11/17/2024

O POEMA PROCESSO DE JOAQUIM BRANCO - Alécio Cunha

 


No vasto emaranhado da produção poética contemporânea no Brasil, o mineiro Joaquim Branco exerce papel crucial. De Cataguases, na Zona da Mata, onde nasceu e mora há 57 anos, ele construiu uma obra fundamentada na concisão e na experimentação. Ao lado do mato-grossense Wlademir Dias-Pino, Branco é o principal nome do poema-processo no Brasil, movimento literário surgido no início dos anos 70, rompendo com o concretismo dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e o neoconcretismo de Ferreira Gullar.

No raciocínio de Joaquim, tanto o concretismo como o neoconcretismo eram movimentos endógenos, fechados em si mesmos e incapazes de uma abertura e diálogo circulares com poetas de outras tendências, o que distanciava ainda mais os poemas do público-leitor. Assim o poema-processo, apesar da mesma paixão pela genealogia das palavras expressa nas vias concretas, diferenciava-se destes movimentos ao buscar uma liberdade maior, alcançada através de trocadilhos e de um humor que os estetas do concretismo não conseguiam.

Um pouco desta alquimia verbal pode ser sentida no novo livro de Joaquim Branco, "O Caça-Palavras", em que o autor experimenta seu rico manancial poético, dando continuidade a obras anteriores, como "Concreções da Fala" (1969) e "Consumito" (1975). O curioso é perceber que Branco está imune a algumas transformações ocorridas na criação poética brasileira entre o final dos anos 80 e o início da década de 90, como o ressurgimento de uma poesia extremamente cerebral, pseudocabralina e pseudoschmidtiana (tadinhos de João Cabral e Augusto Frederico Schmidt), centrada em versos gordurosos e poemas discursivos. Branco é o antídoto contra tamanha enrolação adjetiva. Seus versos retomam os aspectos telúricos da palavra, resgatam o coloquial e soam leves embora tragam embutidos na sua própria lavra a densidade de um poeta-critico em relação às mazelas do mundo. O aspecto ideológico é simultaneamente o atrativo e o diferencial de sua poesia.

Livro em duas partes

Em "O Caça-Palavras", Branco dividiu o livro em duas partes. "Pré-estória" e "Estória", o primeiro com poemas publicados esparsamente desde a década a 70 e a segunda com inéditos. A divisão tem dupla função: serve como introdução ao universo poético do autor e também mostra seu pro-cesso de evolução e maturidade estéticas através dos poemas recentes.

E é bom constatar que os versos de Branco não envelheceram. A visualidade de seus caligramas não é inócua, evitando o vazio da forma pela forma. Seus trocadilhos, em alguns casos onomatopaicos, são felizes, como o efeito

morfossintático do verso "gaivotas nem dão notiiiiiicias de terra à vista", em que o som destas aves figura no poema.

A síntese é outra de suas qualidades. Como em "Marauto", onde Branco cria "um mar de manchas musicais/tragando um sonho de sal". Fora o verso de múltiplos sentidos e ressonâncias ("sede minha sede") do poema "Renascença". Soluções eficazes de um sujeito sintonizado com o mundo e que transcende, por meio da palavra, a indignação de sua cidadania poética.

Neoliberalismo, alvo da poética

Quando embrenhou-se no território dos versos no final dos anos 60, embriagado pelas revoluções linguísticas de Ezra Pound e James Joyce e embalado pela tradição poética de Cataguases da revista modernista "Ver-de" e de nomes como Francisco Inácio Peixoto e Guilhermino César, o inimigo de sua criação poética era a ditadura militar pós-AI-5. Era impossível resistir à tentação de enfrentar um regime político excludente e cruel através do exercício poético.

Promovendo uma sábia interação entre literatura e artes plásticas, Branco usou cartazes e poemas-objeto, apostando na arte postal, utilizando o correio como arma poética. Agora, o inimigo é outro. Mascarado, oculto, invisível. Não há mais a guerra do Vietnã, tema de alguns de seus poemas-postais que ficaram famosos nos Estados Unidos e na Europa, a neura atômica entre os EUA e a ex-URSS diminuiu (embora o risco de um conflito nuclear ainda exista). O alvo da poética de Branco é o neoliberalismo que estupra constituições e direitos adquiridos em nome de uma economia de mercado que amplia assustadoramente o hiato entre os poucos que ganham cada vez mais e os muitos que perdem as estribeiras. Isto pode ser notado em poemas visuais como "Privatizar", que explora as semelhanças estéticas entre o verbo neoliberal privatizar e certas instalações sanitárias.

(21-12-1997 in Cultura, jornal Hoje em Dia - BH)

10/03/2024

A BOA LITERATURA INFANTIL

 

A BOA LITERATURA INFANTIL

Joaquim Branco

A novela infanto-juvenil “Era uma vez um rio”, confirma o nome da autora Martha Pannunzio entre as melhores do país com sua narrativa poética e bem desenvolvida.

