10/30/2016
EXPOSIÇÃO DE POEMAS VISUAIS NA INDONÉSIA
Convidado para participar da exposição intitulada "MY TOWN - INDONESIA", a se realizar em fevereiro de 2017, vou enviar o poema a seguir, sobre o tema indicado no convite abaixo:
>
10/29/2016
SUBMERGINDO EM ESTRANHAS ÁGUAS
Quando P. J. Ribeiro, de repente, resolveu botar pra fora todo um arsenal de textos guardado há cerca de 20 anos, ninguém esperava que houvesse tanta coisa boa. Isso o surpreendeu também.
Leitores e críticos, não sabendo que aquela avalanche de bons textos vinha de muitos anos atrás, estão recebendo os livros como produções atuais. Tanto melhor.
Assim, o efeito torna-se ainda mais forte, pois, posto em confronto com muito do que se publica hoje, sua miniprosapoesia cresce em qualidade e novidade.
Este é o 5º volume tirado de um baú que parece inesgotável. A ideia do título inicial de “Água sanitária” passou pela variação de “Águia solitária”, para pousar definitivamente no cruzamento trabalhado: "Água solitária". No caso, o insólito adjetivo ("solitária") aplicado a "água", retira-a da categoria que o inglês chama de "uncountable", levando-a a formar um estranho sintagma, que ajuda a produzir o efeito pretendido pelo autor.
Um pequeno livro composto de minitextos, que parecem a princípio seriados e individualizados em cada página, no entanto, se encadeiam para formar um texto único.
São microfrações de textos tirados de outros textos um pouco maiores feitos ao sabor (ou ao dissabor) da vida, e que certamente, embora em pequenas doses, comprovam e confirmam a tese do quanto menor melhor.
O resto, o leitor há de tirar da sua própria vivência/leitura.
(setembro de 2002)
FRAGMENTOS DE "ÁGUA SOLITÁRIA":
Se o caminho é esse, se ter
de viver exige tanto,
pedir a morte não é muito.
O preço da vida tá um absurdo:
pela hora da morte!
Não posso brigar comigo
embora tenha vontade.
Por dentro quem me garante
qu’ eu não seja a outra metade?
O que me espera depois da morte?
Deus? As almas?
Algum parente?
Como posso saber de mim
se não me acho
um minuto sequer
por perto?
Entretanto tudo temo
e fico tremendo
toda vez que o dia amanhece
e o sol vem
e a luz me bate no rosto
No espelho
viro-me pelo avesso.
A vida tá parando, já sei.
Sei também porque nada mais incomoda
àquele que sempre se passa por mim.
Vou correr atrás desse dia,
lento e indestrutível
bocejo.
Porém não sei como
nem pra onde ir
pois nada nem ninguém
me espera.
Quer saber?
O preço da minha liberdade
tá ficando caro..
Seus lábios me despertam
e me chamam pra vida;
aí eu a abraço e juntos
vamos caminhando por essas ruas
dentro de nossas cabeças.
Assim vou deixando meu coração
seguir sua rota, minha estrela,
pois desse jeito seremos todos
iluminados.
Se a morte chegar de repente
não me surpreendo.
É a vida.
(2002)
(foto Natália Tinoco)
10/21/2016
ENCONTRO COM ALUNOS DO COLÉGIO CARMO
DA POESIA DISCURSIVA À POESIA VISUAL
A convite do professor de literatura Humberto Mendonça da Costa, fui hoje, 21-10-2016, ao Colégio Carmo, de Cataguases MG, para um encontro com alunos do 3º ano do curso médio. Apresentei uma minipalestra sobre o tema "Da Poesia Discursiva à Poesia Visual", englobando os movimentos da Poesia Concreta, Poesia Praxis e Poema Processo dos anos de 1960 e 70, bem como os antecedentes e consequências desses movimentos.
Fotos Edivânio Felix Silva
10/10/2016
INTERMEZZO COM MADAME BOVARY
(artigo em forma de texto de criação tendo como partida o curso sobre "Teoria do Romance", dado pelo professor e teórico Luiz Costa Lima, no meu Doutorado na UERJ)
O romance Madame Bovary, publicado na França em 1856, marca o movimento realista e o ponto máximo da obra de Gustave Flaubert. É a estória de Emma Bovary, mulher entediada pelo casamento, que se mete em confusões amorosas e acaba por se suicidar, iniciando o drama burguês que substituiu as peripécias 'pueris' do Romantismo.
É uma narrativa em constante estado de "em processo". Nele, a iniciativa do personagem vira o rumo dos acontecimentos a toda hora, como nesta conversa que Emma, distante de seu marido Carlos, tem com um certo Rodolfo:
"Enfim, chegou o sábado, antevéspera.
Rodolfo veio à noite, mais cedo que de costume.
– Está tudo pronto? – perguntou-lhe ela.
– Sim.
Deram a volta a uma platibanda e foram sentar-se perto do terraço, à beira do muro.
– Estás triste – observou Emma.
– Não, por quê? – E, contudo, ele a mirava singularmente, com ternura.
