando. Ele nunca vem. Um tem que ir antes: sozinho, debaixo da terra: e não se deitar mais na cama quente dela” (p. 118)
Joyce interpreta fisicamente vida e morte, no discurso livre: “Coração partido. Uma bomba afinal de contas bombeando milhares de galões de sangue todo dia. (...) Velhas bombas enferrujadas: maldito tudo o mais (p. 122)
Em meio às considerações: “No meio da morte estamos na vida. Os dois extremos se encontram (p. 124)
E quase ao final do episódio, como se revisse a frase anteriormente citada para transformá-la: “O barro caiu mais suavemente. Começar a ser esquecido. Longe dos olhos longe do coração.” (p. 127)
JOYCE, James. Ulisses. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2005.
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