Ainda que dedicada a esse público específico, este livro pode ser estendido a todos os leitores que apreciam a boa literatura.

Martha é uma autora premiada, e seu livro, uma estória com dois personagens, um menino e um rio, que mantêm um diálogo nascido das fantasias infantis de Guto, esse é o nome do garoto.

O texto tem muitos momentos que merecem transcrição e deixam entrever as qualidades da ficcionista, como neste discurso indireto livre impregnado de poesia e referências fluviais:

“Em terra firme ele ficava riando, cachoeirando, correntezando, rebojando garganteando, canalando, remansando, lagoando, dasteando, esturiando, delteando, fozeando, se divertindo com os estabanados cardumes de dourados, lambaris, piracanjubas, piaus, pacus...” (p. 63)

Ou no diálogo com o pai: “– Pai, cadê o rio? Eu perguntei aflito. – O rio está lá embaixo, no mesmo lugar. – Fazendo o quê? – Correndo. – Como assim, correndo, pai? – Correndo, não deslizando.” (p. 67)

Ou mais adiante: “– E o rio, como é que fica, coitado, sozinho, no escuro? – O rio se vira. Continua trabalhando sem ser importunado. Já é um descanso. Vai ver ele gosta.” (p 68)

O monólogo de Guto, recorrente em alguns pontos do livro, também deve ser transcrito: “Eu tinha uma bronca do mar. Para mim ele era um engolidor de rio. Poderoso... Violento... Sorrateiro... Perigoso... Genioso... Sonso... Agressivo...” (p 79)

Terminamos com a volta do diálogo a propósito da viagem do Guto, já adulto e saindo para enfrentar novos desafios: “O rio ficou calado, pensativo, jururu... Era um rio muito sistemático, não ia dar braço a torcer. [...] Presta atenção, Guto: o que a gente ama, a gente leva consigo – Fala bobagem, não, meu amigo, como é que eu posso levar uma ponte comigo, um rio, uma lua... um avô?... Ah, se eu pudesse! – Pode, é só querer – ele afirmou. [...] Se você ama, você descobre o jeito.” (p. 94)

(2000-2024)




8/18/2024

ZONA DA MATA: NAS CILADAS DO CAMINHO


Fernando Fiorese

 Conheci os primeiros trabalhos de Fernando Fiorese nos anos 80, ele como participante do grupo D’Lira, de Juiz de Fora. Daí em diante, foi construindo sua obra em prosa e verso ao mesmo tempo que se tornou professor na área de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Bem mais tarde, em 2006 Fernando participou da minha banca de doutorado na UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Foi curto e distante o contato que tivemos, mas o acompanhamento de sua obra sempre esteve mais próximo e mais agora que acabo de ler o seu “Romance dos desenganados do ouro & outras prosas” (Rio de Janeiro: Faria e Silva, 2024,  151 pp.).

Escrito em versos, ora seguindo um metro ora outro, mas sem perder o fio da meada, este romance-poesia nos conta a história da Zona da Mata Mineira – “de língua dura e destravada”, ou “na letra corrida da espingarda” –, da segunda metade do século XIX.

Na busca do ouro que não existia, “no miserê dos lares”, nos “quiprocós que davam em riso”, nas “pendengas dos dares e tomares”, Fiorese vai construindo uma identidade quase perdida nessas Geraes de nossos antepassados.

Há mesmo em toda essa aventura um fio condutor – o jeito, o modo de vida, os costumes de um povo por onde vai passando seu texto algumas vezes mais participante como neste pequeno capítulo em prosa de “Na Livraria Pereira” (p. 104): “E não são os teares e outras máquinas que escravizam o trabalhador, e sim os capitalistas que se assenhoram das obras dos gênios das Ciências Mecânicas, cujos espíritos tratam de mover e mudar a matéria”. (p. 104-105)   

No poema “Totonho Furtado”, vêm enrolados religião, conversa de botequim, brigas de família, para terminar em referência bíblica temperada pelo humor: “Tem cabimento não, tanto escarcéu/ só fiz achar o mote, afinal/ foi tal e qual: QUINZIM MATOU ABEL.” (p. 89)

Em nossos ‘Sertões proibidos’, convivem os ditos populares “aquilo que não se tem, faz-se” como a vida do bandido Antônio que “ganhou fama por pegar qualquer serviço (de menos matar criança, moça e padre)”. Mas o texto poético e crítico também aí comparece: “Dias e noites no mesmo e igual cilício/ de derrubar mata e domar cavalo,/ de caçar pretos e mais tantos bichos.” (p 7)

Fiorese vai traduzindo e poetizando todo o material narrado numa impressionante sucessão de fatos onde “Muita vez é maior verdade a lenda” (p. 11). Como no caso do Capitão Amaral que não queria o casamento da filha com um pretendente desconhecido na região. “Por ele, antes a filha sem marido/ que emprestar o sangue àquele sicrano,/ de quem não tinha as modas nem o molde./ Entanto, Laura cismou que era Antônio/ ou se atirava no Pomba a doidivanas.” (p. 10)

Esses textos são na verdade ‘ciladas do caminho’ e por isso mesmo uma agradável e profícua leitura principalmente para quem conhece ou quer conhecer, por meio da recriação de Fernando Fiorese, este lado das Geraes, muito conhecido como Zona da Mata Mineira. 