– É por que vais partir – insistiu ela – por que deixas tuas amizades, tua vida? (...)" (1)
Emma procura um lugar no quarto para descansar em seus pensamentos. Lembra-se de um livro de cavalaria... Ah! Era o Dom Quixote, de um certo autor espanhol. Um romance (humm?) em que o cavaleiro não era galante e não se podia suspirar por ele. Isso a desvia do estado inicial. Lembra-se de que à tarde irá à 6ª Corte Correcional do Tribunal do Sena, em Paris, só para ver, em meio à multidão, a entrada de um escritor que estava sendo processado pelas “indecências” registradas no livro Madame Bovary. Os juízes e os críticos nos jornais discutiam também se aquele era um romance realista ou naturalista.
De uma das portas de seu boudoir, Emma (sou um personagem LIVRE! LIVRE!?), depois de andar por toda a casa, contempla um retrato de Homero lateralmente.
Pode-se folhear um livro de páginas meio amareladas e grossas pela poeira e ler sobre a insatisfação que vai rondando o personagem:
"Após o aborrecimento desta decepção, seu coração ficou de novo vazio, recomeçando a série dos dias monótonos.
Iam, pois, continuar assim, uns após outros, sempre os mesmos, incontáveis, sem surpresas! As outras existências, por mais insípidas que fossem, tinham, pelo menos, a possibilidade do inesperado. Uma aventura trazia consigo, às vezes, peripécias sem fim, o cenário transformava-se. Mas para ela nada surgia, era a vontade de Deus! O futuro era um corredor escuro, que tinha, no extremo, a porta bem fechada."(2)
A protagonista afunda no tédio, no nada prosaico-burguês, no redemunho do (seu) horror individual.
Flaubert encontra sua solução ficcional tornando artístico o banal, a ninharia. A arte autônoma e o personagem “individualizado” mergulham no cotidiano, só possível no romance.
O horror metropolitano a que aduz Luiz Costa Lima invade a tela, melhor dizendo, a folha branca, como “ponto de partida” (3) . Não impede, no entanto, a “ambiência tranquila” (4) que um nada avassalador tome conta do cotidiano de Emma e lhe subtraia o sentido da vida. O romance acompanha palmo a passo os acontecimentos. “O texto ficcional, em vez de dar as costas à realidade, a dramatiza e metamorfoseia” (5) para registrar o suicídio da protagonista no final do romance. Nesse ponto, este é um ato diferenciado do lugar-comum romântico pela motivação difusa e patética:
"Emma analisava-se curiosamente, para ver se sofria ou não. Mas não! ouvia o bater do pêndulo, o crepitar do lume e a respiração de Carlos, que se conservava em pé, à cabeceira.
– Que coisa insignificante é a morte! – pensava ela; – vou adormecer de novo e tudo acabará!" (6)
Mas, não precipitemos os acontecimentos, voltemos às primeiras páginas para ver a esposa de Carlos em visita a Paris, onde narra suas impressões “de dentro” do cenário grandioso em que contempla a burguesia ‘feliz’ no luxo de seu vestuário e dos locais ornados. O balanço crítico de Emma, em discurso indireto livre, em que mais se vê a mão do narrador, conta do aborrecimento e do tédio burguês em meio à feérica festa parisiense:
"Paris, mais vasta que o Oceano, resplandecia, pois, aos olhos de Ema, numa atmosfera vermelha. A onda enorme que se agitava naquele tumulto dividia-se contudo em partes, classificadas em quadros distintos. (...) O mundo dos embaixadores caminhava por assoalhos luzidios, em salões forrados de espelhos, ao redor de mesas cobertas de tapetes de veludo com franjas de ouro. Havia ali vestidos de cauda, grandes mistérios, angústias disfarçadas em sorrisos. (...) Era uma existência superior às outras entre o céu e a terra, nas tempestades, alguma coisa de sublime. Quanto ao resto do mundo, desaparecia, sem lugar determinado, e como se não existisse.
Quanto mais próximas lhe ficavam as coisas, mais o seu pensamento se afastava delas. Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um caso particular em que se achava envolvida, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país da felicidade e das paixões." (7)
Fica melhor assim. Um final não tão infeliz. Sair do drama para adentrar na cena burguesa. Terminamos com um fragmento que envolve, como um cortinado de veludo, luzes, pesados tapetes e pensamentos inebriantes, a todos nós e ao próprio texto flaubertiano, rendado ficcional da mais refinada expressão oitocentista.
REFERÊNCIAS:
1 FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Trad.Araújo Nabuco. São Paulo: Martins, 1957, p. 205.
2 ______. Ob. cit., p. 69.
3 COSTA LIMA, Luiz. O Redemunho do horror - As margens do Ocidente. São Paulo: Planeta, 2003, p. 21.
4 _____. Ob.cit., p. 21.
5_____. Ob. cit., p. 18.
6 FLAUBERT, Gustave. Ob. cit. p. 324.
7 ______. Ob. cit., p. 64-5
(resumo de meu trabalho apresentado no curso de Doutorado na UERJ).
Assinar:
Postagens (Atom)