Machado
de Assis tem um conto intitulado "Miss Dollar" na coletânea Contos fluminenses I. É um conto de
tamanho médio a grande para os parâmetros machadianos – 23 páginas.
O texto começa com um suspense em
relação à figura de Miss Dollar, que Machado projeta na cabeça do leitor,
fazendo-o imaginar mil possibilidades sobre sua identidade. Assim o autor passa
quase duas páginas preparando o 'ambiente' e espicaçando a curiosidade do
leitor sobre os tipos de mulher que estariam 'escondidas' atrás de nome tão
extravagante. Até que afinal revela: trata-se de uma cadelinha galga que fugira
da casa de sua proprietária, uma bela viúva rica que oferecia pelo jornal a quantia
de duzentos mil réis a quem a encontrasse.
Pulando quase um século e meio,
volto a esse conto, lembrado pela recente fuga da cadelinha Gigi de minha casa,
em quem gostaria de colocar o mesmo nome do personagem do conto de Machado, mas
em casa fui voto vencido na época.
Quem a encontra – não a minha, mas a
cadela machadiana – foi um amigo dos cães, o dr. Mendonça, que, ao ler a
notícia, prontamente dirigiu-se à residência da dona. Não era uma simples casa,
mas uma mansão, e Machado não deixa passar de liso a impressão crítica:
Na
sala não havia ninguém. Algumas pessoas, que têm salas elegantemente dispostas,
costumam deixar tempo de serem estas admiradas pelas visitas, antes de as virem
cumprimentar. (p. 33)
Margarida – era esse o seu nome –
vivia com sua tia dona Antônia, e esse era um par muito comum na obra machadiana.
A mulher solteira ou viúva nunca mora só; é sempre acompanhada de uma parenta
ou agregada da família.
Feitas as apresentações, Mendonça
naturalmente não aceitou a recompensa, mas passou a frequentar a casa de
Margarida e acabou se apaixonando por ela após alguns encontros. Contudo não
era correspondido, pois a viúva não havia ido bem no casamento e não queria ter
outra decepção, assim o texto revela.
Nas idas e vindas por que circula a
narração, o protagonista acaba convencendo Margarida do seu amor, mas quando
acontece o final feliz com o casamento dos noivos, Miss Dollar, que havia
passado à penumbra das ações, retorna ao centro dos acontecimentos ao ser
atropelada por um carro.
Assim Machado de Assis encerra a
narrativa pondo um curto e triste ponto final na vida de um personagem que, no
início, parecia a protagonista da história, mas que na verdade foi apenas o leit-motiv, ou melhor, a 'bossa' usada
para introduzir a dúvida e a curiosidade na cabeça do seu leitor, e desse modo
o motivar ainda mais para não interromper a leitura antes da conclusão.
ASSIS,
Machado. Miss Dollar. In: ______. Contos fluminenses. Vol. I. São Paulo: Clube
do Livro, 1959, p. 29-52.