8/02/2024

Com os besouros falantes na pele da linguagem

 Há 21 anos, meu irmão Pedro publicava este livro e se notabilizava com narrativas curtíssimas - seus microcontos de excelente qualidade que o colocaram como dos melhores criadores desse tipo de ficção: 

COM UNS ‘BESOUROS FALANTES’, NA PELE DAS PALAVRAS

Joaquim Branco            

(BESOUROS FALANTES – P. J. RibeiroEdições Totem –  Cataguases - 87 pp.- 2003)

No meio do mato besouros falantes emitem cochichos. Formigam farelos de falas, confundem e misturam nexos. Estes não são propriamente aqueles animaizinhos de asas noturnas e dura casca que, na ânsia da luz e dos holofotes, rodopiam rodopiam até cair embaixo de sapatos esmagadores.

Seu misterioso ciclo de vida resume a metáfora do destino humano ou o capricho das sensações e a busca de um sentido para as coisas. Os besouros que narram também pintam e bordam na construção de um texto sem paralelismos e rodeios. Sua mágica entra na poesia e sai na prosa, e, quando se pensa que se tornaram líricos, já se vestiram de épicos ou penetraram no drama. 

Esses bichinhos ruminam sua fome de dentro da mente humana e dali se veem diante de uma sede que não sacia nunca. Ficam remoendo um grilo que o descuido deixou apanhar, ou dormem sobre o remorso de horas tediosas. São falantes porque o tempo todo falam e ouvem vozes que lhes ensinam coisas, e eles as devolvem ao leitor no seu besourar contínuo. 

A maioria dos microtextos deste livro de P. J. Ribeiro foi escrita na década de 1960, alguns na de 70, poucos na virada do século. Mas todos trazem indelevelmente inscrita na pele a marca da aventura com a linguagem, que faz do homem não o melhor, mas o mais inquieto bicho da natureza.

Transcrevo algumas dessas micronarrativas de P.J.Ribeiro para o leitor continuar a ‘viagem’:

MONTANHAS DE MINAS

Olhe, só depois de passar por certas coisas e de notar esta chuva caindo de mansinho e que só aumenta com o tempo é que finalmente tomo coragem, passo as mãos nos móveis da sala e sinto como estão frios. Então percebo lá fora aquelas montanhas de Minas que continuam caladas estupidamente geladas olhando para mim.


NUM DETERMINADO PAÍS

Num país subdesenvolvido o que vale é ser rico.

Num país subnutrido o que vale é ser bicho.

Num país desenvolvido o que vale é ser mito.

Num país independente o que vale é ser gente.


CLÍNICA

Por favor,

aguarde na recepção.

Pode ser grande

a decepção.


DIAS E NOITES

Dias e noites eu me chego bem pra perto de mim – o sol se distancia e uma luz se apaga – e as perdas qu’eu sinto no peito, contrafeito, mordem-me os sentidos, tolhem-me a vontade.

Noites e dias me pergunto tonto qual o destino dessa vida errante, se pra me encontrar me afasto tanto, se ao me entregar me despedaço antes.


COCEIRA

Coço a cabeça, passo a mão na perna, limpo meu rosto, pego o cigarro, escovo os dentes, sento-me no vaso e só aí sai alguma coisa. 

Descarrego sonhos.


DE QUE ME ADIANTA?

De que me adianta ser feliz em Atlanta?

De que me vale ser uma besta em Sales?

O que me impede de ser um cego em Medes?

O que me leva a esconder nas trevas?


DO LADO DE LÁ

Quero ver o que acontece

do lado de lá.

Quero mudar de time

pra me escalar.


Quem puder ouvir essas vozes aproveite; o livro é pequeno, mas a conversa é preciosa. Os besouros não estarão para sempre do lado do homem, a entrar em seus pensamentos para lhe dar ideias...





6/10/2024

LANÇAMENTO DE EXPÔ E LIVRO "ZONA DE CONFLITO" EM CATAGUASES

Além do lançamento do meu livro "Zona de Conflitos", haverá um MURAL DE POEMAS com participação de 33 poetas visuais internacionais. 
bit.ly/Lançamento_Zona_de_Conflito_JB (vídeo)




5/29/2024

CINEMA NA UEMG

À NOITE, COM A EQUIPE DE CINEMA DA UEMG Sábado passado (11-05-2024) estive novamente na UEMG a convite da diretora, professores e alunos para a gravação do poema de Ascanio Lopes "O serão do menino pobre". Pensei que não daria conta, mas o incentivo deles foi tão grande que acabei me saindo razoavelmente. Mas nada se compara ao prazer de estar com eles e comentar sobre a literatura de Cataguases. Valeu, companheiros!!! A foto registra o agradável encontro.